A primeira vez que ouvi falar do Sufi xo pensei que era um músico “calejado”. Um dos poucos experts instrumentistas que tocava de mil-e-uma-maneiras vários instrumentos. Um Ali Bábá dos palcos que era venerado por todos e ao mesmo tempo um enfant terrible que só fazia o que queria.
Era um auto-didacta que se transformava em segundos num guitarrista, logo a seguir em baterista, saltando para a viola baixo e com uma mão no teclado.
Finalmente vi-o tocar na Rua D’Arte e aí sim! O miúdo era mesmo bom! Na brincadeira disse-lhe que era sua fã e olhou para mim com aquele ar experiente e rezingão.
Não me deu muita conversa! Ao longo do tempo fomo-nos cruzando num ‘gig’* aqui e outro ali e achava impressionante o eclectismo do Sufixo.
Ao mesmo tempo sentia que era um jovem solitário e que só estava bem entre os instrumentos que tocava com sabedoria. Um «exímio» músico como lhe chama agora a imprensa.
Foi preciso morrer para que olhassem para aquele mais de metro e meio como um herói. Uma criança que nunca cresceu, pois desde cedo foi pau para toda a obra.
Estava perdido entre o bem e o mal, o êxtase e a tristeza… Vivia em condições sub-humanas, num quarto sem ventilação, debaixo de um vão de escadas, enquanto era aplaudido na Europa para onde foi convidado.
Era marginalizado porque trocou o uniforme da escola pelas tardes passadas a assistir a ensaios de músicos conceituados. Foi uma mascote enquanto deu jeito.
Acredito que tenha desistido como tantos outros que se entregam à solidão ao olharem para o seu futuro, num presente em que quando dizes que és “músico” as pessoas entendem “marginal”. Uma realidade estranha e dura. Onde todos parecem autistas e nem com a música se consegue comunicar. E agora?
Já me começo a cansar de, cada vez que escrevo, o assunto tenha de ser sobre a perca de alguém… Era suposto andar com os meus pensamentos cor-de-rosa, mas tenho percebido que a vida não é nada assim. Tarde, eu sei. Mas percebi.
Também sei que para morrer é preciso estar vivo e todos os blá blá blá blás referentes à única coisa que temos como certa. A morte. Faz hoje uma semana em que estive a última vez com ele. O nosso encontro não foi pelas melhores razões e a que nunca vou esquecer é por ter sido o último.
Já sabia que tinha crises de epilepsia que se manifestavam em todos os sintomas que podem ‘googlar’*, mas nunca tinha assistido. Nesse dia o Sufi xo concentrado no palco do “Franco-Moçambicano” à espera de iniciar o teste de som do seu teclado.
De repente vejo-o a tremer e não estava a entender o que estava a acontecer ali. Aproximei- me e já tinha à volta os seus companheiros de jornada a apoiarem- no, pois já sabiam como agir. Fiquei impressionada e tentei ajudar… Acalmou e foi transportado lá para fora onde podia apanhar ar.
Nesse compasso tive tempo de lhe dar mais um sermão como se de um comprimido se tratasse. Um placebo moral que temos a mania de aplicar quando não podemos fazer mais nada. Olhava para mim e dizia que já se estava a sentir bem e que só precisava de tomar um banho para voltar.
Não me conformei e fui deixá-lo a casa. O seu ar pequenino e debilitado assustava-me mas diz-se que quando és “jovem” aguentas mais. Acreditei que a energia com que tocava bateria ia superar aquele momento e que à noite já estaria “fresco” para o concerto.
E assim foi! Vimo-lo em palco pela primeira vez e não sabíamos. Insistiu em actuar, porque o destino queria levá-lo. É egoísta demais dizer que não é justo. Que não tinha que ter acontecido assim. Mas aconteceu.
E agora?
Give Thanx Paulo do “Gil Vicente”, Azagaia, Venâncio e Tio Hortêncio Langa por me terem ajudado a conhecê-lo melhor.
Um bem-haja,
*concerto **pesquisar no Google