Se de facto, na música há uma técnica perfeitamente definida, de tal sorte que, ninguém ousaria dar concerto sem anos e anos de estudo, uma carreira dura, difícil e bem programada – como as escolas de arte preconizam – então, na essência, alguns (jovens) músicos moçambicanos são uma fraude. Dudas Aled, um talento emergente, quer ser diferente. Sabia porquê?
Dedica-se à arte de cantar há dez anos, todavia, só nos últimos dois tem recebido o feedback, digamos, o reconhecimento da sua existência artística. Não abandona a camada juvenil, mas vive mais incrustado nos artistas da chamada Velha Geração, os cotas da canção moçambicana. Já recebeu destes – da Elvira Viegas, Mingas, Calane da Silva, por exemplo –a bênção para seguir em frente. Talvez seja por isso que “considero a música como um tecto para casa. Algo que veio para ficar eternamente”, diz.
Curiosamente, “não sei como explicar este (meu) comportamento. Acreditar que se deva às minhas abordagens mentais, bem como as que tenho feito na música. Sinto que –no meio dos cotas –tenho trabalhado bem e, eles não me excluem. Inseri-me no grupo por acaso e, curiosamente, sinto-me bem. Penso que é com os mais velhos que fiz as minhas melhores actuações, as mais sérias”.
O contrário não podia acontecer. Até porque Dudas Aled –Alfredo Eduardo, no assento de nascimento –constatou que nos concertos realizados pela chamada Velha Geração da música moçambicana, “o público é diferente. As pessoas não somente divertem-se ao som da música, escutam, refl ectem nela e criticam. Isto faz-me bem. É uma proximidade saudável.
Na verdade, a conversa com o Dudas fundamentou- se na necessidade de perceber a experiência de ser um novo cantor e cantor novo em Maputo; a necessidade de acompanhar esta carreira aparentemente promissora; esta etapa peculiar da vida de um artista que se quer estabelecer. E, por esta via, registar que “é um período importante e positivo porquanto seja marcado por indicadores positivos. Este reconhecimento público de que o meu trabalho está maduro”.
Em meio tempo a isso, uma insegurança se mistura. É que, na visão do interlocutor, ainda que haja bons sintomas marcando que “se eu pudesse seguir somente a música como carreira profissional dar-me-ia bem, penso que estas opiniões são apenas fantásticas e utópicas, apesar de merecerem o meu respeito”.
O facto é que “muitas vezes a gente vê muita ficção na música. Uma fantasia que deriva da melodia, do sentimentalismo que se carregam as canções, o que faz com que, igual à nefelibatas, a gente se desloque da realidade real”.
Em palavras objectivas, Alfredo Eduardo pretende dizer que “é preciso saber onde e como encontrar fundos financeiros para alimentar o cantar, se esse mesmo cantar não nos dá dinheiro para alimentarmo-nos, como deve ser. Para mim é essencial olhar para estes pormenores para que possa fazer um balanço entre a parte da ficção e realista da nossa música”.
Definir prioridades
É por estas razões mas, acima de tudo, pelo facto de Dudas Aled que também é estudante de Gestão, na Universidade Eduardo Mondlane, que não dá nenhuma garantia aos organizadores de concertos musicais. Alguns do quais –nalgumas casas de pasto deste espaço urbano que é Maputo –“ propõem-me a adiar os concertos, para adequá-los à minha agenda, como forma de garantir a minha participação, uma prática que eu não os tenho aconselhado”.
É que, neste momento, “defini a escola como minha prioridade”. Melhor ainda, como disse antes, “a única coisa em que acredito que me dará algum sustento, um poder financeiro é a escola e não música”.
De uma ou outra forma, é preciso clarificar que ainda que com todos os problemas de disfunção sectorial (em que a contrafacção de fonogramas e vídeogramas; a proliferação de estúdios de gravação de música (sem qualidade) clandestinos que degenera num teimoso desrespeito pela arte de cantar, tornando-a na coisa mais vil no contexto das artes) da nossa indústria (?) musical, Dudas Aled reitera que “não é que a música não funciona. Mas não está a contribuir muito para que o artista se desprenda das demais actividades de sobrevivência para se dedicar exclusivamente àquela actividade”.
Eles não dizem disparates
Vasculhámos os artistas que em Dudas respondem à função de referências, musas, ou fontes de inspiração. Encontrámos célebres artistas moçambicanos, ingleses, norte-americanos, entre outros, mas a tónica mesmo foram os brasileiros, Zezé de Camargo, Luciano, Alcione, Leonardo, para citar alguns. Duas razões podem justificar esta íntima relação que Dudas estabelece com estes latino-americanos.
“Olho mais para os brasileiros (primeiro) porque cantam em português. Segundo, e mais importante ainda, é que eles têm uma abordagem musical bem elaborada. Não acordam as pessoas para dizê-las disparates”, diz criticando a forma como algumas pessoas, em Maputo, têm tratado a música.
Sempre cauteloso, este jovem intérprete e compositor esclarece não é que “os músicos moçambicanos digam, necessariamente, disparates nas suas músicas. Mas tenho notado que continuamos vulneráveis a situações de produzir e difundir um tipo de música sem valor artístico, tão pouco o social”. Pior ainda, “continuamos a pensar muito pouco no trabalho de elaborar bem a mensagem”.
Contrariamente a isso –e é facto por nós visto –pelo menos em Ill Never Know, uma das composições musicais muito explorada –nas Casas de Cultura de Maputo –é preciso reconhecer que há jovens que ainda se esmeram na arte de cantar.
Para estes, a música “é algo que independentemente do tempo que será usado, não desfaleça. Algo que dure sempiternamente; que esteja presente para proteger os seus utentes faça chuva, faça sol”, como realça.
Reinventar a música
Ora, enquanto alguns artistas queixam- se do facto de a música –ainda que praticada como profissão –não constituir uma garantia para a sobrevivência, em parte, devido ao deficiente quadro clínico da nossa indústria cultural, outros ainda, sobretudo a camada juvenil, que explora o Pandza apresenta-se-nos como que bem sucedida. Neste grupo diz-se –inclusive sem nenhum receio –que “a música está a bater”, para traduzir a ideia do sucesso.
Questionámos a Dudas o porquê, tratando-se de um jovem talentoso, com necessidades financeiras, como qualquer outro, não aposta no Pandza?
A sua resposta simples, clara quanto objectiva foi que “quero que a minha música seja arte. Que perdure no tempo, como disse, um tecto para nos proteger. Algo produzido do princípio até ao fim”. Ou seja, aqui não se trata somente da questão financeira. Mas da própria arte. Da necessidade desta se reinventar.
Eis que Dudas toma como exemplo a música romântica –o género por si mais explorado –para explicar que “nunca entra em crise. Ela é a permanente e pura expressão da realidade”.
E mais “o que me faz seguir este modelo é que eu sou apaixonado. Tenho características de um romântico. Exalto o sentimentalismo que é algo muito importante para mim. E, por via disso, aprecio mais este estilo que é mais elaborado, seduzindo-me a pensar”.
E não lhe faltam exemplos. “Sempre que escuto a Alcione a cantar, paro e penso. Curiosamente, sempre chego à mesma conclusão: “Aquela senhora parou, pensou e depois cantou”.
Os nossos realities não são justos
Algumas pessoas ficam intrigadas quando jovens talentosos nas mais diversas modalidades de produção humana –cujo contributo na construção social do país é notório –deviam merecer aplausos na imprensa moçambicana, mas são vaiados. Esta é a opinião de Dudas.
Partimos pelo exemplo dos Realities Shows para indagar a sua aparente antipatia em relação aos mesmos.
Segundo Dudas que sempre teve gente que o admoestasse a fazer da Escola um guru para o futuro, para se tornar homem, a sua não concorrência nos mesmos não pode mais ser unicamente explicada e justificada pela escola.
Trata-se de questionar a seriedade de tais programas. “Sempre abdiquei dos realities shows porque – ainda que elevem a minha imagem perante a sociedade –não me garantem nenhuma formação para engrenar no mercado do trabalho”, diz.
Ora, para não punir a sua horda de fãs que cresce a cada vez que se apresenta em público, Dudas passa a vida participando em micro eventos culturais locais, em Maputo, “em que acredito que não teria a pressão das pessoas”. De qualquer modo, a verdade seja dita, “o que mesmo me inibe de participar destes eventos é a sua justiça: alguns Realities Shows realizados em Maputo, não me parecem ser justos”.
Insultar por vontade
Segundo Dudas, a proliferação dos estúdios de gravação musical clandestinos que assola a cidade de Maputo acarreta um novo problema. A publicação de músicas levianas, desprovida de qualidade e valor moral, e de cuja imoralidade é promovida pelos medias audiovisuais.
Diz-se que se chegou a um nível em que as pessoas –ditas cantoras –tão pouco se preocupam em questionar/ criticar o seu trabalho antes de pô-lo no mercado.
“Tenho ouvido muita gente dizer que o meu próximo trabalho discográfico será publicado em breve. Mas para mim, publicar um trabalho não se difere de colocar um filho no mundo. Daí que sempre me questiono: será que as pessoas –que dizem que querem (ou vão) publicar um novo disco –estão cientes da responsabilidade que há em colocar tais músicas no espaço social?”, questiona.
E mais: “Se as pessoas podem, depois de publicar determinado trabalho, responder a qualquer tipo de ameaça em defesa do mesmo? Refiro-me a um caso em que, por qualquer razão, alguém pergunte porque é que o artista decidiu dizer determinadas palavras imorais nas suas músicas?”
Levando o seu ponto de vista ao extremo, Dudas critica, mais uma vez, o tratamento que se dá ao cantar. Para si, não faz sentido que alguém nos insulte pura e simplesmente porque acordou com tal vontade.
Em contra-censo a isto, “se é que fazer música é assim, então continuemos. Mas penso que a arte também deve contribuir para o desenvolvimento social do país, elevando o seu estatuto para que se construa uma sociedade disciplinada, digna de respeito”.
Trabalho discográfico, um projecto ambicioso
“Um projecto ambicioso” é como adjectiva a colecção das suas músicas enquanto não forem publicadas em formato disco compacto –CD. Mas mais do que isso, Dudas Aled trabalha na eterna calma como forma de garantir a devida qualidade.
Há pessoas, como por exemplo, o professor Calane da Silva e o apresentador de TV, Frederico Costa, que me pedem para publicar um álbum. Mas o facto é que essas pessoas só ouviram apenas uma ou duas músicas. E, se calhar por isso, não têm a dimensão do quanto custa produzir apenas uma música”, diz.
Por isso não quero correr em publicar trabalhos discográficos. As pessoas terão que esperar e respeitar a minha decisão. Porque se eu trabalhar em função delas pode-se dar o caso de fazer apenas a vontade alheia. E, consequentemente, publicar músicas sem a qualidade necessária,” realça justificando-se.
Então, “a questão do disco é uma meta importante, sobretudo quando se tiver em mente que o artista, em independência do tempo que trabalhar, deve colocar ao dispor da sociedade um trabalho com boa qualidade”.