Que me perdoe a nossa mais prestigiada colunista, Margarida Rebelo Pinto*, mas o Mundo, muitas vezes, é feito de coincidências. Numa altura em que o nosso Parlamento aprovou a Lei Contra a Violência Doméstica, passando um crime que até agora era do foro privado para a esfera pública, facto que enterra de uma vez por todas a máxima “entre marido e mulher não metas a colher” – vibrei com o choro de Graça Samo na televisão, afinal sempre foram 10 anos de uma batalha que muitos julgavam perdida –, no Sudão há uma mulher que se prepara para receber 40 chicotadas porque estava, imagine-se, de calças num restaurante com as amigas.
A história conta-se em poucas palavras. Lubna Ahmed al-Hussein encontrava-se no dia 3 de Julho a jantar com um grupo de amigas num dos mais prestigiados restaurantes de Cartum, a capital do Sudão. De súbito irrompe na sala um grupo de 20 polícias. De pronto resolvem prender todas as raparigas que, embora a maior parte delas não fosse muçulmana, usavam calças. “Éramos 12 ou 13”, contou Lubna à BBC. Para terminar aquele sufoco muitas aceitarem imediatamente receber ali o castigo: foram dez vezes chicoteadas.
Lubna é ex-funcionária das Nações Unidas e jornalista e por isso muito mais esclarecida do que as amigas. Recusou ser ali castigada com 40 chicotadas, a sua sentença, e entregou o caso ao seu advogado. Mas há quem veja nesta sentença uma forma de a silenciar, uma vez que a jornalista é conhecida pelas suas duras críticas ao Governo, sendo autora de uma coluna intitulada “Kamal Rijal” (“Conversa de Homem”, tradução literal) uma expressão utilizada em árabe coloquial para classificar conversas de pouco monta entre mulheres.
Ao silenciar Lubna, o regime mata dois coelhos de uma cajadada: a liberdade de imprensa e a luta pelos direitos das mulheres. Nesta terça-feira o julgamento foi interrompido no meio de um coro de protestos dentro e fora do tribunal. Lubna já afirmou que irá até ao fim. “O objectivo da minha luta é alterar esta lei imoral”, referiu. Aliás, foi para se sentar no banco dos réus que pediu a demissão das Nações Unidas – os funcionários da ONU possuem imunidade.
O julgamento foi adiado para daqui a um mês, tempo suficiente para o juiz se certificar de que Lubna não goza já de qualquer imunidade.
Enquanto isso, a União Africana, onde nós, Moçambique, estamos inseridos, em vez de entregar os seus responsáveis à Justiça Internacional, vai apoiando, com o maior desplante, este tipo de regimes onde impera o despotismo, a ditadura, a regressão e a violação dos mais elementares direitos humanos. *Margarida Rebelo Pinto é autora da obra “Não há coincidências”.
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