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Desmistificámos o teatro em Maputo!

Na sua décima edição realizada em quatro salas culturais, o Festival de Teatro de Inverto projectou uma imagem imperial falsa, à margem da qual o director, Joaquim Matavel, reitera que, com este evento, se desmistificou o teatro em Maputo. Se os seus argumentos são válidos, facto também é que as transformações operadas puniram os actores.

Pela primeira vez, ao longo dos 10 anos da sua existência, o Festival do Teatro de Inverno ocorreu em mais três salas, nomeadamente o Teatro Avenida e Gilberto Mendes e o Centro Cultural Franco-Moçambicano que se juntaram ao Teatro Mapiko da Casa Velha, totalizando quatro.

O outro feito inovador – pontificado nalgumas edições precedentes – é a participação de grupos estrangeiros. Desta vez, tivemos os Pitabel, de Angola, e o Teatro Mundo do Brasil. Os Mutumbela Gogo e Gungu, os profissionais tradicionais do país, também participaram, expondo as suas criações, como nunca antes havia acontecido.

O constrangimento é que, se comparando com as edições precedentes, contrariamente ao que se esperava, reduziu o número de grupos, bem como a quantidade de vezes em que se exibem as peças para apenas uma. Isso penaliza os actores que nem sempre têm onde publicar o seu trabalho.

“Nesta edição houve uma modificação do regulamento do festival, com a cumplicidade dos actores, que determina que a participação dos grupos não só depende da inscrição – como aconteceu nas primeiras nove realizações. Os grupos decidiram que havia a necessidade de se dignificar o evento e honrar o público, por isso os participantes deviam passar por um processo de selecção, como forma de se garantir maior qualidade nas obras expostas”, explica Matavel.

“Os grupos não seleccionados deviam, assim, assumir que os participantes são os que estão em condições de representar a comunidade teatral, no seu todo, no contexto desta iniciativa”. Mas, até que ponto estas transformações representam uma mais-valia para os grupos nacionais, tomando em conta que as suas obras não têm nenhuma rodagem?

“Este ganho também constitui uma perda na medida em que conseguimos alinhar, na nossa programação, grupos que não somente são de Maputo, mas também das províncias e dos outros países, nomeadamente de Angola e do Brasil. Este alinhamento fez com que a duração do festival, que não foi alargada, não fosse adequada para incluir todas as colectividades. Em consequência disso, os grupos perderam a rodagem”.

Como o teatro é efémero, sem a possibilidades de reposição das peças, perde-se a oportunidade de se melhorarem determinados aspectos por parte dos grupos.

Impõem-se novos desafios

Sem a possibilidade de rodagem – para analisar a evolução das obras, corrigindo eventuais falhas – impõem- -se novos desafios para a organização do festival, assim como pra os actores: a necessidade de a obra ser apresentada quando estiver madura, bem como o recurso às antestreias. Ou seja, a peça não deve ser estreada no dia do espectáculo, mas deve ser vista, antes, por um grupo restrito de amigos que irá tecer críticas prévias.

Por outro lado, os grupos de teatro amador devem perceber que o Festival de Teatro de Inverno não é o único espaço para a exibição das artes cénicas. Eles podem fazê-lo nos bairros, nas escolas e igrejas locais.

Um pequeno mas grande apoio

Num outro desenvolvimento, Matavel que fala sobre a importância dos apoios que o festival teve criou a parábola do mendigo para explicar que “estamos a lutar contra isso, mas, nas sextas-feiras, temos um grupo de pessoas que, em Maputo, anda de loja em loja a pedir esmola. Eles recebem um pãozinho que – porque foi dado com todo o carinho – representa um apoio que deve ser considerado grande”.

Ou seja, a possibilidade de o Festival de Teatro de Inverno se deslocar para outros espaços é um ganho grande. Ora, “porque os nossos espectadores nem sempre conseguem lotar uma sala de espectáculos, dificilmente o fariam em relação a duas no mesmo dia. Por essa razão, a produção do evento decidiu que não haveria ‘shows’ a acontecer em simultâneo em todas as casas – o que nos possibilitaria alargar o número de peças”.

Sucede, porém, que todas as salas que foram cedidas ao Festival de Teatro de Inverno – com a excepção do Mapiko – têm as suas agendas de actividades. Por isso, “o espaço que concedem ao evento não é amplo como se pensa”. Por outro lado, ao mesmo tempo, os grupos de teatro Mutumbela Gogo e Gungu – os proprietários do Teatro Avenida e Gilberto Mendes – estavam em temporada. Logo, no âmbito do Festival de Teatro de Inverno, vai-se ao Cine Teatro Gilberto Mendes para ver o Gungu que realiza a sua actividade previamente programada.

“E porque no Cine Teatro Gilberto Mendes existe um cenário fixo instalado – para a exibição da peça do grupo local – não há a possibilidade de se montar um outro espectáculo na mesma sala. Situação similar ocorreu no Teatro Avenida, onde se exibia O Inimigo do Povo”.

Para o actor, “essa realidade representa um constrangimento que deve ser olhado como um obstáculo que pode ser removido. Se nas edições passadas dizíamos que tínhamos o apoio das nossas duas grandes companhias teatrais, como parceiros, é porque apesar de que não participavam no festival com as suas obras, os seus dirigentes vinham orientar oficinas de formação abordando aspectos técnicos”.

Triunfo teatral

Ao longo dos dez anos, a conjuntura social e económica do país fez com que o festival perdesse alguns grupos. É que certos actores desistiram da arte, dedicando-se cada vez mais a outras actividades. De uma ou de outra forma, quando comparadas às glórias, essas perdas são diminutas.

E para Joaquim Matavel – que montou a peça teatral A Candidata, uma peça que discute a sucessão do governos – as glórias do Festival de Teatro de Inverno são narradas da seguinte forma.

“Nós desmistificamos a ideia de que o teatro é feito para as elites. Se no passado, as pessoas deviam tomar banho com sabonete, aplicar perfume, viajar de carro e enfrentar uma longa fila – no Teatro Avenida e no Gungu – a fim de ver um espectáculo teatral, o mesmo, por causa do nosso festival, já não acontece”.

Outra realidade transformada foi a necessidade de as pessoas amealharem algum dinheiro, ao longo da semana, de modo que no fim-de-semana pudessem ir ao Matchedje com o propósito de ver teatro.

É que, contrariamente ao que acontece agora, o acesso ao teatro era restrito a algumas pessoas. Por isso, além do mais, durante muitos anos, prevaleceu o pensamento de que, em Maputo, o teatro só era feito por estas duas companhias.

O teatro moçambicano, através do Festival de Teatro de Inverno, conseguiu introduzir-se no Centro Cultural Franco-Moçambicano, uma das salas culturais mais nobres deste país.

Geradas outras formas de arte

Paralelamente ao Festival de Teatro de Inverno, outras formas de arte – como, por exemplo, o malabarismo, o teatro mudo, de pernas de pau, de máscaras gigantes e as marionetas – foram surgindo graças às parcerias com o Centro Cultural Franco-Moçambicano que possibilitaram a vinda de orientadores e artistas francófonos a Maputo.

Por outro lado, é preciso ter em conta que nos últimos anos – fruto da sua cada vez melhor preparação – os actores moçambicanos têm participado mais em produções cinematográficas.

Entretanto, apesar da reconhecida qualidade das peças exibidas no Festival de Teatro Mapiko, as vendas dos bilhetes continuam baixas. Este ano, por exemplo, em cada sessão, 13 bilhetes foram a quantidade mais elevada vendidos.

Joaquim Matavel critica a realidade. “O nosso espectador tem a percepção de que só pode pagar pelo teatro apenas quando for a ver os grupos Mutumbela Gogo e o Gungu. Por isso quando chega ao Teatro Mapiko pergunta: ‘Isto paga-se?’. Quando devia ser: ‘Esta peça paga-se?’”.

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