Os holofotes intensos do sol pareciam estar todos virados para o pão, quando ele olhou para a badjia com as pálpebras amolecidas. Senti a-se como se o mundo fosse um palco em que apenas eles os dois eram actores, quando decidiu declarar-se. A badjia suando óleos, maquilhava-se com a poeira da rua quando percebeu aquele olhar penetrante e acanhou-se.
Era a primeira vez que alguém olhava assim para ela, sem os olhos gulosos de quem só lhe quer comer. Emocionou-se e sorriu por dentro, mas não se mostrou feliz, pelo contrário, baixou lentamente o olhar que parecia ceder ao peso de alguma angústia.
Já se conheciam havia algum tempo. Eram vizinhos de bacia à venda na rua. À meio metro do chão, as bacias em que moravam floresciam sobre velhas caixas de papelão.
O pão, nunca conseguindo dissimular aquele encantamento que lhe pulsava violentamente na cabeça e no coração, passava o tempo empoleirado no parapeito da bacia, olhando para a badjia, com o olhar derreti do por aquele senti mento que nunca se percebe bem como, donde e nem por que razão aparece.
Olhando para a badjia, o pão sentia um cocktail de prazer, dor e medo. Prazer em vê-la, dor de não tê-la, e medo de não conseguir conquistá-la. A cada segundo o pão sentia o tempo fugir-lhe e a agonia aumentava porque, sabia ele, um pão e uma badjia têm pouquíssimo tempo de vida e ele não queria terminar os seus dias sem ver correspondido o seu amor.
Os minutos sem ela eram vividos em suplício. Entrava em pânico quando visse um cliente comprar e quase escolhê-la, entre outras badjias, para ensaduichá-la com outros pães. Não acontecia e lá vinha o alívio e a esperança de serem escolhidos pelo mesmo comprador. As horas passaram, ganhou coragem:
– Badjia! – chamou com uma voz trémula e o coração descontrolado. Transpirava um um suor seco, farinhento.
Ela não se sobressaltou. Continuava desanimada por saber-se amada pelo pão. Atendeu ao chamado, virando a cabeça apenas, sem olhar para ele.
– Preciso falar-te, de pão para badjia! – disse o pão, amanteigando a voz, naquele tom ridículo de apaixonado. – Quero ser comprado contigo, termos o mesmo destino, compormos a mesma sandes.
Ela conti nuou calada, não queria ouvir aquela declaração.
– Eu te amo! – disparou, o pão, a última carga bélica dos seus senti mentos, para romper a barreira que os separava. Não havia retórica que contestasse aquela afirmação.
Era a primeira vez que alguém lhe dizia aquilo, e o pão não olhava para as qualidades físicas, as curvas e tamanhos dela, como todos faziam. Aquele olhar directamente para os olhos dela, despia-lhe até a alma. Abalada, ela olhou para ele e o óleo em que fora fritada brilhou de desânimo no seu olhar.
– Eu também te amo, mas… – respondeu a badjia. O pão sentiu vibrar todas as emoções, abalado por aquelas palavras tão cheias de ternura. Ela até que gostaria mas:
– Não podemos. Amor não é tudo.
O pão senti u o mundo desmoronar e faltou-lhe chão. A labareda daquele olhar apaixonado, apagou-se como se lhe tivessem deitado água.
– Mas porquê? – inconformou-se o pão.
– Olha para mim. Eu sou muito óleo para o teu trigo. – A badjia não queria arriscar-se a passar o resto dos seus dias com um pão qualquer, sem condições. – Tu és um simples pão de lenha, não tens condições para mim.
– Eu posso te tirar da rua, dar-te um lar. Podemos ter um futuro juntos. Não precisamos estar aqui expostos a vender-nos.
– Eu quero um marido melhor, não quero fazer o tipo de casal “pão com badjia”. Quero servir para muito mais. Frequentar mesas mais refinadas, conviver com salgados de nível, rissóis, chamussas…
– Para a fome não há bom nem mau pão – insistiu o pão, desabotoando-se, abrindo-se como se fosse ensanduichá-la num abraço – Vem!
– Querido, nem só de pão vive uma badjia. Olha para ti. Magro. Pequeno. Dantes em ticabiam seis badjias de mil como eu. Agora continuas com o mesmo preço, mas em tí só cabem três badjias. Não tens condições para me sustentar.
O pão desatou num choro interminável e ameaçou suicidar-se. Subiu para a borda da bacia e quis ati rar-se para o chão. A badjia comoveu-se mas não deu importancia, seguiu o destino e continuou a vender-se na rua procurando futuro.
Sabia que eram fitas de um apaixonado. Amor não mata, engorda. É uma doença que se cura com o tempo. Ele não se ia suicidar, até porque como se sabe, pão que ladra não morde.