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Corrupção ainda é um obstáculo à justiça em Moçambique

A corrupção no sector judiciário é, a par de muitos outros problemas, um empecilho na luta por uma melhor justiça no país. A morosidade de processos resultante, nalguns casos, do excesso de burocracia, a falta de meios e os esquemas montados no sistema para, de forma injusta, beneficiar os magistrados e oficiais de justiça minam de forma sistemática a necessária imparcialidade com que os profissionais da área devem agir. Estes e outros problemas foram levantados durante a cerimónia de abertura do ano judicial, na passada segunda-feira, na qual os principais intervenientes puderam apontar as deficiências e propor soluções.

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), através do seu bastonário, Tomás Timbane, exige, para o combate à corrupção, um maior cumprimento da Lei da Probidade Pública e a fiscalização dos bens dos magistrados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), através do depósito por parte de todos aqueles profissionais das suas declarações de bens junto ao Ministério Público. E para que isso aconteça, afirma, é imperioso que o Governo aprove o modelo de declaração de bens, juntando a vontade política à competência técnica.

“Precisamos que o Ministério Público tenha acesso aos dados bancários e que haja uma coordenação efectiva com o Gabinete de Informação Financeira de Moçambique”, disse Timbane. O bastonário da Ordem dos Advogados entende ser imprescindível uma boa investigação policial, resultante de uma formação eficiente de investigadores, disponibilização de mais meios no combate à corrupção, tanto na Polícia assim como nos tribunais, “ambos extremamente carentes”.

GCCC deve ser independente e PGR actuante

O silêncio muitas vezes adoptado pela PGR diante da onda de criminalidade foi também alvo de crítica pelo bastonário. Timbane começou por defender a independência do Gabinete Central de Combate a Corrupção, órgão que neste momento se encontra vinculado à PGR e exigiu que este último fosse mais actuante, principalmente, nos casos de maior impacto social, tal é o caso dos raptos, crimes eleitorais e no enriquecimento ilícito. Essas são, de resto, questões cujo debate tem sido levantado, mas cujo resultado tarda a chegar.

“Precisamos de uma Polícia que, apesar dos meios exíguos de que dispõe, honre o seu compromisso com a justiça. Ela honra esse compromisso evitando a violação reiterada, grave e condenável da presunção de inocência através da exibição pública de detidos. Essa violação não ajuda no combate à criminalidade”, disse, reconhecendo que a luta por uma justiça melhor passa, necessariamente, por uma eficiente reforma legal, por uma boa revisão da constituição e por uma melhor produção legislativa.

Com forma de acelerar os processos, sustenta a ideia de haver juízes com disponibilidade imediata para analisar e decidir os processos que lhes são remetidos. “É por isso que consideramos a introdução efectiva de um juiz de turno, que teria intervenção também nas esquadras, como uma medida urgente”.

Reforma legislativa

Timbane defende também uma reforma legal para se responder aos desafios actuais no sector da Justiça. Diz ser necessário, para o efeito, um diploma legal que regule a elaboração de leis, o que permitirá uma melhor harmonização legislativa, necessária à existência de boas leis. Para este jurista, o exercício dos direitos dos cidadãos não pode ficar dependente de uma fraca ou boa produção legislativa ou de uma boa ou má articulação institucional.

“Direitos relevantes como o da informação, da greve, da sindicalização e da igualdade de escolher a sua orientação sexual, só para citar alguns casos, são postos em causa porque não existem leis que as regulamentam. O caso do Projecto de Lei do Direito à Informação, depositado pela sociedade civil no Parlamento há quase 10 (dez) anos, é um exemplo do que não se pode fazer”, vincou.

“Moçambique precisa de uma justiça disponível todo o ano e preparada para enfrentar os desafios que resultam do rápido desenvolvimento do país. Precisamos de abolir as férias judiciais, até porque o princípio da continuidade do serviço público também vincula os tribunais”, disse.

PGR defende “desburocratização” da justiça

O Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, mais uma vez, pôs o dedo na ferida, reconheceu as deficiências e defendeu a “desburocratização” da Justiça para que ela seja mais acessível e efectiva para o cidadão moçambicano. “Obviamente, queremos uma justiça com a qual o povo se identifique, que cultiva a humanização e a desburocratização dos processos, que olha para os números com a sensibilidade de que há muitas pessoas e famílias à espera da procedência ou não dos seus feitos introduzidos em juízo”, afirmou o PGR.

Para ilustrar situações reais, Paulino deu o exemplo de uma acção de reivindicação de propriedade que, por causa da burocracia que se coloca no processo, chega a levar anos para a sua conclusão. Para o PGR, o respeito pelos prazos estabelecidos na lei para a tramitação de processos pode reduzir significativamente a demora que se tem verificado.

“Nós, os magistrados, podemos reduzir este tempo de pendência, com a nossa atitude perante o trabalho, se respeitarmos os prazos fixados na lei para os despachos”, disse. Com efeito, o magistrado apela para uma reflexão em torno de como o uso de novas tecnologias pode contribuir para o sector da Justiça, mesmo reconhecendo o carácter conservador dos seus pares perante as inovações . Por outro lado, o garante da legalidade defende uma justiça equilibrada, razoável, educativa e não meramente punitiva.

“A justiça é elitista”, Custódio Duma

O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Custódio Duma, defende a necessidade de uma reforma legislativa urgente para simplificar os procedimentos legais nos tribunais e noutros órgãos de justiça. Para Duma, a legislação actual obriga a várias manobras procedimentais e que nalguns casos, não poucos, levam à desistência dos interessados sem que os seus casos tenham sido encerrados.

Diz ainda o jurista que a Justiça moçambicana, por ser elitista, ainda não responde aos anseios dos cidadãos comuns que ainda recorrem aos tribunais comunitários, líderes tradicionais ou mesmo à igreja para ter alguma assistência jurídica. “Quem consegue levar os casos aos tribunais ou à Procuradoria Geral da República ou ao Tribunal Supremo são cidadãos da classe média ou alta que, obviamente, representam a minoria da população do país”, sublinha.

Como parte da solução, o jurista defende que a justiça precisa, primeiro, de ser barata, pois neste momento os custos judiciais são muitos altos para os bolsos dos cidadãos; segundo, tem que ser célere uma vez que os procedimentos são longos e, em terceiro, é necessário que se purifique. “Nós precisamos da advogados e magistrados que sejam honestos e comprometidos com a justiça e que os órgãos de tutela junto dos tribunais, assim como do lado dos advogados, sejam mais eficientes a tragam respostas”, defende Duma.

Tribunais continuam cemitério de processos

Reduzir de forma significativa o número de processos acumulados nos tribunais continua a ser o grande desafio para o sector responsável pelos julgamentos. Efectivamente, os tribunais do país sempre se defrontaram com o facto de não conseguirem responder à demanda que lhes é imposta.

O presidente do Tribunal Supremo (TS), Ozias Ponja, fez saber que de um universo de 254.434 processos resultantes das pendências e dos casos que derem entrada durante o ano passado, foram julgados 104.355 o equivalente a 41 porcento, tendo, por isso, transitado para o presente ano 150.079 processos. Já em 2013 haviam transitado 149.722 processos, dos quais 161 no TS, 4.024 nos Tribunais Superiores de Recurso (TSR), 60.260 nos Tribunais Judiciais de Província e 85.277 nos dos distritos.

Naquele mesmo ano, deram entrada em todos os tribunais judiciais 104.712 processos, sendo que 42 no TS; 1.151 TSR; 30.943 nos Tribunais Judiciais de Província e 72.576 nos dos Distritos. Relativamente aos TSR, dos casos que deram entrada, o de Maputo é que recebeu mais processos, 456, seguido do de Nampula que teve 453 casos e na cauda o da Beira com 242. Numa análise comparativa entre os processos concluídos em 2012, que foram 102.812, e os julgados em 2013, percebe-se que houve um aumento de 1.534 processos, o mesmo que 1.49 porcento.

Segundo Ponja, o aumento significativo em termos de números de processos findos verificou-se a nível dos tribunais de distritos que são os que registam maior movimento processual. Ou seja, foram concluídos 73.060 processos em 2013, contra 68.535 em 2012, um aumento de 4.525 processos, o equivalente a 6.6 porcento. Os TSR tiveram também um desempenho positivo tendo findado no ano passado 573 processos contra 479 encerrados em 2012. Este desempenho representa um acréscimo de 94 casos o mesmo que 19.6 porcento.

Contrariamente, os outros Tribunais Judiciais de Província tiveram um desempenho negativo no ano passado. Foram 30.605 casos concluídos contra, 33.699 findos em 2013, o que representa um decréscimo de 9 porcento Ponja justifica este cenário com o facto de ter havido uma movimentação de vários magistrados de nível provincial, situação ocasionada pela promoção de juízes desembargadores e, consequentemente, a redução de processos julgados. Diz ainda que esta situação está normalizada.

Processos criminais dominam julgamentos

O presidente do Tribunal Supremo fez saber ainda que dos processos julgados e pendentes nos tribunais em 2013, a maior parte era da área criminal, sendo esta realidade contrariada nos TSR, onde as pendências de processos civis superavam as dos processos criminais e laborais. O magistrado diz ainda que nos processos- crime manteve-se ainda a tendência crescente do número de réus julgados e condenados.

Justiça promove a paz

Depois de ouvir os desabafos e sugestões dos diferentes actores da área da Justiça, o Presidente da República, Armando Guebuza, disse que a justiça, quando bem exercida, tem o condão de promover a paz e contribuir para o desenvolvimento do país. O PR defende a criação, nesta área, de instrumentos que possam responderas preocupações dos cidadãos. Os sectores da Justiça como a Ordem dos Advogados, sustenta, devem agir para que os moçambicanos, particularmente os mais desfavorecidos, sintam a importância do sistema judiciário.

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