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Conferência em São Paulo debate Internet mais global e segura depois da espionagem dos EUA

Quando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, propôs no ano passado, na Assembleia-Geral da ONU, a regulação da Internet, muitos temeram pelo pior. Os Estados Unidos tinham espionado as mensagens electrónicas de Dilma e a presidente estava furiosa.

Nesse contexto, a convocação feita por ela de uma conferência internacional para colocar ordem na Internet foi interpretada como uma tentativa de aumentar o controle da rede. No entanto, aquela reacção parece agora exagerada.

O documento que será aprovado esta semana no encontro NetMundial, em São Paulo, condena a espionagem mas defende uma governança multissectorial da Internet, crucial para garantir a independência da rede e o desenvolvimento de negócios online.

A conferência, que ocorre quarta e quinta-feira, vai propor uma espécie de “Declaração Universal dos Direitos Humanos da Internet”, incluindo princípios como os direitos a liberdade de expressão, privacidade, transparência e governança participativa.

O documento quer ser o ponto de partida de um debate mais amplo sobre o futuro da Internet e de uma reforma que diminua o atual peso dominante dos EUA na administração da rede que já interliga um terço da humanidade.

“Nos próximos anos vai haver um redesenho da governança”, disse à Reuters o secretário do Ministério de Ciência e Tecnologia Virgilio Almeida, presidente do NetMundial. “Esta reunião é a semente para dar partida a essas mudanças.”

O desafio será encontrar um terreno em comum entre governos como os do Brasil e Alemanha, que querem regras claras contra a espionagem, os da China e Cuba, que controlam o conteúdo da rede, e empresas como Google e Facebook, que veem a regulação como uma ameaça.

O principal foco de tensão nas reuniões preparatórias foram questões políticas relacionadas a privacidade, liberdade de expressão e a inviolabilidade dos dados. “Esperamos que daqui saia algo com um máximo denominador comum”, disse à Reuters o presidente no Brasil da administradora de domínios na Internet, Demi Getschko, outro dos organizadores do NetMundial.

“Se alguém propõe uma Internet livre e aberta, quem vai levantar a mão e dizer que não?”. A conferência está prevista para ser aberta por Dilma, que pretendia apresentar como conquista de seu governo a aprovação, no Congresso, do Marco Civil da Internet. Mas dificilmente a meta será alcançada, uma vez que o Senado não conseguiu concluir em tempo hábil a tramitação do texto pelas comissões necessárias.

A proposta cheia de polêmicas levou anos de debate para ser redigida e quando chegou ao plenário da Câmara, foram precisos meses até ser construído um acordo que permitisse sua votação. Estarão presente no NetMundial profissionais, empresários, acadêmicos e ativistas de 85 países, entre os quais um assessor de cibersegurança do presidente dos EUA, Barack Obama, e o ministro da Internet da China.

Encruzilhada

As empresas de Internet estão na defensiva, sobretudo depois que Dilma quis obrigá-las, no ano passado, a transferir seus centros de dados para o Brasil, numa tentativa de evitar novos casos de espionagem. A exigência, depois descartada, resultaria em custos astronômicos para a indústria.

O sector privado teme, por exemplo, que o escândalo de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) ofereça respaldo a um maior controle dos governos sobre a Internet, com consequências desastrosas para sua multimilionária indústria.

As empresas querem que a Internet continue um espaço autorregulado, porque um controle maior ameaçaria a expansão da rede aos 4 bilhões de pessoas que ainda permanecem fora de seu alcance.

“Qualquer trabalho para modificar a actual arquitectura da Internet deve ser cauteloso, consultivo e operar através da análise de múltiplos actores”, disse o Facebook em um texto enviado aos organizadores do NetMundial.

O futuro da Internet “está numa encruzilhada”, disse o Google, para quem todos os setores devem trabalhar juntos para que a “Internet continue sendo uma plataforma aberta e vibrante de inovação, crescimento e livre intercâmbio de ideias.”

David Gross, advogado da Wiley Rein que representa uma coalizão de empresas que vão desde a Amazon ao Google, Cisco e Telefónica, disse que a indústria está preocupada com os riscos envolvidos em uma maior regulação. Mas o rascunho do documento de São Paulo reduziu um pouco a tensão.

“A vigilância massiva e arbitrária minava a confiança na Internet e no ecossistema de governança da Internet”, diz o texto. Dilma não foi a única vítima da NSA. Documentos vazados pelo ex-analista da agência Edward Snowden mostraram que a agência espionou também outros aliados, como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente mexicano, Enrique Peña Neto.

No entanto, além de dar vazão à frustração com a espionagem, a NetMundial é vista por muitos como uma oportunidade de mudar o equilíbrio ante a influência dos Estados Unidos sobre a Internet.

A decisão de Washington de entregar a partir de 2015 a supervisão da ICANN, que coordena o sistema de domínios (nomes e extensões) da Internet, foi aplaudida pelos organizadores da conferência.

“Ter uma organização mais global, menos norte-americana, para debater essas questões é um avanço positivo”, disse Almeida. O ponto frágil do NetMundial é que as suas resoluções não são vinculantes.

Há quem diga que a reunião seria uma espécie de “Rio+20 da Internet”, em alusão à conferência do meio ambiente que gerou pouco consenso e ainda menos resultados. Mas os organizadores preferem outra metáfora. “É uma cacofonia de vozes dissonantes”, disse Getschko, “que ao final pode ser a base de algo mais sinfónico”.

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