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Como se ganham as eleições autárquicas?

Como se ganham as eleições autárquicas?

A vitória do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e do seu candidato, Orlando Janeiro, nas eleições municipais de Gurúè, província da Zambézia, ilustra a eficácia de uma inexorável fórmula que teima em funcionar: a vigilância do voto. Tal como sucedeu nas cidades da Beira e Quelimane – com excepção de Nampula, onde o controlo de votos foi feito pelos fiscais do MDM e a Polícia não agrediu, estranhamente, ninguém – em Gurúè, num furor eleitoral inédito, também dezenas de pessoas “acamparam” nas imediações dos cinco postos de votação e só arredaram pé após a fixação dos editais. E seguiu-se a festa!

A vitória de Orlando Janeiro e o seu partido já se cantava muito antes do dia 08 de Fevereiro por centenas de pessoas que seguiam a sua caravana, ao longo dos três dias de intensa campanha eleitoral. Com efeito, no último testemunhou-se o que já se esperava: a conquista do município pelo MDM e o seu candidato.

Na autarquia de Gurúè, as assembleias de voto, na sua maioria, abriram pontualmente às 7h00, com os membros de mesa e delegados dos partidos concorrentes presentes e com grande afluência de eleitores em quase todos os postos de votação. A título de exemplo, na EPC de Moneia, registou-se a mesma situação e, até às 9h00, as filas contavam, em média, com 100 a 200 pessoas. “Eu cheguei muito cedo, por volta das 4h30, pois queria ser o primeiro a votar”, disse o eleitor Agostinho Mpilimba. Minutos depois, dezenas de eleitores já exibiam o dedo com a tinta indelével, mostrando que acabavam de exercer o seu direito e dever de cidadania. As filas eram enormes e, a cada instante, chegavam mais eleitores.

@Verdade acompanhou o processo de votação dos candidatos a presidente do município do Gurúè que exerceram o seu direito de cidadania na mesma mesa de voto na Escola Secundária e Pré-Universitária de Gurúè. O concorrente pela Frelimo, Jahanguir Hussein Jussub, foi o primeiro a votar, por volta das 7h15min, acompanhado da sua esposa de uma comitiva de membros do partido.

Jussub mostrou-se confiante no seu sucesso, tendo afirmando que esperava “uma vitória esmagadora e retumbante”. Já o candidato do MDM, Orlando Janeiro, chegou às 8h10min. Parco em palavras, Janeiro sublinhou a necessidade de se transformar a eleição num momento ímpar.

No período da tarde, a afluência reduziu significativamente, sobretudo na EPC Moneia e Chá Gurúè. Na EPC de Moneia havia mais adultos do que jovens. Grande parte dos munícipes aproveitou as primeiras horas do dia para exercer o seu dever e outros nem sequer se aproximaram de um posto de votação.

 

Vigiar o voto

Precisamente às 18h00, as assembleias de voto começaram a fechar. Após a votação, dezenas de eleitores não arredaram pé das imediações dos cinco postos espalhados pela cidade. Movido pela ideia de vigiar o seu voto, um grupo de pessoas, maioritariamente jovens, acampou nos arredores, monitorando a entrada e saída de indivíduos e veículos. As viaturas que se aproximavam do local das mesas eram vigiadas minuciosamente.

Curiosamente, a Polícia não agrediu ninguém. De refrir que a presença de alguns observadores internacionais “intimidava”, de alguma maneira, a Força de Intervenção Rápida (FIR) que, de minuto a minuto, circulava nos postos de votação fortemente armada.

“A Frelimo saiu do nosso coração. Queremos ver o que vai fazer o MDM”, gritava um jovem à beira do improvisado perímetro de segurança do STAE nas presentes eleições na Escola Primária Completa de Gurúè. “Aqui neste bairro não há energia e nós queremos uma moageira, mas a Frelimo nunca nos quis dar”, concluiu.


As declarações dos jovens tornavam-se mais vigorosas à medida que alguém de dentro vinha anunciar os resultados de cada mesa. “Estamos aqui para controlar o nosso voto”, diziam sem manifestar preocupação em relação ao resultado geral. Festejavam simplesmente a confirmação da convicção de que não traíram, eles, a causa “colectiva” de derrubar a Frelimo e colocar Orlando Janeiro e o MDM no poder.

Efectivamente, os temores de uma noite de violência, que levaram os jovens a manter uma distância prudente das assembleias de voto não se consumaram. Ocorreu somente uma tentativa de enchimento de urnas que não degenerou em violência devido à pronta e conivente intervenção da Polícia. A Frelimo, através dos seus militantes que circulavam pelas mesas sem credencial, logrou criar um ambiente de crispação nas assembleias de oto, mas fracassou no seu intento de impedir que milhares de guruenses exercessem o seu direito de cidadania e que o resultado reflectisse a vontade destes. Este segundo pleito, que ficou conhecido, nas casas de pasto e mercados, como “as eleições da vingança” registou uma maior afluência de eleitores.

 

Resultados

Orlando Janeiro obteve 7812 (55%) contra 6385 (45%) de Jahanguir Jussub. A Frelimo 6551 (46%) contra 7677 (54%) do MDM. Em relação aos resultados do dia 20, os papéis invertem-se e a derrota, desta vez, cola-se à pele da Frelimo como um papel aderente.

O discurso em voga, no seio dos apoiantes da Frelimo apontava para a inocência linguística de Orlando Janeiro no que ao português diz respeito como um defeito. Esqueceram-se, porém, que os votos eram pedidos na língua local e aí Janeiro revelou-se um exímio orador e falou ao coração dos seus conterrâneos. O português polido de Jahanguir e um discurso coerente não foram suficientes para convencer o eleitorado.

A única coisa que Janeiro prometeu e de forma atabalhoada foi resolver o problema da água. Afirmou categoricamente que essa será a sua prioridade. Jahanguir prometeu muito mais. Começou por falar de alargar o sistema de distribuição e abastecimento de água, apetrechar e reabilitar as decrépitas escolas da cidade, reabilitar o campo de futebol de salão e do 11. Até prometeu baixar a taxa de uso e ocupação do mercado.

Na verdade, Janeiro tornado herói desde o roubo de 20 de Novembro último de que foi vítima não tinha adversário em sede da vontade popular, apesar de ter prometido menos. O desafio, como ficou provado, estava na fiscalização das assembleias de votação. Só aí, na introdução de votos, é que o vendedor de lenha e carvão e quase analfabeto quanto à educação formal poderia sucumbir.

Em todas escolas Janeiro ganhou e a sua vitória foi e continua a ser celebrada graças ao apoio que recebeu das populações da periferia e dos funcionários públicos.

 

Um dia antes da votação

Um dia antes da votação, a cidade de Gurúè acordou com uma temperatura amena e, ao longo do dia, o clima foi ficando quente e o céu limpo. @Verdade circulou pela paupérrima circunscrição e constatou que a vida havia voltado pouco a pouco à normalidade. As actividades comerciais, formal e informal, decorriam sem grandes sobressaltos. O ambiente de euforia caracterizado por cânticos, danças e o barulho de viaturas e motociclos zunindo pelas ruas do município, que se viveu nos três dias de campanha eleitoral foi substituído por um cenário de total tranquilidade.

Nas ruas e nos principais pontos de encontro dos habitantes, as eleições autárquicas tornaram-se nos assuntos de conversa do dia, embora existisse muito cepticismo no que respeita à mudança da situação. Por outro lado, os munícipes não disfarçavam a sua ansiedade de exercer o seu direito cívico. Os eleitores não iam votar pelo melhoramento das vias de acesso e abastecimento de água, dois principais problemas que apoquentam os residentes desta urbe abandonada à sua própria sorte, mas por necessidade de “vingança”.

As chuvas que caíram no final do dia 06 de Fevereiro não só colocaram a nu os inúmeros problemas da cidade relacionados com a falta de saneamento do meio e vias de acesso, mas também acalmaram os ânimos dos membros e simpatizantes dos dois partidos políticos que disputavam as eleições autárquicas em Gurúè. Durante o último dia da campanha eleitoral, a Frelimo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) estiveram com o espírito em ebulição, apostando em caravanas e paralisando literalmente a autarquia. A quase infindável fila de viaturas e motociclos, acompanhada por uma moldura humana, percorreu as principais artérias e alguns bairros periféricos da pacata Gurúè, que se mostrou pequena para milhares de pessoas e dezenas de veículos que se fizeram à rua em apoio a Jahanguir Jussub, candidato a edil pela Frelimo, e Orlando Janeiro pelo MDM.

Os panfletos de propaganda eleitoral permaneciam afixados até nas instituições públicas. O hospital distrital era disso um exemplo flagrante. As pessoas caminhavam apressadas e preocupadas em levar a vida adiante. Nos bairros que comprimem a cidade de cimento os vendedores informais pavimentavam as estradas que um dia foram de terra batida. Vendiam um pouco de tudo. Quiabo, batata-doce, maçaroca, farinha de milho, cebola e alho produzidos lá nas cinturas das montanhas que isolam Gurúè de outros pontos da extensa e populosa Zambézia.

As bombas de combustível, concorridas pelas viaturas que precisavam de se abastecer para acompanhar as caravanas dos candidatos nos três dias intensos de caça ao voto, conheceram mais tarde momentos de letargia. As casas de pasto engalanavam-se para uma grande sexta-feira. A discoteca do cine-Gurúè, propriedade do candidato da Frelimo, era o local do qual a juventude falava. Na Pensão Gurúè, espaço do qual se afirma ter a melhor cozinha da pacata cidade, anunciava-se música ao vivo.

As barracas também vendiam bebidas alcoólicas e alguns citadinos já embriagados com as mais baratas falavam em “voto consciente”. Outros igualmente ébrios do mesmo falavam de mudança. A oferta, em termos de diversidade, era utopia. Havia apenas três marcas de cerveja e nunca estavam frescas para as gargantas exigentes de outros pontos do país. No mercado, os vendedores voltaram a gritar alto e a promover os seus produtos em segunda mão.

Só a televisão pública emite neste ponto do país. Há, em termos de informação, muito pouca oferta. Os jornalistas que circulavam pela fila com máquinas de filmar e microfones eram tidos como funcionários da Televisão de Moçambique (TVM) pelas pessoas menos avisadas e que não têm acesso aos luxos da televisão por satélite. Dos jornais nem se falava. O pouco que se conhece deriva das redes sociais. “Eu sou fã da página do Jornal @Verdade no Facebook”, disse uma jovem quando soube que estava na sua terra natal uma equipa de jornalistas daquele órgão.

 

“É lá onde leio as notícias, mas só consigo ver o que postam na página porque o meu telefone não tem capacidade para entrar no site. Fico sem crédito”, disse Anastácia Vitorino, estudante da Escola Secundária de Gurúè.

 

Assim foi o dia de reflexão numa cidade que não sabe o que é pluralidade de informação.

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