Protagonizou uma transferência polémica em Portugal, idêntica, mas em sentido inverso à que envolveu Eusébio, há mais de 30 anos. Enquanto o Pantera Negra foi desviado do Sporting para o Benfica, Ali Hassan fez o percurso contrário. Treinou nos encarnados, agradou, mas num ápice firmou contrato com os leões. Numa carreira sinuosa, o fervor religioso e a ingenuidade não o ajudaram. O percurso futebolístico foi tendo um gráfico decrescente, até à altura em que se decidiu pelo regresso à casa. Hoje trabalha numa empresa de segurança de Maputo, “clube” que diz defender com unhas e dentes.
Treinar no Benfica e assinar pelo Sporting
O ano de 1988 foi o da sua consagração em Moçambique: foi campeão pelo Desportivo e o melhor jogador da prova. Começou, a partir daí, um percurso sinuoso, numa polémica transferência para o profissionalismo português. Quer comentar a respeito?
Estive no Benfica durante duas semanas, fiz os testes primários e fui aprovado. O treinador era o Toni, que ficou muito interessado nos meus serviços. Não havia assinado contrato, fiz dois ou três treinos e o técnico propôs ao presidente do clube na altura, João Santos, que eu fizesse parte do plantel. Só que, passada uma semana, houve uma reviravolta. Os principais jogadores benfiquistas eram o Mozer, Ricardo, Rui Águas e Chalana. Uma equipa de luxo, que acabou sendo campeã. Terei perdido uma boa oportunidade de ser campeão por Portugal.
Tudo porque o Sporting entrou na jogada. Como é que isso aconteceu?
Não sei. Tudo foi negociado sem o meu conhecimento. Só sei que me tiraram do Hotel e me levaram para o Alvalade. Lá não fiz qualquer treino, apenas assinei um contrato, válido por quatro épocas. Tudo conduzido pelo Zaid Ali.
Trataram da sua vida, sem você estar inteirado de nada?
De nada mesmo. Isto porque havia em mim um misto de ingenuidade, imaturidade e boa-fé nas pessoas. Acredito que se o mesmo se repetisse hoje, eu teria posto um pequeno travão. Mas, naquela altura a situação que se vivia em Moçambique era difícil e tudo o que conseguiamos era bem-vindo. Foi mesmo “chato”. Falou-se em valores para mim, mas não vi um único centavo. O contrato foi cumprido relativamente ao Desportivo, que recebeu 250 mil dólares, que acredito tenha sido a transferêcia mais cara de um jogador moçambicano. Ficou no ar a promesssa verbal de eu receber 10 por cento desse valor, o que nunca aconteceu. Não fiquei magoado, porque beneficiou o meu clube. Tenho provas de que o dinheiro foi recebido, pois o Presidente Sousa Cintra falou-me disso.
Pressão para mudar de nacionalidade
O inflaccionamento do seu passe, terá resultado da “guerra” entre leões e águias?
Penso que isso fez subir a fasquia. O Benfica prometia pagar entre 150 e 200 mil dólares, e o Sporting cobriu a oferta com 250 mil.
Chegou ao Sporting numa altura em que havia excesso de estrangeiros, como foi viu isso?
Havia grandes jogadores: Silas, Douglas, Venâncio, Paulinho Cascavél, Carlos Manuel e outros. Era uma equipa de luxo. Eu não jogava, porque éramos seis estrangeiros e só poderiam jogar dois, ficando os restantes no banco. Eu era o preterido e sentia-me injustiçado, pois via que tinha lugar. O porquê de ficar de fora, não sei. Vivi uma situação que considero caricata: não jogava pelas reservas porque não era o meu nível, nem pela equipa principal, pelas razões apontadas.
Alguma vez o pressionaram a mudar de nacionalidade?
Muitas vezes. Mas nunca me passou pela cabeça seguir esse rumo para ganhar a titularidade.
Veio várias vezes à Selecção de Moçambique. Essas deslocações não terão prejudicado a sua carreira?
Só depois de ter saído do Sporting. Por exemplo, no Académico do Viseu, o plantel era muito limitado e eles faziam tudo para eu não viajar. Fiz duas épocas em Viseu, fui campeão, mas devido às minhas saídas, o clube prescindiu-se de mim. Fui para o Torres Novas, numa altura em que a Selecção foi para o CAN-96. Eles puseram-me a questão desta forma: optas pela Selecção de Moçambique, ou por nós, que te pagamos o salário? Optei pela Selecção. Não me arrependo, sempre senti orgulho dessa decisão. Fui ao CAN na África do Sul, o que representou o fim da minha carreira. Regressei a Portugal só para trazer a família definitivamente para Moçambique.
“Polícia” de Maradona
Quando ele abria o livro…
Houve um confronto com Maradona, para a Taça UEFA, em dois jogos, que ficou célebre. Conte-nos lá:
Foi na era Manuel José, técnico que muito apostou em mim. Maradona jogava no Nápoles. No primeiro jogo, em Alvalade, entrámos em simultâneo, quando a partida já decorria. Entrei para o marcar. Empatámos a zero. A imprensa, na altura, realçou o facto de eu o ter “secado” e pessoalmente também acho que cumpri, apesar de ter apanhado um cartão amarelo.
Como é que descreve “El Pibe”, depois de o ter defrontado?
Eu tinha a noção de quem era Maradona e por isso tomava todas as cautelas. Já havia visionado certos vídeos de jogos seus. Na segunda partida, em Nápoles, ele já estava em jogo, entrei na segunda parte, quando a estrela argentina abriu o livro. O meu treinador mandou-me marcá-lo e acho que cumpri. Este jogo também ficou em branco. O desempate foi feito através de grandes penalidades e assim fomos afastados da Taça UEFA.
Em tudo o que faço coloco Deus à frente
Como muçulmano convicto e praticante, cumpria com todos os preceitos, incluindo o jejum. Não acha que isso o terá prejudicado, como atleta de alta competição?
De alguma maneira. Mas o meu percurso descendente, começa com a entrevista a criticar os salários atrasados. A isso, depois aliaram-se várias coisas, incluindo o jejum no mês do Ramadão. Tudo ficou enrolado. Apesar de as pessoas saberem que eu poderia ser útil. Por isso é que fiquei três anos nos leões. O Sporting não contrata jogadores de meia-tigela.
Também neste campo, sofreu pressões no sentido de virar as costas às suas convicções religiosas, por prejudicarem o rendimento em campo?
Sempre. Sobretudo por parte dos dirigentes, que provavelmente influenciavam os treinadores. Só que para mim, não há nada que eu faça, sem colocar Deus à frente. Acima Dele, não há nada. Apesar de eu me ter sentido prejudicado nisto ou naquilo, nunca vou abrir mão das minhas convicções.
O regresso
A decisão de regressar a Moçambique foi certamente difícil.
Quando as coisas se tornam difíceis, um homem tem que tomar uma decisão. Eu mantive por cá a minha casa, sempre foi minha intenção regressar. Embora tenha sido dura a maneira como saí do profissionalismo. Não é fácil deixar de fazer aquilo que a gente gosta. Do Torres Noves, poderia ter tentado um outro clube, até aos 32/33 anos, mas optei pelo regresso.
E que perspectivas tinha para viver cá? Continuar ligado ao futebol?
Exactamente. Queria jogar duas/três épocas. Apresentei-me no Desportivo, que recusou os meus serviços. O treinador era o Miguel dos Santos e o Presidente o Mahomed Galibo. Inicialmente, perguntaram-se quanto eu queria ganhar, disse que isso iria depender das possibilidades do clube. Fizeram-me uma proposta, uma autêntica ninharia, mas eu aceitei. O que me importava era jogar até ir perdendo essa vontade. Mesmo assim, o prometido não foi cumprido. Então, apareceu uma proposta do Maxaquene, fiz duas épocas boas, vencemos a Taça de Moçambique, sob o comando de Martinho de Almeida. Houve depois certos constrangimentos, já com Naldo como treinador, em que me senti injustiçado.