Um cidadão moçambicano, identificado pelo nome de Emanuel Sithole, foi agredido e esfaqueado por cidadãos sul-africanos, no passado sábado (18) no bairro de Alexandra, na cidade sul-africana de Johannesburg, acabando por perder a vida. É uma das oito vítimas mortais, entre elas uma criança, da onda de ataques violentos protagonizada por cidadãos sul-africanos contra imigrantes estrangeiros pobres.
O moçambicano foi encontrado gravemente ferido e a rastejar em busca de ajuda por jornalistas do jornal Sunday Times, que na manhã deste sábado entrevistavam proprietários de lojas vandalizadas durante a noite.
Emanuel caminhava sozinho por uma rua do bairro suburbano de Alexandra quando foi atacado por um cidadão, ao que tudo indica sul-africano, empunhado uma chave inglesa. O moçambicano tentou defender-se, levantando os braços e recuando, mas acabou por tropeçar e cair num monte de lixo que existia na berma da estrada, enquanto isso o atacante continuou a desferir golpes. Depois o atacante parou e afastou-se.
Contundido, Emanuel levantou-se para tentar sair do local porém, um outro homem, ao que tudo indica também sul-africano, aproximou-se empunhado um facão. O moçambicano levantou os braços, pedindo para o deixarem viver, mas em vão. Foi esfaqueado, repetidas vezes.
Emanuel tentou lutar, pela sua vida, os dois caíram no chão, entretanto o homem com a chave inglesa regressou. Juntou-se ao grupo de agressores um jovem que começou por dar pontapés ao moçambicano e depois sacou de uma faca de talhante. Entretanto um outro homem, que observava o ataque, interviu segurando a mão do jovem atacante que empunhava a faca de talhante. Os agressores pararam e acabaram por fugir.
O moçambicano tentou levantar-se mais caiu. Sem nenhuma ajuda, depois de nova tentativa, conseguiu pôr-se em pé e a cambalear caminhou a procura de ajuda.
Acabou por ser encontrado a rastejar pelos jornalistas a cerca de 100 metros do posto de saúde de Alexandra onde não encontrou assistência pois o médico que deveria estar de serviço é um estrangeiro e, devido aos ataques xenófobos que duram desde o final de Março, não foi trabalhar. Teve de ser levado ao Hospital de Edenvale onde acabou por perder a vida. Uma das facadas no seu peito atingiu-lhe o coração.
Graças ao telemóvel, encontrado num dos seus bolsos, foi possível identifica-lo. Emanuel trazia no pulso três braçadeiras onde se podia ler “United for Bafana” (Unidos pelos Bafana, nome da selecção nacional sul-africana de futebol).
Mia Couto diz que xenofobia é agressão aos sul-africanos
“A xenofobia que se manifesta hoje na África do Sul não é apenas um atentado bárbaro e cobarde contra os ‘outros’. É uma agressão contra a própria África do Sul. É um atentado contra a “Rainbow Nation” que os sul-africanos orgulhosamente proclamaram há uma dezena de anos. Alguns sul-africanos estão a manchar o nome da sua pátria”, declara Mia Couto, numa carta aberta ao Presidente sul-africano, Jacob Zuma, publicada na sexta-feira na página da Internet da Fundação Fernando Leite Couto, presidida pelo escritor moçambicano.
Para Mia Couto, além de “manchar” os sul-africanos, a xenofobia na África do Sul, especificamente contra moçambicanos, demonstra um sentimento de ingratidão, um acto “bárbaro” contra os cidadãos de um país que ajudou a África do Sul na luta contra o regime do apartheid e na consolidação da sua economia, tendo-se tornado uma das maiores do continente africano.
“Nós não a esquecemos. Talvez mais do que qualquer outra nação vizinha, Moçambique pagou caro esse apoio que demos à libertação da África do Sul. A frágil economia moçambicana foi golpeada. O nosso território foi invadido e bombardeado. Morreram moçambicanos em defesa dos seus irmãos do outro lado da fronteira”, refere a carta, lembrando que Jacob Zuma viveu refugiado por um longo período em Maputo, durante a luta do Congresso Nacional Africano contra o regime do apartheid, que terminou em 1994.
O escritor moçambicano apela aos Governo sul-africano a redobrar esforços para controlar a situação, mobilizando o Exército, caso necessário, como forma de evitar que mais pessoas morram vítimas dos ataques xenófobos e que a situação se alastre para outras regiões.
“Ponha imediatamente cobro a esta situação que é um fogo que se pode alastrar a toda a região, com sentimentos de vingança a serem criados para além das suas fronteiras. São precisas medidas duras, imediatas e totais que podem incluir a mobilização de forças do Exército”, escreve Mia Couto, reiterando que é a própria África do Sul que está a ser atacada.
Desde que começou a onda de violência xenófoba contra estrangeiros africanos na África do Sul, várias manifestações de populares em retaliação ao fenómeno foram registadas em Moçambique.
Na sexta-feira, um grupo de moçambicanos, maioritariamente trabalhadores da construção civil, cortou a principal estrada entre Moçambique e a África do Sul durante cerca de 30 minutos, em retaliação contra a xenofobia.
Na quinta-feira, centenas de moçambicanos impediram, sem violência, a entrada de cidadãos sul-africanos nas minas de carvão da Vale em Tete, centro de Moçambique, também em retaliação à onda de xenofobia na África do sul. No sábado mais de cem pessoas manifestaram-se na capital moçambicana contra a onda de violência xenófoba na África do Sul, numa marcha que teve como destino a embaixada sul-africana em Maputo.