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Casamento precoce ganha terreno

Tete

Devido ao agravamento da crise económica e embora proibido por lei, em certas regiões da província de Tete o casamento precoce ganha cada vez mais terreno. Obrigadas casar desde tenra idade, principalmente depois de abandonarem a escola, as meninas valem sobretudo pelo dote (lobolo) que os pais recebem dos noivos.

Elsa Ngazo deixa apressadamente a sala de aulas da Escola Secundária Francisco Manhanga para cuidar dos afazeres domésticos na casa da família que a hospedou. Ngazo tem 18 anos e frequenta a oitava classe. Há três anos fugiu de casa em Manje, distrito de Chiuta, no interior da província central de Tete, quando os pais queriam obrigála a casar com um homem de 57 anos. A recusa valeu-lhe um internamento no hospital, após maus tratos e torturas. “Prenderam- me num quartinho e quando tive uma oportunidade de escapar dos olhares dos meus pais, fugi. Caminhei até à sede do distrito, onde encontrei a senhora que me está neste momento a hospedar.”

Porém, nem todas as raparigas têm a sorte de Ngazo. Segundo a Directora Provincial de Educação e Cultura de Tete, Leonor Moiana, há meninas que, por recusarem o casamento, são submetidas a castigos corporais e são amarradas durante dias, privadas de comer, até mudarem de ideia.

A lei moçambicana não endossa a prática. O actual Código Civil permite o casamento de raparigas somente apenas a partir dos 18 anos e de rapazes a partir dos 20.

 

 Mão-de-obra

Apesar de proibido por lei, o casamento precoce esteve sempre culturalmente enraizado no quotidiano de várias etnias de Tete: nhungwe (no leste e centro) e nfula (no sul e no norte). Porém, a crise económica é considerada um dos principais factores para o aumento da prática. “Com a explosão demográfica, não há emprego”, explica Calisto Lazaro, líder comunitário do bairro Canongola, em Tete. “Quem não sabe ler e tem seis filhas, vai dá-las em casamento para se sustentar às custas delas. Mulher também é mão-deobra.” Por isso, muitos pais dão as mãos das filhas em casamento para receber o dote – que inclui dinheiro, favores e animais – ofertado pela família do futuro genro. Casos há em que a união é acertada com o pretendente antes de a menina nascer. Já o homem que procura uma adolescente para casar geralmente quer mais mãos para ajudar na lavoura.

 

Problemas de saúde

Além do trauma psicológico, para muitas raparigas o casamento precoce também traz problemas de saúde, incluindo o risco de HIV. “Temos registo de meninas que, depois do casamento com homens mais velhos, começaram a adoecer e foi-lhes diagnosticado o vírus da SIDA”, diz Luísa Cumba, médica generalista e Directora Provincial de Saúde de Tete. “Também há casos de meninas que morreram durante o parto.”

A fístula é outro grave problema que estas raparigas costumam enfrentar. Com o corpo ainda em desenvolvimento, elas ainda não possuem estrutura física para uma gravidez. Em muitos casos, os tecidos da bexiga, reto, vagina e útero rompem-se durante o trabalho de parto, causando perfuração e incontinência urinária e fecal.

Lena Acácio, da etnia nhungwe, hoje com 15 anos, casou-se aos 13 com um homem de 73. “Eu implorei aos meus pais que não queria casar-me. Mas se não me casasse a minha mãe seria expulsa de casa pelo meu pai. Resolvi, então, casar-me”, conta. Ficou grávida praticamente logo de seguida, dando à luz um menino prematuro e mal nutrido – condição comum entre as mães adolescentes e seus bebés e como resultado disso o seu filho passou meses na incubadora do Hospital Provincial de Tete.

 

Mais educação, menos risco

O abandono escolar é outra consequência do casamento precoce. “Estamos bastante preocupados com os números que esta prática atingiu nos últimos tempos. É dos factores que mais força dá ao casamento precoce”, destaca Moiana. Este ano, as autoridades de educação estimam em mais de 80 o número de casamentos decorrentes da desistência escolar na província de Tete. Cerca de 9 mil raparigas deixaram a escola no ano passado em Tete. Em Moçambique, a maior taxa de abandono escolar entre as meninas acontece entre a quinta e a nona classe, entre os 11 e 19 anos.

“Abandonar a escola assegura uma vida de pobreza para essas meninas. Muitas acabam seropositivas, porque as dinâmicas de poder homem-mulher tornam- se ainda mais acentuadas contra elas”, defende Moiana.

O Plano Estratégico Nacional de Combate à Sida (PEN) 2005/2009 observa que raparigas mais escolarizadas casam mais tarde, são mais propensas a fazer um planeamento familiar e os seus filhos têm mais hipóteses de sobreviver. Também dados da Direcção Provincial de Educação mostram que em 2007, 47 alunas entre 13 aos 18 anos ficaram grávidas na província de Tete, mas continuaram a ir à escola, enquanto as que engravidaram acabaram por abandonar os estudos.

 

Voltar à Escola

Algumas iniciativas procuram ajudar estas raparigas a voltarem à escola depois do parto. Em 2004, a Direcção Provincial de Educação implementou uma política que permite que as meninas amamentem durante o horário escolar. Porém, a adesão é difícil: além do estigma, não há quem cuide do bebé enquanto elas assistem às aulas. Há ainda outro projecto que procura diminuir o índice de desistência escolar de meninas ao ensinálas saúde reprodutiva e sexual, incluindo HIV.

A MOZART, uma organização da sociedade civil, também trabalha nessa direcção, criando laços com a comunidade e encorajando os pais a ajudarem na educação sexual. Essa iniciativa, a ser implementada nas escolas da província com maior índice de desistência, já apresenta resultados positivos: foi registada uma queda significativa de gravidez na adolescência, maior índice de retenção e conclusão da educação escolar e aumento da auto-estima e autoconfiança entre meninas.

Com o sonho de ser enfermeira, Elsa Ngazo desafia: “Eu gostava de um dia provar aos meus pais que o facto de me terem forçado a casar não foi um bom caminho para o meu futuro.”

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