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Camponeses exigem a verdade sobre o ProSavana

A exclusão das comunidades camponesas, a falta de informação e de transparência acerca do programa de cooperação triangular para o desenvolvimento agrícola das savanas tropicais em Moçambique, o ProSavana, continuam a legitimar o pânico dos camponeses que temem ver as suas terras expropriadas pelos investidores estrangeiros.

Com vista a desfazer os mitos que giram em torno deste programa, a União Nacional dos Camponeses (UNAC) e outras Organizações da Sociedade Civil (OSC) dos três países envolvidos no programa, nomeadamente Moçambique, Brasil e Japão, reuniram-se no princípio deste mês para, mais uma vez, e de forma uníssona, declararem oposição ao ProSavana.

Os camponeses exigem do Governo transparência e participação no processo de elaboração de planos do ProSavana. Nesta exigência, que é extensiva aos países parceiros do ProSavana, os homens e mulheres de enxada querem que lhes seja dita a verdade sobre os reais benefícios que terão na qualidade de pequenos produtores que actuam na área concedida para o projecto ProSavana.

“Pedimos a verdade sobre o ProSavana. Queremos saber que benefícios teremos com a implementação desta programa”, disse Rebaca Mabui, durante a conferência triangular dos povos de Moçambique, Brasil e Japão.

Desde que começou o planeamento do ProSavana, em 2009, e mesmo depois do seu lançamento oficial em 2011, pouca informação é tornada pública acerca deste programa, não obstante as grandes empresas internacionais de agro-negócio serem mantidas a par do processo.

A escassez de informação dá lugar à especulação e gera pânico por parte de quem sente que será directamente afectado pelo ProSavana, porém, o Executivo moçambicano quase sempre se esquivou de prestar esclarecimento acerca do programa.

Na essência o que preocupa os camponeses e a sociedade civil, tanto moçambicana como de outros países, é a falta de informação que resulta em mexericos em torno desse assunto. Numa carta aberta dirigida aos líderes governamentais dos três países envolvidos no ProSavana, os camponeses e as OSC denunciam e repudiam a suposta “manipulação de informações e intimidações às comunidades que se opõem ao ProSavana; os iminentes processos de usurpação de terras das comunidades locais; a destruição de sistemas de produção agrícolas familiares e a importação, do Brasil para Moçambique, de experiências falhadas que geraram contradições internas naquele país”.

Assim , as comunidades “afectadas” exigem uma intervenção urgente dos países envolvidos no programa no sentido de se travar a lógica de intervenção do ProSavana. Ou seja, “que se mude o modelo de implementação adoptado no Brasil”, país em que se inspirou o ProSavana, pois o mesmo poderá resultar no surgimento de famílias e comunidades sem terras em Moçambique, como aconteceu no Brasil, onde é implementado um programa similar há cerca de 30 anos; a existência de convulsões sociais e conflitos socioambientais nas comunidades ao longo do Corredor de Nacala e não só; o agravamento da miséria; a insegurança alimentar; o aumento da corrupção; a poluição desmedida de ecossistemas e o desequilíbrio ecológico.

Informações divergentes

Ao que se pôde depreender das intervenções havidas na Conferência Triangular dos Povos, são profundamente escassas as informações sobre o ProSavana. Apesar de recorrentes repúdios e denúncias de falta de transparência, o processo de implementação do ProSavana decorre num ambiente de secretismo, que apenas abre espaço para más interpretações. As comunidades residentes no espaço abrangido pelo ProSavana, nas três províncias onde será implementado, nomeadamente Nampula, Zambézia e Niassa, estão desprovidas de esclarecimento sobre o programa.

Essa recusa por parte do Governo de fornecer informação fez com que os dados na posse das comunidades camponesas obtidas através de OSC sejam diferentes das que estão na posse das entidades governamentais. As OCS apontam para a existência de um espaço de 14 milhões de hectares disponíveis para a implementação do ProSavana.

Entretanto, o Governo indica para menos da metade desse espaço, isto é, apenas 4 milhões de hectares disponíveis no total das três província abrangidas pelo ProSavana. Por outro lado, as comunidades condenam a importação de um programa que já deu indicações de estar a falhar e a criar situações de perigo à saúde humana e do meio ambiente no Brasil. Porém, o Governo recusa tal facto afirmando que apenas se inspira no programa brasileiro, mas não vai “copiar experiências falhadas”.

O Executivo moçambicano diz ainda que contrariamente ao modelo brasileiro que aposta na monocultura e está virado para a exportação, Moçambique vai continuar a privilegiar a pluricultura para alimentar o mercado nacional. “Só em caso de haver excedente é que o mesmo será exportado”, disse o ministro da Agricultura, José Pacheco.

O director nacional de Economia Agrária, Raimundo Matule, do Ministério da Agricultura, diz que não se pode exigir agora nenhum estudo ambiental sobre o ProSavana, pois este é apenas um programa e não um projecto, e como tal não carece de nenhum estudo virado para implicações ambientais. Matule diz ainda que o programa em causa ainda está em fase de concepção, sendo que a única componente que já está a ser implementada é a de investigação. No entanto, estas informações contrastam com as que estão na posse das OSC.

ProSavana na perspectiva do Governo

Raimundo Matule, incumbido de esclarecer o que é ProSavana, pelo menos na perspectiva do Governo moçambicano, explicou que este é um programa inserido no Plano Estratégia para o Desenvolvimento do Sector Agrário (PEDSA) que visa o fortalecimento da actividade agrícola através da transformação de pequenos agricultores em agricultores de média escala.

“O ProSavana é apenas um instrumento de operacionalização deste plano que está assente em cinco pilares, nomeadamente: a produção e produtividade visando a competitividade; o acesso aos mercados e a melhoria de infra-estruturas e serviços; a segurança alimentar e nutricional; a gestão sustentável dos recursos naturais; e a reforma e o fortalecimento institucional”.

O Governo moçambicano, com a implementação do ProSavana, espera alcançar um crescimento médio de pelo menos 7% ao ano; reduzir a desnutrição crónica em menos de 5 anos, de 44 porcento em 2008 para 30 porcento em 2015 e 20 porcento em 2020, e reduzir para metade a proporção das pessoas que sofrem de fome até 2015.

Matule revelou que ainda não existe nenhum plano directivo para a implementação do ProSavana. O que existe é apenas um instrumento “ad-hoc” de trabalho que, entretanto, não prevê nenhum mecanismo de comunicação com as comunidades locais.

“O plano directivo ainda está em elaboração, ainda não foi aprovado pelo Governo, e deverá ser finalizado e apresentado entre os meses de Outubro e Novembro”. Só nessa altura, o mesmo será submetido a uma discussão pública.

Relativamente às necessárias consulta às comunidades residentes na área do corredor de Nacala, o director alegou que esse processo será feito aquando da atribuição de terrenos.

Pacheco fala de conspiração

O ministro da Agricultura, José Pacheco, contra-atacando os opositores àquele programa, disse que aliar o ProSavana à usurpação de terra é uma conspiração para manter Moçambique dependente da importação de comida e continuar a comer frango importado que muitas vezes chega ao país fora do prazo. O ministro disse que o programa “irá contribuir para a transformação da agricultura de subsistência numa agricultura comercial através do aumento da produtividade das terras”.

“Neste momento, estão em curso estudos diverso tendo em vista estabelecer um plano director. Estes estudos poderão ser concluídos até ao fim deste ano e serão trazidos a debate público tendo em vista o alcance de consenso público e só depois disso teremos um instrumento de intervenção”. Pacheco deixou claro que para o Governo o “ProSavana é uma prioridade e apostamos tudo para o sucesso deste programa”.

“Nós moçambicanos temos o direito de produzir para termos, pelo menos, três refeições por dia. Não queremos mais ser escravos do frango importado, não queremos mais ser escravos de porco importado muitas vezes fora do prazo. Não queremos mais comer arroz importado, não queremos mais consumir leite importado. Não queremos mais tomar chá importado de países que não são produtores de chá”, finalizou Pacheco.

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