O livro de memórias intitulado “Bom dia, Senhor Mandela” da autoria da antiga assistente pessoal do primeiro Presidente negro da África do Sul, Zelda la Grange, retrata as disputas e os dramas familiares nos últimos dias de vida e dias depois da morte de Nelson Mandela. Entre as revelações polémica do livro, consta o facto de a viúva de Nelson Mandela, a moçambicana Graça Machel, ter sido obrigada a ter acreditação para participar no funeral do seu marido.
Makaziwe Mandela, a filha mais velha de Mandela, fruto do seu primeiro casamento com Evelyn Mase, teria chamado Graça Machel “senhora descontrolada”, em referência à notícia de que ela teria ficado “descontrolada” quando a ambulância que transportava o seu marido doente teria avariado na auto-estrada M1 quando saía da casa privada de Mandela em Houghton em Joanesburgo a caminho do Hospital Militar de Pretória.
Apesar de a Fundação Nelson Mandela e de a assistente pessoal Zelda la Grange, terem suspendido visitas de pessoas não próximas ao primeiro Presidente negro da África do Sul quando o seu estado de saúde piorou, grande parte da família Mandela ter-se-ia aproveitado do seu desgaste físico para trazer estranhos ao seu leito para o visitarem.
Da longa lista dos tristes incidentes, consta ainda o facto de o vocalista da banda U2, o activista Bono e a actriz sul-africana e vencedora do óscar, Charlize Theron (amigos de Nelson Mandela), terem inicialmente visto barrado o seu acesso à zona VIP, durante a caótica cerimónia de homenagem que teve lugar no Estádio FNB em Soweto (estádio conhecido ao longo do “Mundial” 2010 de Soccer City).
Os visados viriam a participar na cerimónia e do velório do corpo em câmara ardente na Presidência em Pretória (Union Buildings), graças à intervenção do último Presidente da era da segregação racial, o apartheid, FW de Klerk.
Preparada para críticas
Em entrevista concedida ao jornal Sunday Times, Zelda la Grange defendeu que, devido à publicação do livro, se encontrava preparada para ser censurada. “Espero críticas de várias pessoas. Nunca escreverás algo ou expor a tua pessoa desta forma e não esperar que as pessoas se aborreçam contigo. Não me irei colocar em disputas pessoais. Estou tranquila por ter dito a verdade e feliz de saber que não há nada a ser contestado no livro,” defendeu.
La Grange, que ocupou a posição de assistente pessoal de Mandela durante 19 anos, teve o privilégio de passar mais tempo com Madiba (a forma como carinhosamente Nelson Mandela é tratado na África do Sul), do que qualquer pessoa durante a sua Presidência e reforma. Uma típica afrikaner conservadora, La Grange ter-se-ia, aos 23 anos de idade, juntado aos quadros da Presidência e em pouco tempo se tornado assistente e porta-voz de Nelson Mandela. “É-me impossível contar as horas que passei ao lado de Madiba,” destacou.
Revelações
O livro “Bom dia, Senhor Mandela” revela as fricções no seio da família Mandela, caracterizadas pelo facto de estes terem passado a assumir e a controlar os assuntos de benefício individual, em virtude da inabilidade de Mandela se expressar. Num dos capítulos, La Grange, escreveu que num dado momento, um frágil Mandela teria sido transferido para a sua terra natal Qunu, longe dos seus amigos e dos cuidados médicos.
Quando as fricções familiares se intensificaram, alguns membros da família Mandela impediram La Grange de visitar Madiba, apesar de este se encontrar solitário e com o direito de receber poucas visitas. La Grange escreve no livro que Graça Machel foi “ a única pessoa que o fez feliz”, evidenciando ainda as fricções que ela teve de suportar junto do clã Mandela.
No Inverno de 2013, Mandela, com a saúde deteriorada, teria sido transportado para o hospital por volta das três horas da madrugada. O carro teria permanecido avariado durante mais de 40 minutos, o que deixou Graça descontrolada. No dia seguinte, ao entrar no hospital, a primogénita de Mandela teria chamado a madrasta “senhora descontrolada”.
“A mamã (forma como La Grange chama Graça Machel) ficou ofendida e emocionalmente brutalizada”, escreve La Grange, tendo acrescentado que a sua filha Josina teria constantemente tentado motivar a mãe para que esta continuasse firme. Noutro capítulo, La Grange detalha a forma como teria sido afastada das suas funções. Ela escreve que depois de ter sido hospitalizado em 2013, Makaziwe lhe teria dito que ela já não era funcionária do pai e que não era recomendável que ela continuasse a visitar Mandela. Com Madiba gravemente doente, Graça Machel teve de a defender.
“A mamã teve de me defender mais uma vez, argumentando que ela defenderia as vontades de Madiba, quer que a família goste ou não e que ela faria de tudo para que as vontades do Estadista fossem cumpridas até o dia da sua morte. “Ela disse à família que a minha presença, de vez em quando, lhe daria estabilidade emocional.”
Calvário de Graça Machel
Várias fricções no seio da família, que culminavam com a falta de respeito a Graça Machel, são relatadas no livro. “Não conheço ninguém na face da terra que terá sido tratada com demasiada falta de respeito como Graça Machel,” escreveu La Grange. Segundo o livro, os arranjos fúnebres de Mandela, no seio da sua família, tiveram lugar anos antes da sua morte.
“A senhora Machel e alguns filhos de Mandela teriam recusado participar nestas reuniões de planificação do funeral de Madiba. Na altura ele gozava de boa saúde e é difícil de imaginar que alguém estaria a planear o funeral de uma pessoa saudável, que vivia feliz na companhia da sua esposa.”
A qualidade da assistência médica que, sendo antigo Chefe de Estado, estava sob o controlo do Ministério da Defesa, teria sido uma constante fonte de fricções. Numa dada altura, a possibilidade de troca da equipa médica de Mandela teria sido levantada por Lindiwe Sisulu, que na altura ocupava a pasta de Ministra da Defesa.
“A senhora Graça Machel, ter-se-ia sentido fragilizada e desprezada… A ministra explorou a possibilidade da troca de todo o pessoal médico, mas a senhora Machel teria sentido que acabaria por ser cruxificada, caso interferisse na escolha do novo pessoal que teve o aval da família.” La Grange escreve ainda sobre o incidente que teve lugar na Cidade do Cabo, a fim de efectuarem os exames de rotina.
“Teria questionado acerca dos especialistas e fui informada de que estes não se poderiam deslocar à casa de Mandela, estando ainda à espera da ordem dos seus superiores, algo que tem a ver com burocracia militar. Quando os contactei e os tentei persuadir a deslocarem-se a casa usando as suas viaturas, eles ter-me-iam respondido que não tinham autorização para tal.”
Cinco acreditações
Quando Nelson Mandela perdeu a vida a 5 de Dezembro de 2013, a família Machel, teria sido informada de que só participaria no funeral mediante um pedido de credenciais e que só teriam direito a cinco, incluindo a viúva, Graça. La Grange detalha ainda sobre caos durante a cerimónia de homenagem que teve lugar no Estádio FNB (Soccer City), quando esta teve de improvisar para que a actriz Charlize Theron e o cantor Bono tivessem acesso à tribuna VIP, depois de estes terem assistido a grande parte do evento através de um ecrã gigante.
O outro triste incidente teve lugar durante o funeral de Mandela, quando ela, acompanhada do advogado George Bizos, amigo de longa data de Madiba e um dos executores do testamento do primeiro Presidente negro, tentaram cumprimentar e dar os seus pêsames à família enlutada. A porta principal da casa de Quno estava trancada e foi-lhes recusado o acesso. Eles tiveram de entrar pela porta dos fundos e para ouvirem o seguinte de Makaziwe: “Nós não os queremos dentro desta casa.”
Bizos acabaria por ficar na casa, mas La Grange recebeu ordens para se retirar. Recorde-se que o advogado George Bizos fez parte da equipa legal de Mandela durante o julgamento de Rivónia, que culminou com a sentença de Mandela e de altas figuras do ANC à prisão perpétua. Ele teria visitado regularmente Mandela, quando este se encontrava detido na prisão da Ilha de Robben.
Ameaças
A primogénita de Mandela, Makaziwe, terá já ameaçado processar a autora do livro “Bom dia, Senhor Mandela”, caso esta não venha a público desmentir todas as informações referentes a ela e à família Mandela. Quando contactada pelo jornal , Makaziwe teria dito que não queria ouvir nada acerca do que foi escrito por Zelda la Grange. “Não quero falar convosco. Primeiro que se publiquem as memórias dela, daí verei o que ela escreveu acerca de mim. O que a Zelda escreveu… Irei tratar disso na altura certa.”