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Até quando vamos aguentar?

Até quando vamos aguentar?

A onda de sequestros que começou em 2011 – nas cidade de Maputo, Matola e Beira – transformou-se num tsunami. Desde a passada segunda-feira (21) os criminosos sequestraram pelo menos sete cidadãos moçambicanos, dentre os quais um adolescente que acabou por ser barbaramente assassinado. A Polícia afirma estar a trabalhar e confirmou o que há muito se sabe: “Há elementos da Polícia que cooperam com os sequestradores.” O Estado, que deveria garantir a segurança da população, parece indiferente e as vítimas desesperam sem saber quando o terror terá fim. No ar fica o apelo dramático de uma mãe do adolescente assassinado: “Eu sou a mãe da criança mas não deito nenhuma lágrima e apelo a todas as mães de Moçambique para que façam greve contra o estado, contra o Governo”.

Um empresário do ramo da restauração foi sequestrado defronte de uma residência na avenida Olof Palme, no bairro Central, na noite de segunda-feira (21) quando se encontrava dentro da sua viatura estacionada.

Na manhã de terça-feira (22), uma senhora na casa dos trinta anos e esposa de um empresário do ramo de venda a retalho, foi sequestrada nas imediações da Escola Portuguesa, quando levava para a escola o seu filho menor. Testemunhas oculares contaram que a vítima foi abordada por um grupo de quatro criminosos, armados, que em poucos minutos imobilizaram a cidadã indefesa, colocaram-na numa viatura e desapareceram.

Entretanto, na cidade da Beira, um adolescente de 13 anos de idade foi sequestrado enquanto brincava nas imediações da residência dos seus pais no coração da urbe, na província central de Sofala.

No início da noite de quarta-feira (23) um outro adolescente foi sequestrado na cidade de Maputo, enquanto estava na companhia do seu pai, um empresário com uma loja de bebidas, em frente à residência dos progenitores, situada no bairro da Coop, na rua E.

Os criminosos, em número de quatro, estavam armados e em menos de cinco minutos abordaram as vítimas, ainda dispararam pelo menos um tiro contra o muro da casa, e desaparecem numa viatura com o adolescente sequestrado.

Na quinta-feira (24) uma cidadã, esposa de um empresário que tem um fábrica de gelados, foi sequestrada no bairro da Malanga, na capital de Moçambique a menos de um quarteirão da Assembleia da República de Moçambique. Testemunhas confidenciaram-nos que a cidadã regressava da Escola, onde no início da tarde deixara o seu filho, e era conduzida pelo seu motorista, numa viatura modesta. Chegados às proximidades da fábrica da sua família, foram bloqueados pelos criminosos que dispararam pelo menos dois tiros para o ar para intimidar as vítimas. Em seguida forçaram a cidadã a sair do carro, mas ela resistiu, até que novo tiro foi disparado para o ar e aí a vítima cedeu ao assédio dos malfeitores.

Ainda no mesmo dia, uma outra cidadã, adulta, esposa de um empresário, também foi sequestrada nas proximidades da esquina da avenida Karl Marx e Fernão de Magalhães.

Na manhã de sábado(26) um cidadão, empresário, foi raptado do interior da sua loja na zona baixa de Maputo. Segundo testemunhas oculares, e como pudemos ver nas imagens do circuito interno de segurança da loja, os criminosos armados, em número de oito, chegaram ao estabelecimento comercial da vítima cerca das 8 horas em duas viaturas e entraram na zona traseira onde se localiza o armazém dos equipamentos. Aí, empunhando as armas de fogo, dominaram facilmente os trabalhadores, agarraram no proprietário e puseram-se rapidamente em fuga.

A gota que transbordou a indignação

O clima de indignação entre os maputenses e beirenses, das zonas urbanas, estava a aumentar pois vários cidadãos da classe média/ alta também receberem telefonemas intimidatórios exigindo dinheiro. “Estou, é o senhor fulano, temos o seu nome na nossa lista para ser sequestrado. Se nos pagar não o levamos.”

Entretanto a cidadã que havia sido sequestrada no bairro da Malanga conseguiu enganar os seus algozes e fugiu. Ao contrário de outras vítimas, a senhora, acompanhada pela família e amigos, foi pessoalmente à esquadra da Machava, bairro onde se localizava o seu cativeiro denunciar os seus sequestradores. A Polícia agiu e facilmente chegou ao cativeiro onde a senhora esteve, no bairro adjacente a Bunhiça. Nesse esconderijo, um casa que terá sido alugada pelos criminosos, a PRM terá detido um suspeito de pertencer ao grupo de sequestradores e encontrou armas de fogo. Entretanto a vítima viu, e identificou, um dos seus sequestradores que se encontrava em serviço na esquadra da Machava, um agente da Polícia da República de Moçambique.

Na segunda-feira (28) as atenções viraram-se para o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo onde se aguardava a pena a que seriam condenados os primeiros réus a serem julgados na sequência desta onda de sequestros.

O Juiz Adérito Malhope, da 10ª Secção daquele tribunal, terá tido imensas dificuldades em responder à ânsia dos cidadãos mas a condenação a 16 anos de prisão maior dos réus Arsénio Chitsotso, Albino Primeiro, Bendene Chissano, Joaquim Chitsotso, Luís Carlos Manuel da Silva e Luís Chitsotso terá sido a primeira boa-nova para muitas famílias que vivem amedrontadas, e para as dezenas que entretanto abandonaram Moçambique com receio de serem as próximas vítimas. Os co-réus foram ainda condenados ao máximo do imposto de Justiça.

Mas os criminosos longe de se deixaram amedrontar, assassinaram barbaramente o adolescente sequestrado na cidade da Beira, apesar de os pais terem conseguido reunir e até entregar a quantia negociada. O corpo sem vida, mutilado e queimado, foi atirado para a chamada “curva da morte” a sensivelmente três quilómetros da cidade do Dondo, que dista cerca de 30 quilómetros da cidade da Beira.

“No tempo de Samora não acontecia isso”

Indignada, a mãe do adolescente não conseguiu conter a sua revolta e veio aos media contar o drama da sua família desde que o menor foi sequestrado. Na quarta-feira (23), os sequestradores entraram em contacto com os pais do menor exigindo um resgate “de um milhão de dólares. Nós não dispúnhamos desse valor. Então eles baixaram para dez milhões. Mesmo esse valor era incalcinável para nós. Depois baixaram para cinco milhões. Acabámos por penhorar os nossos bens para conseguir um milhão de meticais que eles aceitaram” disse Kulssum Ismael ao Magazine CRV.

Entretanto, os sequestradores tinham enviado um vídeo intimidatório onde se pode ver o adolescente amarrado pelos braços e com estes nas costas, claramente debilitado, a implorar “papá, mamã entreguem o que eles querem eu não estou a conseguir ficar aqui, eu não como não bebo… por favor”. Após várias diligências, o pai conseguiu reunir a quantia exigida e aguardou o contacto dos sequestradores.

Nesta segunda-feira (28), já na posse da quantia negociada, foram contactados pelos criminosos que deram instruções para que levassem o valor até um local indicado, que nos pareceu ser numa lixeira. Após a entrega, os sequestradores foram contactando com a família e acabaram por informar que o prazo se havia esgotado e que o seu filho já tinha sido assassinado.

Kulsum Ismael condenou veementemente as autoridades policiais, assim como o próprio Governo por nada fazerem para estancar este mal. “No tempo de Samora não acontecia isso. No tempo de Chissano não acontecia isso, só agora no tempo de Guebuza é que está acontecer isto.” “Os sequestradores não estavam longe. Estavam aqui na Ponta-Gea. Eu, com os meus trabalhadores, movimentámo-nos e conseguimos identificar, mais ou menos, o local. Mas a Polícia não conseguiu neutralizá-los.” desabafou Kulssum que lamenta ter informado as autoridades policiais sobre o sequestro e o andamento do pagamento do resgate pois “logo que a chefe das operações da PIC teve a informação, os bandidos ligaram-nos a dizer que já sabiam do nosso contacto com as autoridades e acabaram por assassinar a criança.”

“Eu sou a mãe da criança mas não deito nenhuma lágrima e apelo a todas as mães de Moçambique para que façam greve contra o Estado, contra o Governo” apelou a mãe do adolescente assassinado que acrescentou “Ele (Guebuza) diz que está a desenvolver Moçambique. Ele esta é a destruir Moçambique.”

As desculpas do costume

As autoridades que mantiveram um silêncio cúmplice ao longo de muito tempo desdobraram-se esta semana pelos media com as desculpas do costume: “Estamos a trabalhar (…) existem elementos da Polícia que cooperam com os sequestradores (…) existem funcionários de certas instituições bancárias que facultam informações aos sequestradores (…) para a PRM ter êxito no desmantelamento das quadrilhas dos sequestradores é imperiosa a colaboração da população, isto porque o grosso dos sequestros ocorre à vista de muitos e poucos tomam a iniciativa de denunciar.”

Mas a Polícia esquece-se de que a população tem cada vez mais medo e, pior, não confia nela para resolver os crimes que, ao contrário do que disse um ministro, não acontecem em resultado do desenvolvimento, mas devido à impunidade que os criminosos sabem existir.

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