Em relação em regime de Harare já passei, há muito tempo, a fase da indignação, do choque. Depois veio a fase da revolta. Agora encontro-me na fase do asco que espero, sinceramente, seja a última. “Aversão natural por tudo o que seja considerado hediondo ou repugnante; nojo, enjoo, náusea. Em sentido figurado: sentimento de desprezo por coisa que se considera moralmente repugnante; aversão.” É desta forma que o ‘Dicionário Houaiss’ – para mim o melhor em Língua Portuguesa – define a palavra asco. Todos estes significados assentam na perfeição no que à situação no Zimbabwe diz respeito.
O êxtase colectivo vivido a semana passada com os apertos de mão entre Mugabe, Tsvangirai, Mutambara e outros, sob os olhares crédulos (não sei porque estariam tão crédulos desta vez) dos líderes da região, é inexplicável. Que razões temos nós para acreditar que desta vez Mugabe irá cumprir com o acordado? Muito poucas, para não dizer nenhumas, sobretudo se atendermos aos seus 85 anos, uma idade em que já não se tem nada a perder. Mugabe, tal como uma criança de quatro ou cinco anos, encontra-se na idade do capricho, do “é assim porque sou eu que mando” e, mau grado todos os avisos, continua a arrastar o seu brinquedo, o Zimbabwe, para o abismo. Pergunto: Que sentido faz, nesta altura, estabelecer acordos com Mugabe? Alguém de bom senso acreditará no seu cumprimento? Aqueles sorrisos são de esperança ou serão todos muito bons actores? Inclino-me mais para a segunda hipótese. Mas qual é a necessidade de lhe fazer sorrisinhos e rapapés? Principalmente quando o seu partido perdeu as eleições e quase ninguém reconheceu a sua vitória numa segunda volta boicotada por Tsvangirai.
Desta vez, o incumprimento de Mugabe não demorou mais de quatro dias a revelar-se. Roy Bennett, indigitado para vice-ministro da Agricultura por Tsvangirai, e há muitos anos um dos ódios de estimação do regime, voltou a ser preso no fim-de-semana sob acusação de terrorismo, banditismo e sabotagem, tendo sido abandonada a anterior acusação de traição.
Voltando ao asco, dia 21 vai haver festa de arromba por ocasião dos 85 anos de Mugabe. Moet & Chandón, quilos e quilos de lagostas e milhares de caixas de bombons Ferrero Rocher, entre muitas outras iguarias, fazem parte do cardápio dos senhores da ZANU/PF.
Também esta semana, o ‘Sunday Times’ revela uma investigação jornalística efectuada aos bens do casal Mugabe no Oriente. Então vejamos: há uma casa comprada em Junho de 2008 por 4,5 milhões de Euros; estátuas de mármore no valor de 55 mil para decorá-la; uma sociedade privada baseada em Hong Kong especializada em lapidação de diamantes; e muito dinheiro depositado em países do sudeste asiático como a Malásia, Hong Kong, Singapura ou Tailândia. Consta que na derradeira viagem ao Oriente, em Janeiro, Grace terá depositado rios de dinheiro preparando um eventual exílio do casal e dos seus comparsas. Do outro lado os números são outros, bem mais assustadores: 94% de desemprego, a maior inflação do mundo, 5 milhões a morrer à fome e 3500 mortos de cólera.
Aqui ao lado também temos um Mugabe em versão mais modesta, mais de acordo com a dimensão do país. Passou por cá esta semana e os automobilistas sentiram bem na pele a sua visita – o trânsito na Julius Nyerere chegou a estar interrompido durante 15 minutos para Sua Excelência passar. Esta mesma Excelência que freta aviões para as esposas – são 14! – irem a Londres fazer compras, possui das maiores colecções do mundo de BMW’s e de aviões enquanto o povo morre atrozmente de SIDA sem meios para adquirir anti-retrovirais. Uma das princesas, em vez de visitar uma obra social – função normalmente destinada a pessoas da sua categoria – ainda teve o topete de se deslocar, com os cortesãos todos à sua volta, a um conceituado centro comercial da capital e, depois de gastar 10 mil dólares, vir dizer que tinha ficado impressionada com a qualidade dos artigos expostos.
E andamos nós a combater a pobreza absoluta! Já que não há pudor ao menos que haja vergonha.