Volvidos 25 anos desde a adopção da Convenção sobre os Direitos da Criança, Moçambique tem tomado as medidas necessárias para garantir uma melhor vida para as suas crianças. Os dados estatísticos confirmam que foram alcançados resultados significativos, especialmente na área da sobrevivência da criança. Contudo, ainda temos um caminho a percorrer para podermos beneficiar todas as crianças do país, especialmente crianças como os netos da Melina, uma avó com mais de 70 anos de idade. “Quero mais comida, cobertores, roupas e apoio para a escola. Quero mais de tudo”, diz ela com determinação em defesa dos seus três netos, com idades entre os dois e os 10 ano, cujos pais morreram em 2010.
Muitas avós em Moçambique são como a Melina, que, devido à pobreza, à migração ou VIH/SIDA, muitas vezes tornam-se mães para os seus netos. Quando os serviços sociais encontraram Melina e os seus netos, eles viviam numa palhota feita de estacas de madeira e tecto de palha, uma casa nada condigna. A criança mais nova estava gravemente desnutrida. Desde então, a família tem recebido assistência alimentar, e está em andamento a construção de uma nova casa para eles.
Melina e as suas crianças mudaram temporariamente para uma pequena palhota de uma divisão que uma vizinha gentilmente lhes emprestou, mas é muito pequena para quatro pessoas. Enquanto esperam por melhores condições de habitação dos serviços sociais, as três crianças receberam certidões de nascimento adequadas, e as mais velhas frequentam a escola. Graças ao apoio do Programa de Apoio Social Directo e parceiros de desenvolvimento de Moçambique, as crianças agora dormem debaixo de redes mosquiteiras, de que Melina cuida preciosamente e o bebé está a crescer bem nutrido. Quanto à Melina, ela não vai deixar de reclamar para os seus netos-filhos o máximo que estiver ao seu alcance.
Um amplo estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sobre a evolução da situação das crianças em Moçambique (Análise da Situação das Crianças em Moçambique 2014) indica que, ao longo da última década, a situação das crianças no país tem melhorado significativamente. Ao mesmo tempo, mostra que o progresso não é uniforme entre as várias dimensões do bem-estar infantil e a nível de distribuição geográfica. Apesar do rápido crescimento da economia moçambicana, vários factores económicos, socio-culturais e institucionais estão a atrasar o progresso rápido e consistente.
As crianças em Moçambique estão melhores do que os seus pais ou irmãos mais velhos. Mais crianças sobrevivem e têm acesso aos serviços de saúde, e muitas mais estão a desfrutar do acesso a fontes adequadas de abastecimento de água e saneamento, e estão a matricular-se na escola primária. Considerando que, em 1997, duas em cada 10 crianças morriam antes de completar cinco anos de idade, em 2011 este número foi reduzido em mais de metade. Em 2003, apenas 37% da população bebiam água de fontes melhoradas. Em 2011, essa proporção subiu para 53%. Entre 2000 e 2013, o número de crianças na escola primária aumentou para quase três milhões (2.815.000), e o número de beneficiários abrangidos pela protecção social duplicou nos últimos quatro anos.
Esses avanços são encorajadores, mas ainda não suficientes. Mais de 85 mil crianças ainda morrem todos os anos antes do seu quinto aniversário. Isso pode ser atribuído à falta de acesso a intervenções básicas de saúde ou higiene e ao facto de a maioria das crianças não dormir sob redes mosquiteiras, e ainda quase dois em cada cinco moçambicanos praticarem a defecação a céu aberto.
Outras razões preendem-se com a consistente alta prevalência de desnutrição crónica, que afecta 43% das crianças menores de cinco anos, bem como a mortalidade materna, com uma em cada 200 mulheres que morre durante a gravidez ou o parto, situação inalterada desde 2002. Na educação, o ingresso escolar estagnou ao longo dos últimos cinco anos, e o baixo nível de aprendizagem torna-se uma questão de crescente preocupação. Esta situação constitui um caso clássico de desenvolvimento em África. O país conta com alguns resultados positivos, mas não o suficiente para se livrar das teias da pobreza, com as crianças a pagar o preço mais alto.
O que Moçambique pode fazer para melhorar a vida das crianças?
Moçambique tem vindo a registar uma rápida melhoria dos seus recursos económicos. Durante a última década, o país tem sido classificado entre as dez economias de mais rápido crescimento no mundo, com uma média de 7,5% ao ano de 2004-2012, mais do que praticamente qualquer outro país da África Subsaariana não produtor de petróleo. A questão, todavia, é se a vida e o bem-estar das crianças moçambicanas, que constituem mais de metade (52%) da população, melhoraram ao mesmo ritmo. Infelizmente, a resposta é não.
Apesar de um aumento nos gastos per capita para as crianças, a parcela do orçamento total dedicado ao sector social tem vindo a diminuir de forma constante, num contexto de recursos escassos. Por exemplo, enquanto as despesas per capita de educação aumentaram 72%, em termos reais, entre 2008 e 2013, a parcela do orçamento do Governo dedicado à educação diminuiu de 23,3% para 18,5% durante este período, e o orçamento total é manifestamente insuficiente para financiar todas as necessidades.
Numa recente reunião sobre África, em Maputo, a directora do FMI, Christine Lagarde identificou três prioridades políticas para Moçambique e África: “Construir infra-estruturas, capacitar instituições e capacitar as pessoas”. Se olharmos para a composição do orçamento em Moçambique, parece que a jornada de Moçambique parou na primeira fase, com uma crescente ênfase na infra-estrutura e megaprojectos.
Nós não discordamos das prioridades políticas do FMI, mas sugerimos que a ordem seja invertida. Deveríamos primeiro dar prioridade à capacitação das pessoas por meio de uma educação de qualidade, e fornecer serviços de saúde acessíveis, apoiados por mecanismos eficazes e sustentáveis de protecção social que beneficiam todas as pessoas necessitadas. Simultaneamente, as capacidades das instituições a nível central e locais deveriam ser reforçadas, para se permitir que os serviços sociais prestados sejam de qualidade para todos, reduzindo as desigualdades entre as zonas urbanas/rurais e entre o norte/sul. Com pessoas mais capacitadas e instituições eficazes, Moçambique poderá maximizar o impacto das novas infra-estruturas, a começar por sistemas de água potável e saneamento básico.
Há boas notícias. A protecção social é cada vez mais reconhecida como uma ferramenta fundamental para a redução da pobreza e os investimentos no capital humano, tal como se está a fazer para Melina e os seus netos.
O Governo de Moçambique tem feito progressos significativos nos últimos anos no estabelecimento de um sistema de protecção social, resultando na melhoria da segurança alimentar e no aumento do investimento que as famílias podem fazer em educação, saúde e capacidade produtiva. A comunidade de doadores e as Nações Unidas estão a apoiar activamente esses esforços por meio da advocacia baseada em evidências para o aumento do espaço fiscal para o sector de Protecção Social, e de programas projectados para serem eficazes, facilmente expandidos e (financeiramente) sustentáveis.
A promoção da protecção social não é um modismo de desenvolvimento. Em Moçambique, a maior parte do crescimento veio de investimentos em infra-estruturas e indústrias extractivas com fracas ligações com o resto da economia, gerando poucos empregos, especialmente para os pobres e os jovens a nível rural. Não haverá efeito “trickle down” (de cima para baixo) beneficiando os pobres, a menos que as decisões políticas específicas sejam tomadas para redistribuir o benefício do crescimento económico para as pessoas mais necessitadas e dar-lhes a maior fatia do bolo, permitindo um maior investimento no capital humano.
Na corrida para as eleições nacionais em 15 de Outubro quero exortá-los a manter o foco sobre aqueles sem direito ao voto: as crianças. Só investindo nas crianças, utilizando o dividendo do crescimento económico e da riqueza mineral do país, poderemos alcançar um desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Esta é a minha esperança, este é o direito das crianças.
Dr. Koenraad Vanormelingen, Representante, UNICEF Moçambique