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Aqueles que vão morrer sorriem-te

O Urbi et Orbi de Obama

“Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, pois a pessoas assim é que pertence o Reino de Deus.”  Este trecho faz parte do Evangelho de São Lucas e, de acordo com ele, Jesus Cristo terá proferido esta frase quando alguns crescidos afastavam as crianças que o rodeavam, julgando que a presença dos petizes o perturbava. Cristo surpreende-os ao ter uma reacção  contrária: chamou-as, respondeu às suas perguntas, brincou com elas, acarinhou-as, ouviu as suas histórias.

A nossa legislação, em relação às leis de protecção à criança e aos seus direitos, é quase tão elevada como os sentimentos de Cristo nesta matéria. Mas, nunca um calhamaço – são 352 páginas – esteve (está) tão longe da realidade como este. 

Na declaração dos Direitos da Criança adoptada por Moçambique em 1979 – decretado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional da Criança – aprovada pela então Assembleia Popular e com a nota final “Publique-se” subcrita pelo presidente Samora Machel, lê-se a dada altura: “Tens o direito [criança] de crescer rodeada de amor e compreensão, num ambiente de segurança e de paz. Tens o direito de viver numa família. Quando não tiveres família, tens o direito a passar a viver numa família que te ame como um filho. A escola deve ensinar-te a compeender o mundo onde vives e como transformá-lo, de conhecer a história do teu povo e a sua cultura, de aprender a dominar a ciência e a técnica. Cada vez mais vamos multiplicar para acolher todas as crianças do nosso País. Tens o direito à protecção da tua saúde, a viver num ambiente saudável, a ter uma boa alimentação, a seres ensinada a defender-te contra a doença. Quando estiveres doente, tens o direito de ser tratada com todos os cuidados, com todo o afecto e carinho.

Esta declaração completa 30 anos em Dezembro próximo e parece, a avaliar pela realidade, que cada vez caminhamos mais no sentido contrário ao que está no papel. Nunca como aqui o adágio popular “de boas intenções está o inferno cheio”, se aplicou tão bem como no caso das nossas crianças.

Aqui, efectivamente, o papel e a prática estão a anos-luz. Basta percorrer as ruas das nossas cidades, e em Maputo a realidade é ainda mais dura, para perceber o quão violamos diariamente os direitos mais básicos das nossas crianças. Quantas não têm família? Muitas. Quantas têm uma habitação condigna? Muito poucas. A quantas proporcioamos uma saúde e uma educação dignas? A muito poucas. A quantas damos uma alimentação aproriada? A muito poucas. A quantas transmitimos o nosso carinho? A muito poucas. E o mais grave de tudo: ao desprezarmos as crianças estamos a desprezar metade dos moçambicanos porque, como é sabido, estas constituem perto de 50% da população do país.

O Estado – há processos de adopção que chegam a arrastar-se mais de três anos! – e nós, cidadãos deste país, há muito que as deixámos de regar. E as crianças, como as flores, sem água (ternura, carinho, preocupação, desvelo) murcham. Logo elas que deviam, devido à idade, ser as mais viçosas do nosso jardim.

Mesmo assim, no meio de toda esta tragédia, diariamente há crianças que ainda nos sorriem tentando um derradeiro florescimento. Porque o mundo, como dizia o poeta, pula e avança como uma bola colorida entre as mãos de uma criança.

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