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António Estima: “Está difícil actuar em Maputo…”

António Estima: “Está difícil actuar em Maputo...”

João António Estima é um célebre músico Beirense. Possui uma carreira que se arrasta há cerca de 40 anos. No entanto, só em 2010 é que gravou “Marromeu ndinwathu”, o seu primeiro e único trabalho discográfico. as suas músicas são um sucesso que não se reflecte na sua vida. Emigrar para a cidade de Maputo, a fim de realizar alguns concertos e impressionar os produtores de espectáculos e divertimentos públicos locais, é um sonho antigo. Enquanto não se concretizar, a sua visibilidade continua adiada…

 

“Bebé que não chora não mama”. O provérbio e a sua verdade são sobejamente conhecidos. Neste sentido, talvez, para evitar os seus efeitos que no seu caso significam perecer precocemente na arte, João António Estima, um dos mais notáveis cantores sofalenses aproveitou a efémera estada do @Verdade na cidade da Beira para revelar a insatisfação que a seguinte realidade lhe traz:

 

“Nós, os artistas de centro e do norte do país, jamais somos convidados para tocar na capital. Começamos a cantar, tornamo-nos músicos conceituados, envelhecemos, (alguns de nós até perdem a vida) mas dificilmente conseguimos realizar concertos em Maputo”.

O que mais intriga o autor da canção “Marromeu ndi nwathu”, qualquer coisa melódica que agrada o ouvido, é a consciência de que o seu sucesso, agora, depende muito de ser conhecido em Maputo. Na verdade, apesar de alguma timidez, as suas canções são exploradas na Rádio Moçambique. Foi nessa estação radiofónica, onde escutámos “Marromeu ndi nwathu”e a partir daí mesmo sem o conhecer, começámos a apreciar a sua forma de cantar.

Realmente, “sinto que o que tem sucedido é que caso o artista das províncias, na falta de apoios, consiga lutar com os seus meios para se deslocar a Maputo, permanecer algum tempo e realizar trabalhos artísticos – os concertos em particular – a sua vida melhora. Ele torna-se conhecido e reconhecido”, diz.

Um cantor militar

Durante a guerra dos 16 anos, o nosso interlocutor, através da canção, travou um combate leonino para o advento da paz. “Fui um cantor militar”, diz.

“Quando aquele conflito armado eclodiu e, no dia 30 de Julho de 1976, se alastrou para Luabo, tive que me refugiar em Chinde, na província da Zambézia. Daí em diante nunca mais parei de cantar. Em todos os lugares para onde me deslocava, transportava uma guitarra comigo”.

Naqueles anos, “utilizei a música para mobilizar a população a aderir às causas da paz. Como tal, por exemplo, enaltecia a forma como vivíamos antes da eclosão do conflito, bem como do sofrimento que o fenómeno bélico – entre a Frelimo e a Renamo – instalou no povo moçambicano. Foi assim que me tornei um cantor popular”.

Amnistia e perdão

Passado algum tempo, João António Estima partiu de Chinde para Marromeu, onde escreveu e promoveu a canção “a lei da amnistia e perdão” com o objectivo de mobilizar o cessar- -fogo entre a Renamo e a Frelimo, tudo em prol da paz. Para si, sobretudo naqueles anos, “era infundado que o país entrasse em mais um conflito armado depois de combater o colono”.

Um dos argumentos que invocava na referida música é a compreensão de que “no mato a vida já é difícil devido à existência de espécies de animais ferozes, muitos dos quais atacam o Homem. Por isso, em Moçambique, nada mais devia fundamentar uma guerra entre os nossos líderes políticos no país. Para mim era muito mais vantajoso que se reconstruísse o país, as infra-estruturas danificadas pela guerra colonial, de forma a trilhar-se o caminho do progresso”.

Aliás, em termos do conteúdo, “a lei da amnistia e perdão” assemelha-se à canção “Antoninha nwananga” na qual António Estima narra a história da esposa do seu amigo que fora raptada, quando a localidade de Luabo foi assaltada pela Renamo.

É por isso que quer, “a lei da amnistia e perdão”, quer “Antoninha nwananga”, quer ainda a canção “Udzuperekeke”, o mesmo que “venho te entregar”, todas gravadas em 1979, são os temas musicais que “me lançaram à ribalta nas cidades da Beira e de Chimoio”.

Afinal, além de serem muito conhecidas nas zonas centro e norte do país, estas composições musicais valeram- -lhe a realização de inúmeras digressões na região, assim como no país vizinho Zimbabwe. “Tudo isso aconteceu nos anos da guerra”, realça.

Eles não regressam mais…

Apesar de João António Estima almejar uma viagem profissional para Maputo, a terra onde está guardada a chave do seu sucesso, lamenta a atitude de alguns artistas moçambicanos, mormente os das províncias, na medida em que quando vêm à capital do país, onde arduamente trabalham com o objectivo de melhorar a sua condição social, nunca mais regressam às suas origens.

Para si, esta atitude só tem uma explicação. “Em Maputo, o artista é valorizado, o que aqui nas províncias não acontece. É por essa razão que os músicos das províncias quando emigram para Maputo, nunca mais retornam às origens”.

Vejamos, por exemplo, “o que sucedeu connosco no Festival Marrabenta. O combinado era que todos nós, os cantores, recebêssemos um valor de cinco mil meticais pela actuação. No entanto, chegada a altura do concerto, instala-se uma confusão. De repente a organização diz que não há dinheiro porque não houve público”.

Ora, “na minha compreensão o músico não é responsável pela componente publicitária do evento. Ele é, apenas, responsável por fazer um bom concerto”.

Maldita falta de aparelhagem

Segundo Estima, a inexistência de uma aparelhagem adequada para a dinamização da indústria dos concertos na província de Sofala é um facto lamentável. “Não temos equipamento apropriado para que o músico possa fazer espectáculos”. Como consequência, “os cantores beirenses tendem a actuar em playback”.

Estima recorda-se de que o Governo moçambicano, logo que restaurou o Ministério da Cultura no mandato em curso, prometeu aos artistas a criação de melhores condições. Aliás, sobre o assunto instalou-se muito alarido. O que fez com que “nós ficássemos muito felizes ao saber que o Executivo decidiu resgatar o Ministério da Cultura”.

No entender de Estima, a decisão do Governo foi oportuna e, caso se concretizasse, seria uma mais-valia para a camada artística. Afinal, “em condições normais quando em determinado país os ministérios da Educação e da Cultura estiverem separados, o músico é muito beneficiado. Mas isso, incompreensivelmente, não está a acontecer em Moçambique. Pensávamos que com esta transformação da parte do Governo nós, os cantores, teríamos um valor acrescido. Afinal, estávamos a cair num tremendo engano”, lamenta.

Projectos em voga

O cantor que no dia 22 de Março celebra 50 anos, 38 dos quais dedicados à música, planifica gravar pelo menos mais um trabalho discográfico antes de encontrar a morte.

“Se eu tivesse melhores condições, gostaria de fazer a gravação de um novo trabalho discográfico com pelo menos oito faixas musicais. Penso que seria o meu último álbum porque estou a ficar velho. Vou completar 50 anos no dia 22 de Março. Então, eu sentir-me-ia realizado depois de registar um disco, o qual chamaria Mãe, como forma de exaltar o distrito de Luabo”.

Segundo Estima, o distrito de Luabo possui um valor peculiar porquanto tenha sido nele onde conheceu a sua esposa Rosa Rosário (Rosita) com quem teve sete filhos ao mesmo tempo que, juntos partilham momentos tristes e felizes enquanto a morte não os separar, como há mais de 30 anos juraram.

Muita festa em Março

Antes de no dia 22 de Março assinalar-se a celebração das bodas de ouro da vida de Estima, a 13 de mesmo mês será a vez de o seu filho primogénito, Kioma colher a 31ª rosa no jardim primaveril. Isto significa que o músico Estima teve o primeiro filho aos 19 anos, em 1981. Na altura, o artista cantava há sete anos. Talvez seja por isso que muito cedo impressionou a sua eterna parceira Rosita.

De qualquer modo, quando questionado sobre as razões de tanta pressa em ter o primeiro filho, o artista explica que “eu amo bastante a minha esposa”.

O banho fez–me bem!

Um aspecto curioso na pessoa do músico Estima é que possui um corpo conservado. No entanto, lamenta o facto de não lhe restar muito tempo de vida.

“Se a minha massa corporal está conservada deve-se à boa disciplina que tenho em relação ao banho. A água faz bem ao corpo. Recordo-me de que houve uma época da minha vida em que bebia bastante álcool. Na referida fase, podia sacrificar a alimentação mas nunca dormir sem tomar o banho”.

E mais, “eu podia regressar para casa às 3.00h da manhã. Batia a porta para que a dona Rosita me abrisse. A primeira coisa que lhe exigia era que me servisse água e sabão para o banho. Isso foi muito importante para a conservação do meu corpo”, realça ao mesmo tempo que lamenta as dores que supostamente devido aos seus 50 anos lhe apoquentam.

Uma vez em Maputo

O nosso interlocutor recorda que a primeira vez que esteve em Maputo foi há sensivelmente três/quatro anos. “Na altura vinha participar numa conferência (sobre HIV/SIDA) que foi organizada pela Direcção da Educação e Cultura com a participação da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO)”.

Entendeu-se que na referida conferência deviam participar – de cada capital provincial do país – um músico e um curandeiro. Estima teve a sorte de ser considerado o cantor mais indicado.

Quem é António Estima?

João António Estima começou a cantar seriamente na escola. Corria o ano de 1974, altura em que frequentava a 4ª classe do sistema colonial.

Quando a FRELIMO concluía o processo que conduziu à independência nacional, o pendor de Estima em relação à canção valeu-lhe o cargo de chefe das actividades culturais na Escola Primária Heróis Moçambicanos, em Luabo. “Imediatamente fiquei com a responsabilidade de instigar os meus colegas para a prática do canto e dança, mas com particular destaque para a composição de canções”, recorda.

Como tal, o seu grupo cultural praticava danças tradicionais como Makwaela, Tchikudzire, Zoma e Sadaka. As três últimas danças são típicas de Marromeu, a sua terra natal.

Cinco anos depois, começou a tocar música ligeira e tradicional moçambicana. E tornou-se vocalista da sua banda em 1979, na província de Zambézia.

De qualquer modo, para Estima, Luabo é quase uma terra santa. Um distrito com “muita civilização, de tal sorte que foi lá onde comecei a tocar com os Irmãos Souza. Os Souzas eram uma família composta por cidadãos mestiços, que possuíam uma aparelhagem de som. Na verdade, todos eram músicos”, diz.

Filho de Estima Uariua e Julieta Faene, António Estima trabalhou como bobinador na empresa Sena Sugar, no distrito de Luabo, onde fez as primeiras classes do ensino primário. Aliás, foi lá onde me tornei profissional na área de bobinador. Bobino muitas coisas. Mas nunca deixei de cantar”.

E mais, “a minha sorte foi o facto de (nesses anos de trabalho na Sena Sugar) o director geral da empresa, Joaquim Alberto de Carvalho, ter-se apercebido da minha tendência em relação à música. Criou condições para que eu, além de dinamizar o movimento musical na empresa, fosse transferido de novo para Luabo em 1982. O resultado disso é que comecei a fazer muitos concertos em que as pessoas começaram a apreciar a minha música”.

Mais importante ainda “é que conheci a minha esposa Rosita Rosário, com quem tenho sete filhos. O meu primeiro filho chama-se Kioma, tem 30 anos, é seminarista são franciscano a caminho de se tornar padre”.

Muito antes da assinatura dos Acordos Gerais de Paz, em 1992, entre a Frelimo e a Renamo, na Beira existia um empresário de nome Moçakara. Foi ele que financiou a gravação de parte importante das músicas de Estima.

Refira-se que este músico trabalhou muito com a Banda Rastilho cujo vocalista é o músico beirense Jorge Mamade. No referido agrupamento, o produtor musical Dionísio da Silva era baterista.

A teimosa questão

Como se pode perceber, António Estima realizou muitos concertos na região centro e sul do país, bem como nos países que fazem fronteira com Moçambique na região leste, em particular no Zimbabwe. No entanto, “não consegui ao longo de mais de 30 anos de carreira fazer concertos em Maputo”, lamenta.

Por isso, “esta realidade é um facto sobre o qual sempre me interrogo. Mas não encontro explicação. Sobretudo porque desde quando comecei a cantar a esta parte tenho notado que os artistas de Maputo têm ido (com muita frequência) para a região central e nortenha do país a fim de realizar concertos.

O mais curioso, em tudo isso, não é facto de o artista até agora não ter feito concertos em Maputo, cidade por si considerada capaz de ser um trampolim rumo a uma carreira artística bem sucedida.

O impressionante é darmo-nos conta de que João António Estima canta há mais de 35 anos. No entanto, ao longo de todo esse período não possuía nenhum trabalho discográfico, além de algumas músicas registadas em alguns suportes como, por exemplo, cassetes e CD virgens (markets).

O seu primeiro e único álbum, que possui 17 faixas musicais, foi gravado, muito recentemente, há dois anos, em 2010, graças ao apoio de um dos seus sobrinhos.

Ele aprendeu o “abecedário” do canto com o seu tio materno, Francisco Saize, que já nos anos de 1960/70 possuía duas guitarras, uma bateria e um contra-baixo, instrumentos utilizados pela “Banda Saize”.

A isso pode-se associar a influência religiosa que na sua infância teve na Igreja Católica, de que é crente. Para Estima é um caso para dizer que “o canto sempre esteve presente na minha família”.

“Marromeu ndi mwathu” – o tema do seu álbum – significa “Marromeu é minha terra natal”.

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Uma resposta

  1. Sou fã deste músico sofalense, dondense e beirense.
    Bem haja o nosso artista regional

    Vamos apoiá-lo

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