O ano escolar abriu oficialmente na passada sexta-feira(05) em Moçambique, milhões de meninas e meninos estão matriculados no ensino básico que é suposto ser gratuito. Mas Esmeralda e Celina, que deveriam frequentar a 5ª e 6ª classes, respectivamente, ainda não têm o dinheiro suficiente para comprarem os cadernos, os lápis, as esferográficas e as borrachas que necessitam.
Desde 2004 que as tarifas de acesso à escola primária foram abolidas em Moçambique e o Governo tem investido na produção de livros escolares que são distribuídos gratuitamente por todo o país. Contudo para um aluno poder frequentar as aulas da 1ª à 5ª classe precisa também de possuir cadernos, que custam 10 meticais cada, pelo menos um lápis de carvão e uma borracha, que custam pelo menos outros 10 meticais. Além disso o aluno é obrigado a ter o fardamento escolar que cujo preço varia dos 150 a 300 meticais.
Esmeralda Agostinho fez a 4ª classe, no ano passado, na escola primária de Naphome, no distrito de Rapale, na província de Nampula, e este ano prepara-se para frequentar a 5ª classe. Porém a tia, que é a sua encarregada de educação há dois anos, altura em que ficou orfã de pai e mãe, não tem rendimentos para que todos possam alimentar-se com dignidade todos os dias. Para adquirir o material escolar que falta a Esmeralda tem que trabalhar.
Desde a última semana de Dezembro a rapariga, de dez anos de idade, acorda bem cedo todos os dias e vai ao poço do seu bairro encher o seu bidão com água fresca. Em seguida dirige-se para o mercado local onde se senta por baixo de uma sombra e torce para que seja mais um dia de muito calor para que mais pessoas sintam sede e comprem um copo com água. Com o lucro deste pequeno negócio Esmeralda já tem assegurados 105 meticais e pouco falta para comprar o seu uniforme escolar.
Esmeralda vai ter de continuar a ser empreendedora até conseguir juntar o dinheiro que lhe falta para comprar os oito cadernos que precisa e pelo menos duas esferográficas, pelo menos para o início das aulas. A menor nem sequer se lembra que precisa também de pelo menos um par de chinelos para não caminhar descalça para as aulas.
“Crianças provenientes de famílias com menor nível de despesa têm menor acesso à educação”
Drama idêntico, para adquirir o seu material escolar e fardamento, vive Celina Andrade. Orfã de pai, Celina vive com a mãe camponesa e os irmãos, dois mais crescidos e outros dois menores que ela. A chuva que tem caído, se não danificar a residência da família cujas paredes são de adobe e o tecto é coberto com capim, é uma bênção pois rega a machamba e garante que fome não irão passar, haverá mandioca, milho e amendoim e outras hortícolas.
Celina concluiu a 5ª classe em 2015, na Escola Primária de Naphome, e prepara-se para ingressar na 6ª classe é exemplo vivo da falta de qualidade da educação em Moçambique, só para escrever as duas palavras do seu nome precisa de cerca de quatro minutos e a lê de forma muito rudimentar.
Mas a menor tem vontade de aprender e por isso também tornou-se numa empreendedora vendendo água para quem tenha sede no mercado da região, um local de aglomeração e passagem de muitos cidadãos todos os dias. Não conseguiu indicar-nos quanto tem amealhado mas pelas suas contas de cabeça falta pouco para poder comprar os cadernos, esferográfica e o fardamento da escola.
De acordo com o Inquérito ao Orçamento Familiar(IOF) de 2014/2015, produzido pelo Instituto Nacional de Estatísticas, a maioria dos moçambicanos não frequenta para além do ensino primário porque são pobres, depois do ensino primário passa a ser necessário pagar as tarifas escolares, aumentam as necessidades de materiais e até o Bilhete de Identidade, que nem 20% da população possui, passa a ser um imperativo. “(…)Crianças provenientes de famílias com menor nível de despesa têm menor acesso à educação e, consequentemente, menor possibilidade de frequentar níveis elevados de educação”, refere o IOF.
Além disso, a taxa de conclusão do ensino primário no nosso país não chega aos 50% e as raparigas são as que mais cedo deixam de ir è escola.
Há boas perspectivas para Esmeralda e Celina irem à escola este ano, mesmo que apanhem as aulas já a decorrer. Porém terão de se esforçar muito para lá continuarem pois o destino mais comum das raparigas nas zonas rurais de Moçambique é o casamento, antes de atingirem os 21 anos e com homens muito mais crescidos, com a promessa de um futuro melhor que se traduz em muitos filhos, e no abandono, perpetuando-se o ciclo da pobreza.
*Recolha de Leonardo Gasolina