O Parlamento debateu e aprovou a Lei de Amnistia que concede e garante o perdão a todos os cidadãos que cometeram crimes contra pessoas, propriedades ou contra a segurança do Estado durante a guerra que desde 21 de Junho de 2013 assola o nosso país. Na nova página que se abre com a “absolvição” dos que mataram para impor, ou não, as suas vontades, não há espaço para a indemnização das vítimas do conflito político-militar.
Após a aprovação da lei, o momento na Assembleia da República (AR) foi caracterizado pela troca de abraços e beijos entre os membros da Comissão Permanente da Assembleia da República e também pelos membros que compõem as bancadas, numa clara comemoração da paz.
O porta-voz da bancada da Renamo, Arnaldo Chalaua, disse que uma possível indemnização às vítimas das hostilidades ou seus familiares não poderia ter lugar depois de se conceder a amnistia, pois esta significa perdão.
Sobre a mesma matéria, um deputado da Frelimo afirmou que o assunto ainda não foi analisado. A lei, composta por três artigos, foi proposta pelo Presidente da República, Armando Guebuza, e aprovada na madrugada de terça-feira, 12 de Agosto. Ela protege, contra qualquer acção penal, os autores de crimes contra a segurança do Estado e os crimes militares ou outros cometidos no período que vai desde Março de 2012 até à data da entrada em vigor desta lei.
“O Estado garante a proteção contra qualquer procedimento criminal sobre actos e factos cobertos pela amnistia”, estabelece o artigo dois da lei em causa.
No entanto, no nº 3 do artigo-1 garante-se também a amnistia às pessoas que tenham cometido, fora daquele período, crimes previstos nesta lei.
“A amnistia aplica-se, ainda, aos casos similares ocorridos no distrito de Dondo, Posto Administrativo de Savane, em, 2002, no Distrito de Cheringoma, em 2004, e no Distrito de Marínguè, em 2011”. Este artigo constitui a consecução de a Renamo incluir na lei casos que não estavam inicialmente previstos.
Esta lei é parte da materialização dos acordos alcançados entre o Governo e a Renamo, o principal partido da oposição, no diálogo político. Ela estabelece as garantias de que não haverá responsabilização judicial das partes envolvidas nos confrontos armados, o que, espera-se, vai viabilizar os entendimentos e determinar o fim das hostilidades militares.
Horas a fio de “negociações” sem consenso
A sessão para o debate desta matéria estava marcada para ter o seu início às 10 horas, desta terça-feira (12), mas só começou por volta das 21:30, ou seja, com mais de 12 horas de atraso, isso depois de terem sido anulados outros dois períodos marcados (10:30 e 14 horas). A demora deveu-se, nada mais, nada menos, do que a falta de consenso entre as bancadas da Frelimo e da Renamo sobre o período a ser abrangido pela Lei de Amnistia.
Antes do debate em plenário do Parlamento, a bancada da Renamo mostrou objecção em relação ao horizonte temporal previsto na lei. A proposta contestada pela bancada da “Perdiz” previa um espaço temporal que ia de Junho de 2012 até a data da entrada em vigor da lei. Para este grupo parlamentar liderado por Maria Angelina Enoque, aquele período não era abrangente, supostamente, porque protegia uma parte de pessoas envolvidas no conflito militar, mas ignorava a outra.
“A Renamo entende que ao estabelecer-se aquela data, a lei ignora parte das pessoas que devem ser envolvidas. A tensão político militar não teve início em 2012, mas, sim, houve antes momentos marcantes e detenções arbitrárias. Compreendemos que esta lei tem que ser mais elástica e não este espaço que se determina”, defendeu o porta-voz da Renamo, Arnaldo Chalaua.
Essa divergência de ideias levou a um longo e profundo debate envolvendo as bancadas da Frelimo e da Renamo que procuravam a todo o custo um consenso sobre a matéria de modo a viabilizar a aprovação desta norma que deu entrada na Assembleia da República com carácter de extrema urgência.
Nalgum momento a chefia da bancada da Frelimo teve que consultar o Presidente da República, o proponente, sobre as propostas apresentadas pela Renamo. É que este partido chegou a propor que a norma abrangesse os crimes cometidos em 1994.
A verdade é que esta matéria, que opunha os parlamentares, não tinha sido alvo de debate ao nível do diálogo, no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, entre as duas delegações, e ao constar da proposta do Presidente da República apanhou de surpresa os parlamentares da Renamo.
Após um prolongando período de debate, ao nível das chefias das bancadas e da Comissão Permanente, o consenso sobre o aspecto levantado pela “Perdiz” foi alcançado. Nessa altura, por volta das 19 horas, a Frelimo convocou a Imprensa para informar que as bancadas haviam chegado a consenso e que a proposta de lei seria debatida ainda naquela noite.
Depois desse momento, a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade (Primeira Comissão) que já havia produzido o seu parecer em relação à proposta de Lei de Amnistia na qual dizia que esta não enfermava de nenhum vício de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, teve que analisar o novo texto, já por volta das 20 horas.
De acordo com a proposta apresentada, a lei em referência não tem nenhum impacto orçamental. Ou seja, da aprovação e aplicação não resultará nenhum encargo adicional para o Orçamento do Estado.
MDM reclama que foi excluído
A bancada do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) mesmo concordando com a aprovação desta lei, não deixou de demonstrar alguma indignação pelo facto de ter sido excluída durante o longo período de “negociação” dos últimos acertos da proposta de lei.
“Nós passamos todo o dia como meros expectadores”, disse o porta-voz da bancada do MDM, José Manuel de Sousa. A bancada minoritária da AR teceu um discurso de consolo e solidariedade para com as famílias cujos efeitos de conflito se fizeram sentir de forma directa.
“Estamos convosco e acreditamos que os danos causados serão um dia compensados para a normalização das vossas vidas. Defendemos uma nação unida e reconciliadora que tenha consciência de que a manutenção da paz exige esforço, coragem e acima de tudo tolerância e respeito pelas diferenças”, asseverou.
O MDM foi a tempo de relembrar aos seus pares sobre a necessidade de se respeitar o exercício da liberdade política no país. “Tomando em consideração que estamos num país multipartidário, ninguém tem o direito de impedir a realização da actividade política a um partido legalmente constituído”.
Alguns amnistiados
A Lei de Amnistia abrange todos os cidadãos que no âmbito das hostilidades cometeram crimes militares. Entre as pessoas amnistiados estão figuras como António Muchanga e Jerónimo Malagueta, ambos quadros seniores da Renamo.
Muchanga foi detido no dia 7 de Julho no recinto da Presidência da República à saída da reunião do Conselho de Estado, encontro durante o qual lhe foi retirada a imunidade de que gozava para que fosse detido sob acusação de incitamento à violência. À data da sua detenção, desempenhava, ao nível do partido, as funções de porta-voz de Afonso Dhlakama, líder do partido.
Por sua vez, o brigadeiro Malagueta, embora em liberdade, será também um dos beneficiários da Lei de Amnistia. Este havia sido detido a 21 de Julho de 2013, dois dias depois de ter anunciado, numa conferência de imprensa, que os homens armados da Renamo iriam impedir a circulação de pessoas e bens na Estrada Nacional Número Um (EN1) e de comboios nas linhas de Sena e Marromeu como forma de não permitir movimentos das Forças de Defesa e Segurança e seu equipamento em direcção à Sathunjira onde o seu líder se encontrava a residir antes do ataque de Outubro. Malagueta foi posto em liberdade, em Março deste ano, depois de pagar uma fiança.
Para além destes, muitos outros deverão ser beneficiados, tal é o caso de 21 membros da Renamo presos em Outubro do ano passado em Nampula acusados de promover desmandos na localidade de Napome, no distrito de Nampula-Rapale.
De acordo com a proposta apresentada, a lei em referência não tem nenhum impacto orçamental. Ou seja, da aprovação e aplicação não resultará nenhum encargo adicional para o Orçamento do Estado.
Encontro Guebuza Dhlakama
Depois da aprovação desta norma, espera-se que aconteça, em breve, o encontro entre o Chefe de Estado, Armando Guebuza e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, para a homologação dos consensos alcançados e rubricados, na passada segunda-feira, 11 de Agosto, pelos chefes das duas delegações em diálogo político.
No entanto, entre as delegações do Governo e da Renamo ainda não há entendimento em relação às modalidades da assinatura documento final com vista a por termo às hostilidades militares no país.
É que, por um lado, o Executivo insiste que a assinatura do documento deve ser feita, em Maputo, pelo Chefe do Estado e o líder da Renamo, mas este entende que o chefe da delegação do seu partido, Saimone Macuiane, pode encarregar-se deste ponto.
Dhlakama autorizou a sua delegação, na pessoa de Saimone Macuiane, a assinar os documento final e a anunciar o fim da crise política e militar.
Para a Renamo a homologação é fundamental para que se verifique o cessar-fogo e permitir-se a livre circulação de pessoas.
“É o nosso entendimento que havendo dificuldades por parte do Governo em declarar o cessar-fogo, por incumbência do Presidente da República, há formas possíveis que devem ser feitas no sentido de garantir o fim das hostilidades militares o mais cedo possível”, disse.
Na ronda da última quarta-feira (13), Macuaine frisou que o mais importante, neste momento, é o fim da crise e não o lugar onde será assinado o acordo.
Por sua vez, o chefe da delegação governamental, José Pacheco, disse que “a Renamo exige conforto militar” para que o seu líder saia em segurança da parte incerta. No entanto, a questão que este coloca é a seguinte: como trazer o senhor Afonso Dhlakama a capital República de Moçambique para rubricar lado a lado com o Presidente da República os três documentos?
“Compete ao chefe de Estado, na qualidade de Comandante-em Chefe, emanar ordens às Forças de Defesa e Segurança, daí o facto de termos produzido o instrumento que será assinado pelas partes.