O mundo está caminhando sobre um rastilho “de desigualdade, injustiça e insegurança, a ponto de explodir”, advertiu a Amnistia Internacional (AI), destacando que a crise não é apenas econômica, é também de direitos humanos, em seu relatório anual divulgado nesta quarta-feira.
Do Haiti à China, passando por México, Colômbia, Sri Lanka, Palestina, Congo e Sudão, o documento da AI, publicado em Londres, oferece um obscuro panorama dos abusos dos direitos humanos no mundo, onde a crise econômica aumenta a “instabilidade política e a violência”.
Embora seja muito cedo para prever todos os efeitos dos desastres dos últimos anos sobre os direitos humanos, a AI destacou o aumento da pobreza, do desemprego, da insegurança, da discriminação e a desigualdade no mundo, o que nunca foi terreno propício para o respeito desses direitos. O documento da AI, que analisou a situação em 157 países, destacou que, embora ninguém esteja salvo da crise econômica, os problemas dos países ricos não são nada comparados às calamidades que atingem os mais pobres.
“Na Ásia, África e América Latina, há cada vez mais fome e doenças, devido à drástica alta dos preços dos alimentos, e mais pessoas sem moradia e vivendo na indigência, por causa dos despejos forçados e de execuções de bens hipotecados”, indicou o relatório da organização de defesa dos direitos humanos. “A falta de alimentos, emprego, água, terra e casa, o aumento da desigualdade, da insegurança, da violência, da xenofobia e do racismo mostram que o mundo está enfrentando não somente uma crise econômica, mas uma crise de direitos humanos”, destacou Irene Khan, responsável da AI.
Em entrevista à AFP pouco antes da divulgação do relatório, Khan denunciou que os governos poderosos estão “mais preocupados em resolver exclusivamente os problemas econômicos e financeiros em seus próprios países e se esquecem da crise mundial que os cerca”. “É evidente que os governos fracassaram na hora de proteger os direitos humanos, a vida e o sustento das pessoas”, comentou a dirigente da AI, pedindo mudança na liderança política.
Khan falou dos pacotes bilionários que os governos de países ricos lançaram para resgatar instituições financeiras, criticando-os por terem se esquecido dos setores mais vulneráveis em seus próprios países e no resto do mundo.
Segundo ela, é por isso que o relatório da AI, de 400 páginas, dirige-se em particular ao G20, “que se cobriu de um manto de liderança, mas que não cumpre com seus compromissos de redução da pobreza no mundo e de respeito aos direitos humanos. “O G20 precisa ter uma visão unificada dos direitos humanos”, afirmou Khan, destacando que, em muitos países que formam este grupo, entre os quais a Arábia Saudita, o México, a China, o Brasil e os Estados Unidos, o respeito desses direitos deixa muito a desejar.
“Os Estados Unidos não reconhecem que os direitos econômicos fazem parte dos direitos humanos e a China não leva em conta os direitos civis ou políticos de seus cidadãos”, indignou-se Khan. “O mundo precisa de uma liderança diferente, um modelo distinto de política e também de economia, algo que funcione para todas as pessoas e não somente para os poucos privilegiados”, frisou.
Entre os poucos avanços registrados neste campo nos últimos meses, Kahn comemorou o compromisso do presidente americano, Barack Obama, de fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba, embora tenha advertido que o chefe da Casa Branca “não foi o bastante longe”. “O anúncio do encerramento de Guantánamo foi uma boa notícia, assim como os passos importantes que tomou no início de seu mandato para retificar alguns abusos dos direitos humanos cometidos pelo governo de George W. Bush”, destacou. “Mas depois, algumas dessas iniciativas foram seguidas por ações limitadas, e seu governo enviou nestes primeiros meses sinais confusos”, disse.
Sobre a América Latina, em particular, o relatório da Amnistia Internacional reconheceu que a situação dos direitos humanos melhorou na região em 2008, conforme demonstrou a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, mas apontou para os retrocessos, com o aumento da insegurança e da exclusão, como exemplificam os muros que estão sendo construídos em torno das favelas da cidade brasileira do Rio de Janeiro.
Assim, Khan pediu aos países do G20 que assinem um “novo acordo global para o respeito aos direitos humanos e para que coloquem estes direitos no centro de suas iniciativas internacionais para combater a crise econômica.” “Não podemos solucionar os problemas econômicos se não resolvermos os problemas nos direitos humanos”, concluiu a dirigente da AI.