Era pequenino, magrinho e o que gostava mesmo na escola era de futebol. Experimentou o mini-básquete e a paixão inicial começou a sofrer um revés. Diz-se que o basquetebol “estica”. Será? A verdade é que Amade Mogne cresceu e apareceu e em pouco tempo começou a “ditar leis”, do alto do seu metro e noventa. Tudo isso, acrescido a muito talento e não menos “ratice”, condições que o transformaram no maior basquetebolista moçambicano pós-independência. Era uma delícia vê-lo jogar e fazer a dupla/maravilhas com o seu irmão Naimo.
A sua geração foi de ouro, apesar de um claro “déficit” no que toca ao peso e à altura. O Desportivo tinha como cinco-base, João Paulo Vaz, Nuno Narcy, Naimo Mogne, Paris e Amad, o mais alto da turma. A técnica e sincronização eram as suas armas, proporcionando noites emocionantes, sobretudo frente ao eterno rival, Maxaquene, que apresentava outro tipo de argumentos: Simango, Claudino Dias e João Chirindja, todos de estatura bem mais avantajada.
Tamanho não é qualidade
Na Selecção Nacional, onde era “cliente assíduo”, mesmo com a presença de maxaqueneses de peso, em confrontos com representações como a Nigéria, Senegal ou Egipto, Moçambique tinha que usar armas próprias para compensar as enormes diferenças de peso e altura. Quais?
– Vivíamos a modalidade no sangue e no nervo. Era impressionante o númeero de horas em que ensaiávamos jogadas “cá em baixo”, para podermos contrariar as vantagens dos gigantes que tinhamos que defrontar. Não nos sentiamos intimidados. Muita sincronização, alguma “ratice” e o uso da táctica da formiguinha, que nos era ensinada pelos mais velhos, em especial o Vítor Morgado. Não tinhamos adversários na Zona VI. O basquetebol vivia noites inolvidáveis em que as bichas para o Pavilhão do Maxaque chegavam ao prédio de 33 andares!
O Maxaquene foi campeão de África, em 1982 e Amad Mogne escolhido para reforçar os “tricolores”. Uma experiência única, na carreira de um atleta ímpar, sob orientação do técnico norte-americano Chuck Skarshag. O atleta recorda um estágio no Algarve, que ficou na memória, antes de rumarem para Barcelona onde iriam enfrentar as “feras”:
– Ao invés de nos levarem para um lugar recatado, próprio para um estágio, em que tivéssemos sosssego, puseram-nos numa luxuosa estância de turismo, na Aldeia das Açoteias, em que se praticava “topless”. Ao invés de nos concentrarmos, desconcentrávamo-nos. Até tinhamos um posto de observação que denominávamos de “mira-mamas”. Uma vez no Mundial, algo nunca visto. Turmas poderosíssimas, com jogadores altos e com muito peso. Íamos às cegas. Todas a equipas tinham fortes patrocinadores.
Amade recorda-se que frente aos cubanos, a turma que mais se aproximava do nível da moçambicana, ao intervalo o Maxaquene perdia por 15 pontos. O técnico americano decidiu trocar os titulares pelos suplentes, incluindo o reforço “alvi-negro”. Começou então um verdadeiro “show” de basquetebol, que permitiu terminar esta etapa mantendo a mesma diferença do primeiro tempo.
Num Campeonato Mundial, perante gigantes de alto nível, vocês não tinham tremideiras?
– Nem por isso. Eles é que ficavam preocupados porque tinham a obrigação de nos ganhar. Nós fazíamos bom básquete e mais nada.
Quase profisional do Benfica
Chegou a Portugal para abraçar o profissionalismo no Benfica, no último dia das inscrições. Os “encarnados” já tinham os três lugares reservados a estrangeiros preenchidos. Foi “emprestado” ao Barreirense, para fazer tempo, jogando até a sua situação ficar esclarecida. Fez bons jogos à espera da Carta Internacional que nunca mais veio. E como quem espera desespera, acabou, com certa mágoa, por regressar:
– Eu tinha lugar no Benfica, Porto ou outro clube qualquer. Houve contactos para jogar em Espanha, mas eu queria tudo legal e não pretendia mudar de nacionalidade. Tive até propostas de “casar-me” com uma daquelas portuguesas alugadas, o que me permitiria desfrutar do estatuto de português. Não aceitei. Se tivesse mudado, haveria de ser condenado pelos meus próprios princípios e, na altura, pelo regime vigente.
Regressou com uma certa mágoa e ficou a saber que afinal por cá, havia quem quizesse “luvas” exageradas pela sua transferência. E como não era futebol, tudo se tornava difícil. Sem motivação para permanecer muitos anos como jogador, traçou uma meta: a retirada em glória, com um título nacional, para fechar a sua carreira com chave de ouro. E isso aconteceu no ano de 1991, após brilhantes exibições nos Jogos Africanos do Egipto.
A sua vida era…
Desporto, desporto e mais desporto!
Começou no futebol, nos ditos campeonatos do caniço, jogando na Mafalala, 1.º de Maio e em todo o sítio para onde fosse convidado. O futebol era a sua paixão, mas também fazia atletismo, em especial corta-matos, onde ganhou algumas medalhas. À noite jogava futebol de salão, na equipa da CETA.
Mas o basquetebol, claro, era a modalidade que dominava o seu tempo e que praticava com mais seriedade.
OS MANOS-MARAVILHA
Nunca ensaiaram nada, mas em campo faziam a dupla/maravilha do basquetebol nacional. Naimo e Amade, conheciam-se de olhos fechados e até no piscar de olho sabiam das intenções de cada um. O treinador, João Fernandes, dáva-lhes liberdade para fazerem das suas e eles não se faziam de rogados. Amad conta:
– Começamos juntos no bairro, depois no Ferroviário e mais tarde no Desportivo. Dava a impressão de haver telepatia nos gestos e movimentos, mas tudo era natural.