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Ainda o Cardoso

De certa forma, a inscrição a preto ‘Carlos Cardoso Vive’ sobre o castanho do muro era contraditória. Efectivamente, na passada segunda-feira, quando se completaram 10 anos sobre o assassinato do editor do ‘Metical’, a escassez de pessoas, sobretudo de pessoas anónimas, espantaram-me sobremaneira.

Pessoalmente estava à espera de bem mais gente – não sei se ao todo chegariam a 100 – de que aquela que rendeu homenagem ao corajoso jornalista dez anos após a sua ignominiosa morte. Família sim, amigos sim, como já se esperava, mas gente anónima, povo pelo qual Carlos sempre se bateu e deu a sua vida contava-se pelos dedos da mão.

Colegas de profissão, poucos, diria mesmo, muito poucos. Gente representando a autarquia, da qual Cardoso foi membro, nem vivalma! Aliás, o único ‘contributo’ do município foi a passagem de dois fiscais uns dias antes para assegurar que os peões tinham espaço para passar entre o muro e o monumento e entre este e a berma da estrada, como se os outros passeios pela cidade fora estivessem um brinquinho.

Tal como a inscrição mural, também as palavras de Mia Couto pareceram contraditórias quando disse “por mais dez anos que passem Cardoso nunca será esquecido.”

Não será esquecido por aquela centena de familiares e amigos, mas pelos outros, já não direi o mesmo. Do sindicato de jornalistas (CNJ), órgão supostamente criado para defender os profi ssionais de comunicação social, nem sinal.

Do Gabinfo, entidade que regula os diversos órgãos, idem. De organizações da sociedade civil, idem. Do partido no poder ou do Governo então nem se fala.

Este alheamento popular pode ter três razões:

– Fraca divulgação. As pessoas não sabiam que a homenagem iria ter lugar por isso não foram.

– O facto de não se querer ficar associado à polémica figura de Carlos Cardoso, não se querer ser visto como um dos dele, tal como Pedro fez com Cristo.

– O facto de o moçambicano ser um povo sem causas, não havendo nada neste mundo capaz de o motivar para sair à rua.

Ao segundo caso chamarei cobardia, falsidade. Todos sabemos que o ponto de vista do Cardoso, é o correcto mas, por motivos de possíveis represálias, colocamos a cabeça debaixo da areia como a avestruz, fingindo que não vemos nada, ou seja, os tais desmandos, os tais roubos, as tais mentiras que ele tão veementemente combateu.

O último caso é o dos ismos: comodismo, egoísmo, individualismo. Esgotámos o nosso espírito de causa com Samora Machel, naqueles primeiros dez anos de independência.

A partir de então, se calhar também porque já não sentíamos qualquer coacção para nos mobilizarmos, entrámos profundamente no espírito do deixa-andar, tipo não me incomodes que eu também não te incomodo, e… aburguesamo-nos na mentira, na hipocrisia, na falsidade, na falta de valores morais.

Gostaria de acreditar que a primeira razão, a fraca divulgação, fosse de facto a que mais tivesse concorrido para este alheamento, mas temo que sejam as outras duas.

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