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Águas agitadas no Índico

Separe-se a diplomacia da Justiça

Por estes dias, correm assaz agitadas as águas, normalmente tranquilas e tépidas, do Índico. Desde o início do ano contabilizam- se cerca de 70 embarcações sequestradas por piratas, maioritariamente somalis, – 19 delas ainda se encontram retidas a negociar os resgates. Não se sabe bem quando é que isto irá terminar, mas muitos navios já estão a mudar de rota, preferindo fazer o percurso efectuado por Vasco da Gama há mais de 500 anos.

Há duas semanas estourou uma crise enorme na Tailândia, com milhares de manifestantes a exigirem a demissão do primeiroministro. Os aeroportos da capital encontram-se encerrados e o país, um dos destinos turísticos mais procurados do mundo, vive dias de agónica incerteza com o exército a ameaçar intervir a todo o momento.

 

Na semana passada, foi a vez de a Índia conhecer o seu “11 de Setembro”, como anunciaram os ‘media’ locais, a propósito dos ataques terroristas que vitimaram perto de 200 pessoas em Bombaim, a cidade mais cosmopolita daquele caleidoscópico subcontinente.

É certo que nos últimos anos a Índia já conheceu atentados terroristas de dimensões bem maiores do que este, mas nenhum outro procurou feri-la tanto no seu universalismo como o da semana passada. Os hotéis Taj Mahal e Oberoi estão para a Índia como as Torres Gémeas estavam para Nova Iorque: simbolizavam o poder económico e a prosperidade dos dois países. Tal como em Nova Iorque naquele Setembro de 2001, ouvi também alguém dizer: “A partir de agora Bombaim tem medo.”

Efectivamente, de quarta a sábado, os terroristas, através do medo, e essa é a força do terrorismo, conseguiram paralisar uma megalópole de 20 milhões de habitantes. Conheci Bombaim em 2001 e nem consigo imaginar como é aquela cidade petrifi cada, sem as buzinadelas dos riquexós, sem os fumos omnipresentes dos escapes, sem as obsoletas motorizadas, sem os camiões hiper- coloridos que percorrem todo o país, sem os “semi-luxury buses” que só o são de nome, sem o vaivém de gente em perpétuo movimento, sem os ”backpackers” de todo o mundo que ali vêm descobrir um “novo” mundo. Mas a calma vivida nestes três dias foi tudo menos calma. Esta calma agita, perturba, inquieta, sendo silenciosa demais para ser tranquila. Esta é uma calma imposta pelo medo, pelo terror, pelo pânico de se estar à hora errada no local errado. Foi esta calma que Bombaim viveu durante três dias, com o terror a ser dono e senhor da cidade, tão dono como o senhor era do escravo no século XVIII, porque nestas alturas somos todos escravos, escravos do terror.

Em 2001, lembro-me de caminhar pelas suas ruas e não acreditar como é que uma urbe com 20 milhões de pessoas podia ser tão segura para o viajante. Nunca senti a menor ameaça à minha integridade física, pelo contrário, dos seus habitantes só senti amabilidade e hospitalidade. Depois, com o correr dos dias – estive na Índia 45 dias –, percebi que isso se devia à idiossincrasia do povo indiano: calmo, pacífi co, afável, tolerante, respeitador, bem na senda do seu líder espiritual Mahatma Gandhi.

Tal como em Nova Iorque, no ataque ao World Trade Center, também aqui o assalto destinava-se a arrasar completamente a prosperidade indiana, corporizada no Taj Mahal e no Oberoi. Contudo, aqui, o trabalho dos terroristas não foi tão bem sucedido como em Nova Iorque: após três dias literalmente debaixo de fogo, os hotéis continuam de pé.

“Somos todos rijos como o Taj Mahal”, disse alguém no momento de pôr mãos à obra, orgulhoso da vitalidade de Bombaim.

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