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Água potável: um luxo para poucos em Nampula

Água potável: um luxo para poucos em Nampula

Ver água a jorrar nas suas torneiras é o sonho da maioria dos 500 mil habitantes de que é constituída a cidade de Nampula. Diariamente, milhares de munícipes da considerada capital do norte são obrigados a acordar cedo, percorrer pelo menos cinco quilómetros e suportar filas longas para obter apenas 20 litros do “precioso líquido” para o seu consumo. Em quase todos os bairros da urbe, o drama é o mesmo: além do precário sistema de abastecimento, o acesso à água potável ainda é um problema sério e não se vislumbra nenhuma solução a médio prazo.

Todos os dias, pela manhã, Eugénia Gonçalves caminha aproximadamente cinco quilómetros até chegar ao fontenário mais próximo da sua residência, localizado ao longo da Avenida do Trabalho. Residente do bairro de Murrapaniua, ela tem 31 anos de idade e vive maritalmente, união da qual resultou três filhos. Apesar de ter poço artesiano no quintal da sua casa, a falta de água para o consumo tem sido a principal dor de cabeça da sua família.

O bairro onde mora conta com nove fontanários, número que não cobre a demanda do precioso líquido. Geralmente, por causa das enchentes habitualmente verificadas, Eugénia costuma a sair de casa por volta das três da manhã para garantir um lugar na fila e só regressa por volta do meio-dia. Muitas vezes, leva dois recipientes de 20 litros cada, mas consegue encher apenas um. “Temos de acordar cedo, com o azar de sermos agredidos por malfeitores, e atravessar a estrada para obter somente um galão de água”, disse.

Quando não consegue água naquele local, ela é obrigada a recorrer aos bairros circunvizinhos, onde um recipiente de 20 litros de água chega a custar 10 meticais, contra os cinco cobrados na sua zona residencial. “Todos os dias, temos de andar muito para comprar água para beber, caso contrário somos forçados a consumir a do poço”, afirmou.

Este não é um problema exclusivo de Eugénia, é também de centenas de munícipes de Nampula que vivem a dor da falta de água potável para o consumo humano. O sofrimento dos nampulenses começa logo às primeiras horas do dia e, muitas vezes, prolonga-se até ao pôr-do-sol. Todos os dias, o cenário é sempre o mesmo: mulheres e crianças, com recipientes vazios nas mãos, percorrendo as artérias da cidade à procura do precioso líquido.

No bairro de Mutava-Rex, Helena Aiuba não sabe o que é água potável há bastante tempo, até porque o precioso líquido é um luxo para meia dúzia de pessoas desfruta nesta zona habitacional. Há anos, ela e a sua consomem água do poço e de uma represa que dista a três quilómetros da sua habitação. “Não temos fontanários aqui perto, ou temos de ir até ao Polígono, ou até à zona do Controlo, e é muito longe. Às vezes, não temos tido dinheiro para comprar água”, disse.

Ababy Rachide, também morador de Mutava-Rex, disse que nunca beneficiou de fontanários públicos, tendo afirmando que há alguns furos de água construídos pela edilidade, mas não jorram água, devido aos problemas do lençol freático. “A melhor alternativa seria a construção de pequenos sistemas de abastecimento de água”, sugeriu.

O nosso interlocutor referiu que a crise de água que assola aquela zona residencial faz com que a população consuma água das represas existentes ao redor. Rachide disse ainda que, devido à situação, os moradores manifestaram a sua inquietação junto das autoridades municipais e do Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG), mas sem sucesso.

Namicopo, o bairro mais populoso da cidade de Nampula, é também um dos mais assolados pela crise no abastecimento de água. Beber água da torneira é um luxo para poucos, que o diga Ancha Antinane, moradora daquela zona residencial. Segundo aquela dona de casa, de 28 anos de idade, há mais de três semanas que o seu quarteirão se vê privado de água potável, razão pela qual, todas as manhãs, ela desloca-se até ao vizinho bairro de Carrupeia à procura do precioso líquido.

Em Namicopo, o abastecimento de água tem sido bastante irregular. Os que detêm algum poder financeiro obtem água de fornecedores privados que cobra por sete mil litros não menos de 3500 meticais, valor que é uma verdadeira fortuna para centenas de moradores. “Temos apenas um único fontanário. Quando jorra água, tem havido longas filas e somos obrigados a acordar cedo, sob todos os riscos daí decorrentes, no que diz respeito à assaltos e agressões físicas”, disse Ancha, tendo acrescentado que “antes a água do poço só servia para lavar roupa, pratos e para o banho, mas, presentemente, não temos opção, também usamos para beber e cozinhar”.

Dos cerca de 500 mil habitantes do município de Nampula, mais da metade consome água imprópria. Devido a essa situação, tem havido aumento de casos relacionados com doenças diarréicas e de coléra que vem assolando aquela cidade, desde Dezembro do ano passado. Até finais de Fevereiro do ano em curso, houve registo de 18 mortos, de um total de 12.535 casos notificados em diversas unidades sanitárias.

Fontanários instalados nos quintais dos secretários dos bairros

Os moradores dos bairros visitados pelo @Verdade são da opinião de que a crise de água é resultado da ausência do envolvimento da população beneficiária na programação e escolha do local da construção dos fontanários públicos. Segundo os residentes, a colocação daqueles bens não obedece a necessidade dos beneficiários.

Algumas infra-estruturas do género foram construídas nas imediações das residências dos secretários dos bairros e outras foram colocadas em função da popularidade política de determinados partidos, em detrimento das áreas com maior concentração populacional, como são os casos dos fontanários localizados nos bairros de Namicopo e Murrapaniua.

Refira-se que a instalação de fontanário deve resultar da decisão da população, mediante uma reunião pública para o efeito, beneficiando cerca de 500 famílias.

Vulai Assane, secretário da Unidade Comunal 18 de Abril no bairro de Carrupeia, justifica que o fontanário construído no seu recinto é fruto de iniciativa própria, uma vez que se tinha em vista assegurar a sua gestão e manutenção, devido à onda de vandalização que estas infra-estruturas vinham sendo alvo. “A edilidade manifestou o interesse em construir uma fonte de fornecimento de água e eu cedi o espaço. Houve muita contestação, mas não tinha outra alternativa”, disse.

O nosso interlocutor referiu que foi realizada uma reunião pública e não houve voluntários para integrarem o Comité de Gestão do fontanário, razão pela qual tomou a dianteira de ser o responsável por aquele bem público.

O secretário do bairro de Murrapaniua, que não quis ser identificado, disse que o fontanário foi construído no seu quintal de modo a salvarguardar a gestão do bem público e permitir que a população tivesse acesso à água potável. O mesmo mostra-se arrependido alegadamente porque as receitas mensais são insuficientes para a manutenção da infra-estrutura. “É dificil gerir um fontanário. Sou obrigado a acordar cedo para atender aos consumidores, e a maioria aparece sem dinheiro para pagar a água”, afirmou.

Financiamento do Banco Mundial não surtiu efeitos

Em 2010, o FIPAG em Nampula, num financiamento do Banco Mundial, investiu 53 milhões de meticais na construção de 120 fontanários públicos. Presentemente, muitos desses não jorram água, colocando a população numa situação de crise.

Além das sistemáticas restrições no fornecimento de água, a barragem do rio Monapo, que assegura o abastecimento, não satisfaz as reais necessidades dos mais de 500 mil pessoas que residem em Nampula. O @Verdade apurou que houve um outro financiamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), alocado ao Conselho Municipal da Cidade de Nampula (CMCN) para a construção de fontanários, mas desconhece-se a sua aplicabilidade.

Caetano André, director do Pelouro de Salubridade, Água e Saneamento no CMCN, reconheceu a crise no abastecimento de água que assola os bairros periféricos, e disse que há um distanciamento entre a sua instituição e o FIPAG, no que tange aos planos de expansão da rede de água.

A fonte disse ainda que a crise tem causado enorme desconforto no seio dos residentes nos bairros e justifica que tudo deriva dos problemas de assoreamento da albufeira que fornece água à cidade de Nampula. “A barragem do rio Monapo não tem capacidade para bombear água aos fontanários”, afirmou, tendo acrescentado que “há o surgimento de novos bairros de expansão e temos que acompanhar com a criação de serviços básicos. A água é uma das prioridades”.

Aquele responsável comentou que, no presente ano, a edilidade vai investir um milhão e quatrocentos mil meticais em fontanários públicos.

Falta de articulação entre a edilidade e o FIPAG na origem do problema

Diniz Doane, consultor regional-norte do FIPAG, disse que muitos fontanários construídos pela edilidade, na então gestão de Castro Namuaca, não obedeceram às normas técnicas e sociais regradas para o efeito.

O nosso entrevistado afirmou ainda que a área de fontanários públicos não consta das prioridades do FIPAG, uma vez que muitas famílias estão a aderir aos sistemas de ligações domiciliárias. “De acordo com a nova política do FIPAG, temos que ser sustentáveis, criámos facilidades para o acesso à água canalizada. Por questões meramente sociais, ainda vamos prosseguir com projectos de fontanários, porque há pessoas de baixa renda que precisam deste bem público”, disse.

Sem avançar montantes, Doane frisou que decorre um trabalho de reabilitação de 20 fontanários em diversas regiões periféricas, onde os níveis de abastecimento de água não são dos melhores. A construção de uma fonte de água custa cerca de 500 mil meticais, e tem um tempo de vida que varia entre cinco e oito anos.

Por seu turno, Castigo Cossa, director da área operacional do FIPAG na cidade de Nampula, disse que para o ano de 2015 a instituição que dirige arrancou com a construção de 10 fontanários, exclusivamente para uma zona de reassentamento do bairro de Murrapaniua e outras 100 novas ligações domiciliárias para outras regiões daquele ponto do país. Ao todo, o investimento está orçado em oito milhões de meticais.

Cossa referiu que a cidade vai continuar a registar crise no abastecimento de água, devido à incapacidade de armazenamento da barragem. Actualmente, a capacidade instalada é de 3.9 milhões de metros cúbicos contra 25 milhões de metros cúbicos necessários.

Importa referir que a cidade de Nampula conta, presentemente, com 31 mil ligações, correspondente a uma taxa de cobertura de 41 porcento.

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