O custo elevado e o fraco acesso a fertilizantes, mormente na agricultura familiar, um sector que ao longo de décadas é considerado negligenciado em Moçambique, é mais um obstáculo que pode concorrer para que a vontade do Presidente da República, Filipe Nyusi, de prosseguir as “políticas de incentivos aos camponeses” com vista “elevar a produção e a produtividade agrárias”, manifestada aquando da sua investidura, não passe de um discurso político ou de uma mera intenção. Todavia, existe outro entrave, a pouca divulgação dos benefícios do uso do produto em causa.
“O uso de fertilizantes ainda é muito baixo em Moçambique (menos de 5 kg/hectare) e em muitos outros países da África Subsahariana, onde a intensidade de uso continua muito abaixo da meta de 50 kg/hectare da área cultivada estabelecida na Declaração de Abuja, em Junho de 2006, aumentar o uso de fertilizantes de 8 kg para 50kg de nutrientes por hectare até 2015”, refere um estudo da Aliança Africana para a Revolução Verde (AGRA), em colaboração com o Ministério da Agricultura (antiga designação).
Percentagem de agregados familiares que usaram fertilizantes por culturas e por província
Nota: para a província de Manica refere-se à produção de couve e não de repolho.
A carestia dos fertilizantes resulta, em parte, das alegadas altas taxas de importação, o que se repercute na comercialização, até para os retalhistas, bem como na exiguidade das redes de distribuição nas zonas rurais, onde encontra o grosso dos camponeses.
Em Moçambique, o sector familiar, que segundo o economista João Mosca, director do Observatório do Meio Rural, “não tem sido prioridade dentro das opções e políticas públicas”, é praticado por perto de 90% da população e é dela que provém cerca de 80% dos alimentos consumidos. Porém, a desconsideração a que está sujeita ainda prevalece.
“O aumento da produção, produtividade e competitividade na agricultura”, para o incremento da disponibilidade de alimentos com vista a reduzir a fome que ainda flagela milhares de pessoas no país, depende largamente do trabalho do pequeno produtor e da utilização de fertilizantes, conforme o próprio Governo reconhece no Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Sector Agrário (PEDSA) 2010-2019. Pelo que “continua um grande desafio para os produtores o acesso a insumos melhorados incluindo aos fertilizantes”.
Uma pesquisa da AGRA e do sector que lida com a agricultura no país, defende que “a educação e a idade do chefe do agregado familiar influenciam positivamente na decisão de usar fertilizantes”, e “a escolaridade aumenta o conhecimento sobre o benefício”, deste produto nos rendimentos agrícolas. “O aumento de mulheres economicamente activas (15 a 64 anos de idade) aumenta a probabilidade de uso de fertilizantes, enquanto o aumento de homens economicamente activos diminui esta probabilidade”.
A necessidade de se inculcar o uso de fertilizantes nos camponeses e massificar a informação a esse respeito foi, também, ressaltada num encontro realizado a 30 de Junho último, no Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM), que visava analisar, mais uma vez, a “Estrutura de Custos de Fertilizantes”. Ângelo Matenene, da AGRA, disse que os fertilizantes são caros devido a vários factores, tais como as taxas alfandegárias e portuárias ligeiramente proibitivas durante a importação, o que influencia a sua alocação aos agricultores.
O painelista defendeu a necessidade de se encontrar políticas (o Governo, que controla o sistema produtivo nacional, é que deve criá-las e disseminá-las) que possibilitem a redução do preço de fertilizantes, bem como propor soluções que viabilizem o seu uso para o alcance da almejada produção e produtividade agrária.
A AGRA é a mesma instituição que, em 2014, disse que Moçambique faz parte de 13 países africanos com solos empobrecidos, além de que o fraco uso de fertilizantes na África subsahariana faz com que os camponeses “percam entre 30 e 80 quilogramas de nutrientes por hectare, como fosfato e nitrogénio”, facto que “mata as esperanças africanas” de acabar com a fome em 2025, escreveu o Correio da Manhã.
Outros estudos indicam que “o custo de produção de fertilizantes (amónia e ureia) é fortemente influenciado pelo preço internacional de combustíveis fósseis, nomeadamente o gás natural, que, além de ser fonte de energia é também matéria-prima com um peso de 90% no produto em alusão.
É neste contexto que se defende que “o uso do gás natural é a via mais eficiente para a produção de amónia comparativamente ao uso de carvão natural e óleos pesados. A recente descoberta do gás natural é uma oportunidade para Moçambique estudar a possibilidade de instalar fábricas de produção de amónia e ureia (…)”.
Relativamente aos importadores, estes alegam que os 4.000 meticais que pagam por cada contentor de 20 pés no Porto da Beira são exorbitantes e queixam-se de tantas cobranças na movimentação de cada expediente, além de que, por vezes, a mercadoria permanece quase uma semana ou mais alguns portos por causa da falta de celeridade.
Não há revolução verde sem fertilizantes
Por sua vez, Thomas Hutcheson, consultor da USAID, uma agência do Governo americano que actua na área de apoio económico e humanitário em Moçambique, começou por dizer que a produção de cereais no país é baixa, porque, também, “o uso de fertilizantes é baixo”. As culturas como feijão, algodão e soja, que não são cereais, “têm igualmente baixos rendimentos” e tal situação pode ser um indício de que o propalado “aumento da produtividade exige fertilizantes”.
Pela explicação do pesquisador, a agricultura familiar ainda não beneficia das “políticas de incentivos”, prometidas pelos governantes em cada mandato, e está longe de ser produtivo e competitivo, ao contrário do que tem advogado, principalmente em comícios populares ou nos períodos de “caça ao voto”. Trata-se de uma área puramente de subsistência e que debate com as mesmas dificuldades de sempre, tais poucos investimento quando comparado com o de outras áreas, por vezes ociosas.
No mundo, asseverou Thomas, nenhuma revolução verde teve sucesso sem o uso de fertilizantes e as colheitas em grandes quantidades estão associadas à utilização significativa deste produto. As culturas de tabaco, milho e mandioca, por exemplo, aumentaram em termos de hectares, mas a produtividade tem fracassado.
Num outro desenvolvimento, o funcionário da USAID, disse que o pequeno agricultor não arisca comprar fertilizantes por ter a consciência de que são dispendiosos em relação às culturas a que se destinam. A venda não compensa o dinheiro gasto durante o processo de cultivo até à colocação do produto no mercado. Talvez, seja por isso que ainda “predominam técnicas tradicionais de produção agrícola, o que já “não acontece em muitos países africanos”.
“Quem investe um metical pretende ganhar outro metical”
Para Carlos Zandamela, presidente da agremiação dos fertilizantes em Moçambique, não existe agricultor que compra fertilizantes sabendo que o seu custo é maior que a produção projectada. “Quem investe um metical pretende ganhar outro metical a mais e, no pior cenário, espera recuperar o valor investido”, o que nem sempre acontece na agricultura familiar. “Quem compra insumos e fertilizantes com o seu próprio dinheiro (sem subsídio nenhum) tem a expectativa de obter retorno”.
Um saco de 50kg de fertilizante no país custa entre 1.500 e 2.000 meticais e são necessários quatro sacos de igual quantidade para um hectare de arroz irrigado. No sector familiar ou de subsistência, “o agricultor vende excedente e não produz com um plano de negócio” porque não tem capacidade para o efeito, disse Zandamela. Um produtor de hortícolas, por exemplo, não consegue desembolsar 40 meticais para comprar 1kg de fertilizante, porque o seu rendimento não compensa os custos.
Os camponeses não usam fertilizantes sem incentivos
Thomas acrescentou que os fertilizantes são também caros porque as infra-estruturas de transportes são precárias e precisam de ser melhorados. As estradas, em algumas épocas do ano, são intransitáveis, o que encarece ainda mais este produto e faz com que não cheguem aos agricultores. Deve-se ainda “eliminar as barreiras administrativas à sua importação e “incentivar o investimento privado no armazenamento”.
Em Moçambique, o negocio de fertilizantes é baixo, comparativamente a nações como Gana, Kenya e Etiópia. Assim, os camponeses nunca vão usar fertilizantes enquanto o Governo não adoptar uma política de facilidade de acesso, sobretudo porque eles se encontram longe dos centros de distribuição, disse o pesquisador, acrescentando que é preciso divulgar a informação sobre os benefícios da utilização deste produto na agricultura.