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Africa precisa de uma liderança mais audaz

A moçambicana Graça Machel, membro do Painel para o Progresso de África (Africa Progress Panel), considera que o continente não tem motivos para estar agastado por estar a pagar o preço dos seus erros cometidos no passado e das más decisões tomadas por terceiros. Graça defende que também não faz sentido o continente limitar-se a lamentar a sua sorte, pois o que Africa precisa é uma liderança mais audaciosa.

“É muito fácil quando nos confrontamos com uma crise de desenvolvimento, que actualmente ameaça Africa, exigir que o resto do mundo venha ao nosso encontro para nos salvar”, escreve Graça Machel, na edição de hoje do jornal britânico “The Independent”.

Aliás, – acrescentou – não são os povos africanos os principais responsáveis pela crise financeira que está a devastar as nossas economias, ou das mudanças climáticas que estão na origem das cheias e ciclones que fustigam o nosso continente.

O último relatório do Painel para o Progresso de África, uma instituição criada em 2007 com a missão de monitorar os progressos registados no continente e que tem como presidente Kofi Annan (ex- Secretario-Geral da ONU), detalha o impacto destes dois desastres em Africa. Porem, sem tentar ilibar os culpados por esta situação, a maior responsabilidade de reduzir o impacto destes fenómenos em Africa cabe aos próprios líderes do continente.

Segundo Graça Machel, isso não quer dizer que o resto do mundo pode continuar indiferente ao sofrimento de Africa. Para Graça Machel, sem uma liderança audaz, dedicada e sustentada dos governos africanos, a assistência internacional não vai salvaguardar o continente ou proteger as conquistas alcançadas ao longo dos últimos anos. O empresariado em Africa também deve tomar um papel activo na melhoria do desempenho do continente em prol do seu próprio povo. “Não e’ preciso olhar para além do meu próprio país, Moçambique, para vermos o que está em jogo.

Durante os últimos 15 anos Moçambique foi uma das maiores histórias de sucesso em Africa. De facto, o seu percurso de democracia, estabilidade e forte crescimento deu-me muitas alegrias e esperança a todo o nosso continente”, escreve Graça Machel. Contudo, a crise financeira global, o colapso do comércio e redução do investimento estrangeiro tiveram o condão de reduzir drasticamente os índices de crescimento económico em Africa. Esta situação resultou numa queda acentuada no volume de remessas de dinheiro enviadas pelos africanos que trabalham no estrangeiro, como consequência da perda dos seus respectivos empregos.

Apesar de o governo ainda estar em condições de continuar a financiar os serviços de saúde e da educação, o impacto no seio familiar em Africa foi imediato. Isso ocorre devido a falta de pagamento de indemnizações no caso da perda de emprego, bem como redes de segurança ou poupanças para amortecer o choque. Assim, as pessoas deixam de estar em condições de sustentar as suas famílias de um dia para o outro, o que resulta na fome, doenças e desespero.

No meio de tudo isto, são precisamente os mais jovens que estão em risco. Desde 2000 que Moçambique se debate com o impacto crescente das mudanças climáticas, que se traduz na ocorrência de cheias, secas ou ciclones numa escala sem precedentes, forçando centenas de milhares de pessoas a abandonar as suas residências. Felizmente, explica Graça Machel, Moçambique já criou políticas e estruturas efectivas para a gestão de desastres, razão pela qual a perda de vidas e’ limitada.

Contudo, os recursos escassos são gastos todos os anos para a reparação de escolas e hospitais, ao invés de construir novas unidades. Olhando para a Africa do Sul, onde se encontra radicada, Graça Machel, diz que este país também está a sofrer o impacto da crise financeira global, mas que a situação poderia ser mais grave se não fossem os preparativos do Mundial de Futebol do próximo ano que ajudaram de certa forma a estabilizar a sua economia.

Ao longo de todo o continente, também e’ possível observar os mesmos sinais de declínio económico e condições climáticas extremas que ameaçam o progresso. E’ uma tragedia que ocorre precisamente numa fase em que vários milhões de africanos acreditavam ter encontrado o caminho para a recuperação das suas economias. Africa, escreve Graça Machel, em parceria com a comunidade internacional, deve reagir a estes desafios e decidir se pretende continuar a avançar ou retroceder.

Para Graça Machel, os líderes africanos já deram provas daquilo que e’ possível alcançar, mas, para isso, precisam de redobrar os seus esforços e trabalhar juntos para consolidar os pilares para a garantir a prosperidade de Africa. Também não seria de esperar menos, pois Africa possui terras muito ricas, peca apenas por continuar a usar técnicas já ultrapassadas, explica Graça Machel.

Alias, segundo ele, essa é a razão pela qual Africa é a única região do mundo que ainda não conseguiu atingir a autosuficiência alimentar. “Se nós aprendermos do sucesso dos outros e adaptar técnicas e culturas para as nossas condições e necessidades particulares, teremos a oportunidade de não apenas alimentar 900 milhões de africanos, mas também de ajudar a resolver o problema de escassez de alimentos noutros continentes”, escreve Graça Machel.

Em Moçambique, por exemplo, o Governo já adoptou políticas correctas para uma expansão massiva na produção de cereais, sobretudo o arroz. Agora, existe a necessidade de trabalharmos com os agricultores locais, entre pequenos e grandes e com os parceiros internacionais, para colher os benefícios da “Revolução Verde Africana”.

Também – referiu – precisamos de incrementar os esforços para explorar o imenso potencial de Africa para produzir energia verde e investir para modernizar as infra-estruturas do continente para estimular o comércio dentro e fora do continente. Mas usar o dinheiro de uma forma sensata também significa um esforço muito mais rigoroso para erradicar a corrupção, cujos custos estão calculados em cerca de 150 biliões de dólares em Africa. Por isso, os líderes africanos precisam de mostrar um maior compromisso para enfrentar este cancro.

“Uma governação boa e limpa não e’ uma opção extra, mas essencial para aproveitar o potencial de Africa. Não são as leis que estão em falta. E’ a determinação de investigar e conduzir a justiça os culpados de desviar os recursos do continente para os seus próprios bolsos”, escreve Graça Machel. Por isso, diz ela, o passo mais importante e’ salvaguardar e reforçar a independência do judiciário.

Muitas vezes a acusação falha porque os tribunais acabam sendo pressionados a proteger os corruptos e poderosos. Graça Machel, ex-Primeira Dama de Moçambique e actual esposa de Nelson Mandela, ex-Presidente da Africa do Sul, também defende a necessidade de estimular o papel da sociedade civil. “Assistimos ao crescimento de organizações e de redes não governamentais que representam os interesses dos cidadãos. Mas estas vozes, que são os “fiscais” da corrupção e campeões da mudança, ainda estão muito fragilizadas e fragmentadas.

Os governos africanos devem ter a confiança de encorajar o surgimento de uma sociedade civil vibrante e seu engajamento com os parceiros locais, nacionais e regionais”, defende Graça, ela que é presidente da organização não governamental Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC). Simultaneamente, Africa deve procurar ter uma única voz forte na comunidade internacional. “Não podemos permitir que os interesses do nosso continente sejam marginalizados. Africa precisa de negociar melhores acordos para poder se beneficiar dos vastos recursos existentes no continente”.

Segundo ela, esta e’ a melhor forma de persuadir os países mais ricos a compensar a queda calamitosa da renda que Africa enfrenta. Os donativos a curto prazo, empréstimos e fácil acesso ao crédito também são contribuintes importantes para o crescimento de Africa. “Se todos os nossos líderes se levantarem para enfrentar o desafio, o resultado será uma Africa mais forte e um mundo melhor”, concluiu Graça Machel, no seu artigo publicado na edição de hoje do jornal britânico “The Independent”.

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