Porque é que, tantos anos após as suas mortes, Carlos Cardoso e Siba-Siba Macuácua continuam a ser recordados e evocados com tanta admiração, estima, respeito e mesmo carinho pela maioria da população moçambicana? É que eles eram homens íntegros, impolutos, verdadeiros patriotas. Porque amavam a sua pátria e recusaram o caminho fácil e seguro da aliança com os corruptos.
Digo corruptos e não corrupção que é um termo demasiado vago: porque a corrupção tem um rosto, quase sempre camuflado, mas cuja máscara aqueles dois patriotas procuravam desvendar nos casos em que se envolviam. Como jornalista, Carlos Cardoso aderiu nos primeiros tempos da independência aos ideais defendidos e praticados pela Frelimo. Identificava-se com eles e empenhou-se activamente na sua materialização.
Mas a sua “militância” rompeu-se quando constatou, a dada altura, que o novo poder estava a desviar-se do projecto inicial de servir os mais desfavorecidos e não uma elite dirigente. Ele poderia acomodar- se, mas a sua integridade e sentido de justiça não lhe permitiram pactuar com os desmandos a que assistia. O caminho que escolheu foi distanciarse do poder e criar instrumentos que lhe permitissem analisar esse poder, apontar-lhe os erros, na perspectiva de corrigilo e melhorá-lo. Era esse o seu objectivo, por ele várias vezes reiterado: corrigir, não destruir.
Não criticar por criticar, mas investigar e apontar caminhos. Guiava-o o sentido patriótico: ele sabia que no passado todas as civilizações se desmoronaram quando nelas se instalou o vírus da corrupção. Por isso denunciou o “desaparecimento” dos 14 milhões de dólares do Banco Central de Moçambique, a expropriação de terras aos camponeses por chefes gananciosos, o crime organizado, o branqueamento de dinheiro, a violação de direitos humanos e tantas outras situações irregulares e injustas.
Eu declarei, há já alguns anos, que a qualidade do trabalho jornalístico de Carlos Cardoso abriu caminho para que a informação ganhasse nova força, influência e prestígio. Hoje, muitas vezes a única maneira que o cidadão tem de se fazer ouvir e conseguir que uma injustiça seja corrigida e o seu direito seja reposto, é através dos órgãos de informação. Pensamos, por vezes, que a população não acompanhava o seu trabalho.
Mas a verdade é que acompanhava e tinha por ele uma grande estima. A prova é que no seu funeral estiveram presentes, prestando-lhe homenagem, milhares de moçambicanos de todas as cores e estratos sociais porque sentiam que tinham perdido um defensor dos seus direitos. Ele tornara- se a voz dos que não tinham onde falar.