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A vida que o coco me deu

A vida que o coco me deu


A história dos jovens Tomás, 22 anos, Eusébio, 30 e de dona Renalda mostra que é possível viver condignamente a partir de negócios que aos olhos de todos parecem gerar lucros banais.

Eram 12 horas quando saímos da redacção rumo ao bairro do Jardim. A caminhada, ainda na Avenida Eduardo Mondlane, corria lenta devido ao tráfego intenso gerado por razões e motivações diversas, das quais se destacam o intervalo para o almoço, no caso dos trabalhadores, e para os alunos o regresso ou a ida à escola. Depois de uma hora e meia de arranca-pára-pára-arranca chegámos ao nosso destino: o bairro do Jardim.
Debaixo de um sol abrasador encontrámos Tomás Manuel, de 23 anos, nascido nas saudosas terras de Dambo, localidade da província de Inhambane. Tomás conta que à entrada dos 15 anos desembarcou na capital, na altura, a convite do irmão que ainda hoje partilha o mesmo tecto no interior do bairro onde o entrevistámos. “Vim a Maputo para vender lanho”, refere o jovem que não estudou mais do que queria “porque o meu pai partiu cedo deste mundo”. Acrescenta: “A minhã mãe não tinha recursos para que eu prosseguisse com os estudos”. Hoje, apesar de respirar melhor financeiramente, não manifesta vontade de voltar à escola para concluir a sua terceira classe interrompida há uma década e meia. 
Tomás adquire o lanho num estaleiro a escassos metros do local onde o revende. Ainda assim, os lucros são excelentes. Independentemente do tamanho de cada lanho, o preço pelo qual compra é 3.50 meticais e revende-o por 10 meticais. Um lucro acima dos 100 porcento tendo em conta que não há custos adicionais de transporte.

Aliás, para o nosso interlocutor aquele negócio garante a subsistência e o futuro de qualquer pessoa que o abraça “este negócio é satisfatório mas necessita de elevada paciência, Eu, por exemplo, chego todos os dias às 7 horas e só largo às 18 ou 19 horas”. Contudo, o rendimento oscila consoante a época do ano. “No Verão chego a vender 140 lanhos por dia”, que é o mesmo que afirmar que factura 1400 meticais brutos, mas, depois de subtraído o valor da aquisição do produto, Tomás lucra 910 meticais por dia.

No entanto, por estas alturas do ano em que o Inverno espreita sobranceiro o volume de negócio tende a baixar, contudo, consegue vender, na pior das expectativas, 70 cocos que equivalem a 700 meticais brutos. Deduzidos os 245 de compra, sobram 455 meticais correspondentes ao ganho da jornada.

Ao longo destes nove anos de batalha pela vida, vendendo lanho, Tomás fez muitos clientes, entre nacionais e estrangeiros, sobretudo os sul-africanos, que semanalmente procuram o litoral do nosso país: “Aqui muitos já me conhecem, tenho amigos ‘boers’ que às vezes levam o lanho e, por falta de trocos, pagam quando regressam de Bilene ou Inhambane”.

Para além das despesas diárias e o do sustento familiar, Tomás economiza todos os meses seis mil meticais que se destinam à construção de casa própria, aqui na cidade de Maputo. Aliás, com o dinheiro da venda de lanho já construiu uma casa na sua terra natal, onde vive a sua jovem esposa. O seu sonho é um dia “comprar um camião” e tornar-se num grande transportador de lanho e coco.
Ao longo do ano viaja três vezes a Inhambane, sendo, muitas vezes, na boleia dos seus clientes-amigos, a fim de visitar a sua família e rever amigos de infância.

Boda de prata a vender cocos

Carinhosamente tratada pelos clientes por dona Renalda, de seu nome completo Renalda Azarias Nhassavele, de 43 anos de idade, é natural de Panda, interior da província de Inhambane, duma família de nove irmãos, sendo quatro artistas, dos quais se destaca Filipe Nhassavele. E como que a realçar a veia artística familiar, Renalda é maestrina na Igreja Metodista Unida do bairro Patrice Lumumba.

Vende coco há 25 anos, isto é, desde 1984 e, como diz, “fora vender coco não sei fazer mais nada”. Domina o mercado mais do que qualquer outra pessoa e diz-se apaixonada pelo coco. Aliás, nos últimos anos e após a morte do seu marido é o coco que leva o pão à boca dos seus cinco filhos.
Começou com o negócio no bairro Patrice Lumumba mas, devido à oscilação do preço naquele local, transferiu-se para o bairro do Aeroporto B, onde desenvolve a sua actividade.

O percurso do coco

Renalda Azarias adquire o coco em Homuíne, província de Inhambane, para onde se desloca sempre em busca daquele produto. Chega mesmo a permanecer no local cerca de duas semanas, num processo cíclico de compra, embalagem e escoamento até a estrada nacional número 1 para depois seguir para a capital do país.

Na província de Inhambane o coco pode ser adquirido de duas formas: embalado e concentrado custa 1.60 meticais e a outra, mais lenta, consiste em adquiri-lo das famílias, por lotes, cujo preço varia entre 1 e 1.20 metical. “O processo é demorado mas é viável”, garante Renalda.
No entanto, “quando há carência de coco em Maputo compro o mais caro, ganho pouco mas fico menos tempo”.

Com a primeira etapa ultrapassada, não está tudo consumado, pois segue-se a fase de transporte do produto do interior até à estrada nacional, o que é feito em carrinhas de uma tonelada e meia, com apenas capacidade para carregar até 1500 cocos, contra o pagamento de 250 a 350 meticais, dependendo da zona de proveniência.

Da EN1 o coco é transportado até Maputo em camiões devidamente preparados para esse efeito mediante o pagamento de 50 centavos por unidade.

A variação do mercado da capital

Chegados ao mercado de Maputo, o lanho é comercializado a grosso assim como a retalho, mas sempre contado à unidade, com preços que variam de 2 a 3.5 meticais.

Para ilustrar o desenvolvimento deste negócio baseámo-nos na última compra da dona Renalda.
Ela adquiriu 4000 cocos nas barracas de Homuíne ao preço de 1.60 a unidade o que totaliza 6400 meticais aos quais se acrescentam 500, de quatro carradas de escoamento até a EN1 e, por fim, 2000 de transporte até o Maputo, perfazendo 9400 meticais. Ajunta-se ainda a este o valor 350 da passagem de ida e aproximadamente 500 de alimentação e para pagar aos carregadores, vulgo Magay gay.

Feitas as contas, tudo orça em 10.250 meticais.  E neste momento de carência, a dona Renalda consegue vender o produto em 3 dias ao preço de 3.50, conseguindo arrecadar 14.500 meticais ao que se subtraem 10.000 meticais investidos na aquisição do produto. O lucro fica em 4500 meticais, num espaço de cinco dias.

Ainda assim, a nossa entrevistada garantiu à nossa reportagem que com a venda de coco conseguiu construir e mobilar a sua casa, e, embora não tenha com quem partilhar as despesas domésticas (alimentação, água, luz e escola) consegue poupar ao final do mês cerca de 2000 meticais.

O coco na rota do Rand

Patrício Eusébio Dambo, 30 anos, solteiro, natural de Dambo-Inhambane, dedica-se à comercialização do coco, negócio que começou a fazer com cinco carroças movidas com recurso à força humana, vulgo ‘Tchova xita duma’ e igual número de trabalhadores que, de forma ambulatória, revendiam o lanho e o coco nas artérias da cidade de Maputo. Hoje, os números são outros, as carroças ascenderam a 70 e os trabalhadores também. Perguntámos como chegou em tão pouco tempo a ter tantos meios. “Pedi um empréstimo de 5 mil meticais num banco para iniciar o negócio, depois foi definir os objectivos e lutar por eles”.

Patrício viaja quatro vezes por mês à África do Sul, seu mercado preferencial. “Há dois anos comecei a transportar o meu produto em camiões que se deslocam à terra do rand para carregar tomate, batata e cebola”. Paga 4200 meticais para levar 5000 cocos e regressa com 25 mil randes no bolso, ou seja, 75 mil meticais.

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