Há qualquer coisa que não bate certo com o processo eleitoral. Não sei se a responsabilidade é do STAE ou da CNE. Mas é praticamente impossível, para o pessoal da imprensa, trabalhar nos municípios fora da capital do país, sobretudo naqueles onde a informação nunca colocou os pés.
Em Chókwè – o que não é o caso de ausência de informação – não me deixaram trabalhar porque devia apresentar uma credencial do STAE para interpelar cidadãos e os brigadistas. O Tobias, o responsável em Chókwè pelo recenseamento disse-me, na cara, que ninguém me daria informação alguma sem um documento do STAE ou da CNE. “Alguém já te veio fotografar na tua casa sem te pedir autorização”, disse-me o Tobias sentado no conforto da sua certeza inabalável.
A minha explicação sobre o espaço público e privado não fez o meu interlocutor abrir um milímetro no escudo das suas convicções. “Eu fui formado e a lei diz que o senhor tem de ter uma autorização para trabalhar nas brigadas”.
Falei-lhe da lei de imprensa, mas o homem mandou-me dar uma curva. Insatisfeito dirigi-me ao STAE local onde pedi para falar com o responsável. Para o meu espanto levaram-me a uma sala onde fui recebido pelo Tobias. Nessa altura já tinha pedido ao Victor Bulande, chefe de redacção, para enviar-me a lei eleitoral. Falei também com o Adérito Caldeira que me disse que não precisava de nenhum documento para o efeito. A única coisa que podia apresentar aos homens era a credencial que atestava o órgão que eu sirvo. Mas isso foi pouco em Chókwè.
Voltando, portanto, ao encontro com o Tobias as coisas ficaram mais nítidas para mim. Há um problema de comunicação entre o STAE central e as bases. O que dizem que ao Tobias, na qualidade de líder de um processo de recenseamento em Chókwè, é exactamente o que ele faz. O Tobias não se desvia nem um milímetro do que os que dão ordens dizem que deve ser feito. Eu confirmei isso quando o homem ligou para um superior e este disse-lhe que eu não podia trabalhar sem credencial passada pelo STAE ou CNE. No entanto, os meus colegas em Maputo informaram-me que não e que o STAE ou CNE ou ambos dizem que não preciso de nada.
Em Chibuto não foi possível trabalhar pelo mesmo motivo, sem contar que os homens da PRM exibem armas e músculos. Ou apresenta a credencial ou será detido. Não é difícil deixar-se convencer pela retórica de um indivíduo que usa uma arma como último argumento. Ainda assim e porque a tecnologia permite ludibriar consegui fazer imagens e alguns vídeos.
No entanto, com a relutância encontrada em Chókwè e Chibuto deu para começar a ter uma ideia do quão nefasta a desinformação pode ser para um processo que se pretende justo, livre e transparente.
Em Manjakaze, um município sem nenhuma estrada asfaltada a situação não poderia ser pior. Aliás, foi neste município onde cimentei, se me permitem, a certeza de que ou a formação foi incompetentemente conduzida ou o STAE e a CNE pretendem obstruir o trabalho da imprensa. Depois de fotografar um posto de recenseamento em Manjakaze fui passar umas seis horas de tempo no comando local.
Dois agentes vieram ter comigo e pediram-me os documentos que me autorizavam a trabalhar no processo. Mostrei o meu crachá de serviço. “Vamos ao comando”. No comando deixaram-me uma hora numa espécie de sala espera. Os meus telefones estavam na posse dos agentes e o IPAD na pensão. Portanto, estava sem meios para reportar o sucedido, mas também não tinha interesse de tornar a situação pública e alarmar os que me querem bem.
Uma hora depois devolveram-me os bens e iniciaram o interrogatório. “Ouvimos que o senhor fotografou o processo de recenseamento sem autorização.” Disse-lhes que mostrei o meu cartão de serviço aos brigadistas e expliquei que pretendia falar com as pessoas que se iam recensear e registar imagens do processo. Portanto, o que diziam não constituía de forma alguma a verdade. “Mas o senhor tem alguma autorização do STAE ou da CNE?” Não me vou alongar, mas informei-lhes que não era necessária. Saíram provavelmente para concertar e deixaram-me mais meia hora sozinho.
Sozinho não, deixaram-me com os meus telefones e aproveitei para ver as actualizações do facebook e do Twitter. Em nenhum momento manifestei medo ou preocupação pelo que estava a acontecer. Enquanto esperava pelo regresso dos agentes senti pena do cidadão que há no polícia.
O homem que veste a farda é vítima de uma situação causada por outros. Ele carrega a culpa que devia ser imputada ao STAE e a CNE e, em última análise, ao país que somos (cidadãos e instituições). Essas duas instituições não podem dizer uma coisa aos polícias e outra totalmente diferente à opinião pública.
A imagem que fica é de uma polícia que estorva o trabalho da imprensa, mas uma leitura mais profunda a natureza desse impedimento mostra que a polícia, tal como Tobias em Chókwè, é mal informada e formada. Ela, a polícia, é vítima desse processo de estupidificação e formatação do homem que há na farda. Apesar de tudo foi interessante perder um dia de trabalho no cemitério de homens que é uma esquadra de polícia.