Sabes, quando me sento na mesa de vidro para limpar a alma e chegar ao mundo com as minhas palavras, penso muitas vezes em ti. Estás nos discos que oiço, no ar que respiro e vejo-te à janela, a fumar um cigarro e a namorar a Lua.
O Jorge Palma canta-nos coisas lindas que falam de ti e de nós e eu sorrio na minha solidão povoada porque sei que nunca mais me vou sentir sozinha, mesmo que estejas do outro lado do mundo à procura dos teus sonhos e distraído com outras raparigas que não fazem a mínima ideia de quem é o Jorge Palma, nem de que cor pode ser o céu em Portugal quando imita as barras das casas do Alentejo. Andas por aqui, às vezes vejo-te a abraçar-me com cuidado enquanto escrevo, ou a aconchegar-me o lençol até ao pescoço, momento exacto que antecede a paz do sono perfeito.
Depois sais sem fazer barulho e metes-te outra vez no avião e eu fico a ver-te voar, e no dia seguinte acordo como se o mundo começasse outra vez. É bom ter-te na minha vida silencioso e secreto, qual Jeremias Fora-da-Lei, guardado nas palavras dos poetas, como quem vive na cartola de um ilusionista, como quem escolheu o seu lugar do lado de fora. E eu sou a rapariga do trapézio que te vê acima do mundo, enquanto a vida me leva e traz as coisas boas e más, num movimento suave e perpétuo do qual nunca quero descansar…
Ou então, quando as luzes se apagam e as palmas descansam no silêncio merecido, estás ali ao lado e, sem fazer barulho, tapas-me a boca e mostras-me outra vez os movimentos do trapézio em terra e é então que me crescem umas asas e dou muitas voltas no ar, como se fosse uma bola, de repente saio do meu corpo e as nossas almas dão as mãos e transformam-se num ente à parte, que nos faz ser só por breves instantes, e é a isso que os deuses chamam eternidade.
Pois é, pois é, há quem ande escondido a vida inteira, mas adoro o teu andar inseguro e o sorriso no teu olhar, porque tu despertaste em mim um ser mais leve e mesmo que tenhas as duas almas em guerra e não saibas quem vai ganhar, eu sou a tua estrela-do-mar e eu sou essa miúda que te faz acreditar que o Sol é um presente que a aurora traz principalmente para ti. Na terra dos sonhos podes ser quem tu és, agarras-te à hora em que o tempo não passou e juntos inscrevemos no espaço um novo alfabeto.
Já passaram mil anos sobre o nosso encontro, mas o tempo não sabe nada, o tempo não tem razão, porque não há passos divergentes para quem se quer encontrar e enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar. E mesmo que me tenhas ensinado a partir nalguma noite triste, eu ensinei-te a chegar e pus-te a salvo para além da loucura e ensinei-te a não esquecer que o meu amor existe.