Querido Diogo:
Leva contigo o sol de Portugal, um bocado de areia branca e fina, o sabor a sal dos mergulhos de fim da tarde no Guincho e uma fatia de horizonte que roubaste ao paredão do Estoril. Não te esqueças dos livros que te fizeram crescer e dos outros, os que te podem mostrar um bocadinho mais de mim. Leva roupa confortável, a tua colecção de écharpes desalinhadas, luvas e barretes, um ou dois casacos pesados para enfrentar o frio.
Não deixes para trás todas as músicas que te acompanharam nos momentos de dúvida e de solidão; elas nunca te falharam e estarão sempre lá para te dizer o que precisas de ouvir. Leva o sabor do Queijo da Serra e do vinho tinto, o pigmento azul do Alentejo e as escadinhas do Duque e de Alfama. O cheiro das sardinhas assadas, uma dose de cadelinhas, uma imperial acabada de tirar e abraço, muitos abraços de todos aqueles que te amam e querem que sejas feliz.
Se ainda couber na mala, leva um bocadinho de mim. Um bocadinho da minha pele, do meu corpo, do meu riso e do meu coração. Quando chegares ao teu destino espalha os meus medos pelo Tamisa e leva a minha memória ao London Eye e à Modern Tate e atravessa de mão dada comigo a Millennium Bridge e o Hyde Park. Não trabalhes demais, dorme o suficiente, alimentate de fruta, saladas e saudades, escreve-me sempre que tiveres vontade e descobre o teu canto na cidade.
Ao fim de semana leva-me às compras em Camdem e aos antiquários de rua em Portobello. Nunca te esqueças onde é a tua casa, nunca deixes de olhar para o mapa onde a pequena, triste, tacanha e envergonhada tira de Portugal se desenha, longe do mundo e de costas viradas para a vida.
Leva as nossas conversas, as nossas gargalhadas, o meu olhar a pedir protecção, os jantares tranquilos, os serões de conversa e os filmes que não vimos, as noites passadas em claro, as vezes em que dançámos, as fotografias do fim de ano para te alimentar os sonhos e a vontade e ajudar a esquecer as dúvidas e o medo.
Eu fico por aqui, a passear no paredão como quem segue os teus passos, a saborear a memória da tua pele em bandas sonoras eternas, a rir-me para o céu que te leva mas não te rouba de mim e a pensar que um dia destes estou aí, de mão dada contigo, a atravessar todas as pontes da cidade, de coração aberto e sem medo do futuro. Vai devagar, com cuidado, marca o caminho com pedras para não te perderes, marca o teu coração com a esperança do futuro e o meu com uma semente de amor.
Este é o primeiro dia do resto da tua vida e se eu fizer mesmo parte dela, vou contigo na mala e no coração, onde me sinto protegida, bela e serena, onde ninguém me pode fazer mal, onde o riso e o entendimento reinam acima de todas as distâncias. Assim queira o destino, ou Deus, ou quem quer que comande o mundo e vigie a vontade dos homens. Assim queiras tu eu, viajantes solitários de travessias internas que descobrimos nos dias antes da partida que podíamos estar a caminho de um ponto de chegada. Assim queiram os ventos e as circunstâncias, a sorte e a fé.
Boa viagem meu amor.