Se ao menos o dia tivesse mais duas horas, só mais duas chegavam para poder respirar. Davam para dormir e para namorar contigo, minha princesa tranquila, que me recebes todas as noites com um meio sorriso e as sobrancelhas levemente arqueadas a disfarçar a ironia que atravessa a tua e a minha vida.
Só mais duas horas, cento e vinte minutos para te abraçar, encostarme no sofá e descansar com o teu corpo encostado ao meu, os teus cabelos a fazerem-me cócegas na ponta do nariz e o teu perfume quase doce, que nunca encontrei em nenhuma outra mulher, a envolver- me como um novelo de prazer. Tínhamos tempo para ir ao cinema e para conversar, até podíamos fazer aqueles programas típicos de casais à procura do candeeiro certo para a mesa da entrada, embora tu prefiras antiguidades, alfarrabistas e expedições à Fnac. Eu tinha tempo para ti e assim já não me sentia tão mal por teres sempre todos os minutos para mim, por quase nunca refilares dos meus atrasos, das minhas ausências e do meu cansaço quando chego e não consigo desligar a cabeça do trabalho.
O mundo deve estar cheio de homens como eu que acordam sempre com uma sensação de equívoco, como se o mais pequeno engano lhes trouxesse grandes dissabores, que sonham alto com as reuniões, que contam os minutos no trânsito, que fazem mais de vinte chamadas antes de chegar ao escritório. Não sei porque escolhi o caminho mais difícil, mas está-me no sangue lutar, lutar sempre, nunca baixar os braços, não comer nem dormir se for preciso, nunca desistir, nunca dar parte fraca, nunca entregar o ouro ao bandido. Podia ter sido um soldado de Esparta, podia ter sido um cruzado bretão ou um cavaleiro da Távola Redonda. Teria sempre combatido para lá das minhas forças, atrás dos meus ideais, porque os meus ideais são altos, e como todos os príncipes, eu quero ter um bom cavalo, viver num belo castelo e dar-te todos os presentes que tu mereces.
Tu olhas para mim com as sobrancelhas arqueadas, ouves-me com toda a atenção e depois abraças-me e dizes que não é preciso, que te estás nas tintas para o cavalo e para o castelo, que de pouco te serve o castelo se estiveres sempre sozinha, mas eu sei que tu sabes que eu tenho razão, e que se não for assim, nunca serei feliz, nunca conseguirei descansar, nunca poderei olhar para o mundo com orgulho, agarrar um bocado de terra e dizer, é minha, fui eu que a conquistei. O mundo é dos que vencem, dos que arriscam, dos que vão à frente, dos que sonham o impossível. O mundo é dos visionários, dos temerários, dos obstinados e dos resistentes. E eu quero ter o meu papel no mundo, quero dar uma volta à minha vida, quero ter o que sempre sonhei. É de fibra que são feitos os homens, não só de músculos nem de miolos.
É preciso ter vontade, coragem, força, esperança, espírito de sacrifício. E ainda mais, quando, ao final do dia, tantas vezes já pela noite adentro, tenho à minha espera uma princesa como tu, que nunca refila, embora se entristeça e que nunca se zanga porque sabe que tenho razão. Em vez disso, sabe como ninguém abrir-me os braços, sentar-me à mesa e deitar-me na cama para depois me envolver em novelos de prazer, novelos imensos como nuvens que o tempo alimenta em vez de desfazer. Vês? Afinal o tempo não corre só contra mim, também navega a nosso favor.