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A ntyiso wa wansati – Duda, meu amor

Tenho três meses, olhos verdes, pêlo castanho e um rabo comprido. A minha dona é muito alta e brinca comigo três vezes por dia: de manhã, quando vem à cozinha tomar o mata-bicho, à tarde, quando chega do trabalho e à noite, a seguir ao jantar, no tapete da sala. Às vezes também brinca comigo no jardim com uma bola amarela que salta muito depressa e divertimo-nos imenso.

O meu outro dono é mais pequeno, por isso eu acho que deve ser quase da minha idade, talvez um pouco mais velho. Brincamos à apanhada e às escondidas e eu encontro-o sempre porque ele ainda cheira a bebé. A minha dona tem um cheiro fresco e doce, cheiro de mãe. Sou completamente doido por ela e faço tudo o que me pede só para lhe agradar.

Chamam-me Duda, não sei porquê, mas cada vez que dizem o meu nome riem-se muito e como não há mais nenhum cão na nossa casa, deve ser uma piada qualquer entre eles tão difícil de apanhar como as moscas que voam pelo jardim mesmo à altura do meu focinho só para me chatear. A minha dona ri-se de mim porque corro que nem um doido atrás das parvas das moscas o dia todo e faz-me festas sempre que lhe apresento uma habilidade.

Sei dar a pata, sentar-me, deitar-me, já aprendi o que quer dizer a palavra não e que não posso subir as escadas. Ontem aprendi o rebolar, que é muito divertido. Tenho de me deitar de patas para o ar e rebolar de um lado para o outro com cara de maluco, assim como se estivesse a ter um ataque de qualquer coisa, boa ou má, tanto faz. Foi muito fácil aprender porque eu já me rebolava sozinho, mas a minha dona fi cou tão impressionada que me comprou uma caixa de biscoitos em forma de osso e cada vez que eu rebolava, dava-me um.

A minha dona tem um amigo muito simpático que gosta de brincar comigo e que me foi ver ao hospital quando estive doente. Comi uma lagarta dos pinheiros, daquelas verdes e ainda mais parvas do que as moscas a pensar que era um goma e ia batendo a bota, que é como quem diz, ia batendo a pata. Estive cinco dias a soro numa jaula com umas meninas vestidas de branco a tratarem de mim. A minha dona foi-me visitar todos os dias, mas mal me lembro porque estive mesmo a passar-me para o paraíso dos cães, foi horrível.

Sonhava com cachorros com asas num céu muito azul, porque os cachorros vão todos para o céu, não deve haver um inferno para cachorros, pois não? Seja como for, o amigo da minha dona que é muito simpático também me foi ver ao hospital e vem muitas vezes cá a casa brincar comigo. Deve ter tido um cão quando era miúdo porque tem muito jeito para brincar e isto de cães não é para qualquer humano.

Há muita gente que nem percebe porque é que existimos, acham que somos um empecilho inútil na vida deles. Não sei se sou empecilho ou não, mas sei que desde que vim cá para casa a minha dona anda menos tristonha e queixa-se menos da vida quando fala ao telefone com as amigas. O meu dono também vê menos televisão e parece mais feliz. No fundo, os humanos são parecidos connosco; precisam de amor e de afecto como nós e precisam de alguém que olhe por eles. E nós olhamos.

Às vezes penso que deve ser uma chatice ter duas patas em vez de quatro e não poder passar o dia a dormitar na manta e a correr atrás das moscas. Ainda bem que nasci cão porque vivo feliz, à espera daqueles momentos em que eles brincam comigo, me fazem mimos e me convenço de que sou importante na vida de alguém.

Eu sei que eles têm pouco tempo para mim, mas não faz mal. Há sempre bolas para roer e moscas para apanhar e quando for grande vou comê-las todas e aprender mais umas habilidades só para ver a minha dona a rir. Pode ser que o amigo dela se mude cá para casa e eu deixe de ser filho de pais separados.

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