Quando voltares da Índia, vamos construir uma casa no campo, plantar alfazemas e viver o resto da vida à sombra do nosso amor. Estou farta da cidade e das buzinas, cada vez que saio de manhã para ir para o escritório, só me apetece fechar os olhos e tapar os ouvidos. Claro que não posso fazer nada disso, porque vou a guiar, mas já sonhei com um motorista mudo ou uma aldeia de casas de madeira e estradas de terra, onde só circulam bicicletas.
A cidade está cansada e as pessoas estão cansadas da cidade. Andam sempre zangadas dentro dos carros, fazem ultrapassagens pela esquerda, não respeitam as passadeiras, insultam-se e agridem-se, como se um lugar para estacionar fosse um caso de vida ou de morte. Na cidade tudo é um caso de vida ou de morte, as reuniões encavalitadas umas a seguir às outras, voltas e voltas aos quarteirões para encontrar a rua, o número, o andar, e depois lá em cima, as recepcionistas de trombas, sempre de trombas, a fazerem o favor de te atender, quando são pagas para isso, e tu tens vontade de lhes dizer: • Se ao menos fosse simpática, talvez lhe aumentassem o ordenado.
Mas não dizes nada, não vale a pena, porque toda a gente é antipática, toda a gente está sempre de trombas, a velha gorda que partilha a descida de elevador, o homem careca que se cruza no patamar à saída, o polícia que te manda seguir em frente sem te explicar porque é que aquela rua está cortada. Toda a gente está cortada ao meio, dentro dos carros, dentro das salas de reuniões, dentro dos elevadores, dentro da sua tristeza e da sua antipatia.
Paro o carro junto ao rio e dou um longo passeio a pé. Só os barcos me fazem companhia, mas esses não têm trombas, têm cascos e o movimento sincopado das ondas do rio embala-me tranquilamente. Apetece-me ser um barco ou um peixe, fugir da cidade, mergulhar num mar de oliveiras e plantar alfazemas, apetece-me descansar, mas já não sei como se faz. Já não sei como se dorme uma noite inteira seguida, como é que se consegue passar um dia sem falar ao telefone, sem enviar e responder a mais de 30 e-mails, almoçar sentada, não olhar para o relógio nem passar as mãos pela cara para despistar o cansaço.
E à noite, quando a distância da cozinha para a sala e da sala para o quarto é um travessia mais longa que a muralha da China nos dois sentidos, vejote em sonhos e, ainda acordada, imagino que vais voltar depressa, que é já amanhã que a tua missão acaba e que depois de cuidares de tantas crianças que precisam de ti, voltarás para cuidar de mim, que vivo sozinha desde os 18 anos e nunca houve homem que me agarrasse, mas contigo é diferente, porque contigo todas as alfazemas crescem, todas as sombras são boas e nenhuma cidade, por mais bela que seja, me enche tanto a vida como os teus braços que se vão abrir e fechar comigo dentro para sempre quando desceres do avião.