Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

A ntyiso wa wansati – A Maior Aventura

É ao fim da tarde quando te vou buscar que o dia recomeça numa nova e particular existência abençoada pelo teu sorriso iluminado a azul quando atravessas o recreio e vens directo a mim como uma seta ensinada pelo coração. Às vezes demoro-me a distinguir-te no meio das outras crianças, mas o teu corpo alto e a tua cabeça redonda como uma bola perfeita destacam-se por entre os bibes azuis e logo te encontro, os joelhos esfolados e as mãos encardidas, a cara ofegante e esse sorriso que só se tem aos 5 anos, ou muito de vez em quando, quando o amor transforma a paixão numa doce existência.

Sempre te vi na minha imaginação ou no meu coração – e não serão uma e a mesma coisa? – doce e bonito, metade anjo metade príncipe, com o olhar celestial dos meninos bem comportados. Se calhar foi por isso que quando os enjoos matinais me decifraram o futuro, percebi logo que ias ser um rapaz e desatei a comprar jardineiras e ténis azuis, adivinhando sem saber o teu sexo e cor dos olhos que me guia para casa, todos os dias ao fim da tarde pela estrada fora.

Juntos cantamos músicas da Disney, tu gostas do Rei Leão e eu da Bela e o Monstro, ambos concordamos que a Mulan foi uma menina muito corajosa e que a Esmeralda até era boa rapariga e eu explico-te a metáfora do Corcunda de Notre Dame para que aprendas a ver a beleza em todas as pessoas. Há dias em que quase não falamos, eu vou a pensar na vida e tu no Game Boy que te espera em casa, outras vezes explico-te porque é que vim mais cedo ou mais tarde e tu percebes tudo porque és meu filho e gostas de mim.

Gosto de encostar a minha boca de mãe à tua testa lisinha e mole, gosto de ouvir a tua voz de menino a dizer-me a Mãe sabe que eu gosto muito da Mãe? Ao mesmo tempo que semicerras os olhos e mais uma vez o teu sorriso ilumina o mundo. Sabes, meu filho, é que antes de tu nasceres eu era só mais uma pessoa avulsa, tinha muitas ideias mas pouca força, alguns sonhos e muitos disparates na cabeça, sensatez e ponderação eram palavras complicadas e opacas cujo significado não me apetecia ir ver ao dicionário.

Depois tu chegaste, um bocadinho de gente num choro mimado e foi assim que começou a maior aventura da minha vida. Às vezes o cansaço toma-me os braços e a cabeça, ralho contigo e zango-me se trocas os talheres à mesa ou dizes asneiras, mas é à noite quando te adormeço na penumbra do teu quarto forrado a sonhos e ursos simpáticos, que me alimento do teu ar quando mergulhas no sono tranquilo e seguro.

Fecho os olhos para te ver melhor, qualquer dia tens 18 anos e uma colecção de namoradas giras e simpáticas com quem vais comer gelados e trocar discos, mas quando fores pai, ou crescido, ou te formares, ou aceitares o teu primeiro emprego, vou-me sempre lembrar do bocadinho de gente que eras, do choro mimado antes de te pôr ao peito, dos joelhos esfolados e da tua voz aos 5 anos a dizer a Mãe sabe que eu gosto muito da Mãe?

É que a memória é o nosso melhor património e é por causa de ti que o meu coração é como o universo, está sempre a crescer e nem eu nem ninguém sabe onde vai parar.

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

error: Content is protected !!