A situação da agricultura em Moçambique “a curto prazo é grave, se projectares para daqui a 50 – 100 anos a situação é muito mais complicada”, quem o afirma é João Mosca, director do Observatório do Meio Rural, que recorda que apesar dos planos, que existem desde a independência, em 1975, para reduzir a dependência de importação de comida, alcançar a auto-suficiência alimentar e exportar a produção agrícola “o facto é que até aqui todos esses planos não se concretizaram na plenitude”. O economista insiste em que “sem resolver o problema dos camponeses nem o problema do emprego é resolvido, nem o problema da pobreza é resolvido” e que a solução é o Estado “ter uma intervenção muito forte”.
Questionámos ao professor catedrático se agora, com o compromisso do Presidente Filipe Nyusi em prestar atenção privilegiada à agricultura e com o plano Quinquenal do seu Governo, a fome e a pobreza vão acabar em Moçambique.
A resposta é não, e explica. “Na agricultura não há resultados rápidos, nem na agricultura nem em nenhum sector, porque isso obedece a mudanças de sistemas produtivos, mudanças culturais, questões de terra, questões de educação e formação das pessoas (…) na agricultura não há investimentos que resultem imediatamente.”
João Mosca, que trabalha no sector agrícola desde 1976, acredita que existirão avanços, tal como houve nos últimos anos, nas culturas do tabaco, algodão, soja e milho, mas refere que noutras culturas houve retrocesso e, a produtividade por hectare, mantém-se praticamente igual.
De acordo com Mosca, o aumento da produção que tem sido registado, e merece rasgados destaques dos governantes para corroborarem as suas opções políticas, é porque existem mais pessoas a cultivar do que nos anos passados, afinal a população não pára de crescer.
Os motivos do insucesso são mais do que conhecidos, “falta investigação, falta mercado, falta intervenção do Estado para que a agricultura se torne mais competitiva, não só em relação aos produtos importados como também em relação à alocação de recursos entre os sectores da economia.”
O director do Observatório do Meio Rural é defensor de um Estado mais interventivo na agricultura em Moçambique, tal como acontece em muitos outros países do mundo. Porém, mesmo que quisesse intervir, o Estado moçambicano dificilmente o poderia fazer porque não tem dinheiro, “mesmo que tenha boas intenções e boas estratégias é um Estado com grande incapacidade de execução, de realização devido aos recursos limitados que possui.”
O professor universitário, que acredita que a solução da agricultura em Moçambique está nos pequenos agricultores familiares, tal como acontece em vários países que alcançaram a independência alimentar, aponta algumas intervenções que o Estado poderia fazer e, que teriam grande influência no sector familiar.
“Intervenção em garantir que o preço ao produtor não diminui em termos reais, o que se verifica é que em muitos produtos agrícolas o preço para o produtor tem diminuído contando a inflação e tem subido de uma forma mais lenta do que os preços de outros produtos (necessários ao camponês). Por exemplo, os preços dos equipamentos, das motobombas, de outros factores de produção como sementes e adubos.”
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Perguntámos se algumas das acções preconizadas pelo novo Governo não representavam o tipo de intervenção necessária.
“Nos últimos dez anos houve uma redução do crédito aos camponeses, houve uma redução no uso de fertilizantes, no uso de sementes, significa que apenas uma pequena percentagem, 4 a 5%, dos camponeses têm acesso a esse tipo de insumos. Portanto, o Estado, ao intervir dessa maneira pode beneficiar alguns produtores, algumas culturas, mas acaba por não ter o impacto a nível de mudar o cenário que nós temos hoje. O que o Estado deveria fazer era criar condições para que o crédito à agricultura seja competitivo em relação a outros, que haja uma política de sistema bancário com suporte governamental através de garantias para que esse crédito possa existir, um sistema que assegure uma certa estabilização de preços no mercado de produtos agrícolas através de fundos próprios que podem ser criados para isso.”
Uma vez que o Plano Quinquenal não esclarece como o Governo irá “criar facilidades de financiamento aos produtores agrários”, afinal os bancos não estão em todo o Moçambique (estatística de bancarização), João Mosca afirma que o Estado poderia suprir a falta de interesse dos bancos comerciais em disponibilizar créditos para a agricultura “através de garantias contra os não pagamentos das dívidas, através de fundos próprios ou através de linhas de crédito específicas com taxas de juros mais baixas. Já existe isso em vários sítios mas continua a ser muito alto (10%, 12%, 15%), e quando vais ao microcrédito ainda encontras taxas de juro mais altas. É nesse tipo de coisas que o Estado deveria concentrar a sua capacidade.”
Outra acção que o Governo se propõe a realizar, mas que não está claro como irá fazer acontecer, é a afectação de mais extensionistas para assistirem aos camponeses. O economista constata que “o número de extensionistas é sensivelmente igual ao número que existia há 30 anos atrás, significa que hoje um extensionista tem uma capacidade de intervenção junto a um número de famílias inferior porque entretanto houve um aumento de famílias.”
Se por outro lado é verdade que os extensionistas hoje são mais bem formados e têm mais recursos para se locomoverem de uma machamba para outra, “o que é certo é que o número de camponeses que recebe visitas e assistências da extensão rural é muito limitado, é limitadíssimo. Não tem um impacto significativo no conjunto da produção agrícola.”
De acordo com João Mosca, o Governo tem também tido intervenções contraditórias, “por exemplo uma política procura incentivar a produção de arroz no país mas por outro lado o Governo deixa entrar no mercado o arroz importado, o que acaba por combater essa iniciativa da produção nacional. A política de incentivo ao arroz acaba por ser anulada pela taxa zero na importação de alimentos.”
“Por outro lado, tens uma taxa de câmbio que facilita a importação de alimentos, portanto automaticamente estás a concorrer com a produção interna e, por outro lado, dificultas a exportação. Esta política cambial pode anular completamente outras políticas que podem ser feitas no sentido de incentivarem”, acrescenta Mosca que nota que as políticas do Governo muitas vezes contradizem-se a si próprias e dá mais um exemplo de intervenções do Estado que tem boas intenções, mas acabam por anular completamente o objectivo inicial.
“Construíram-se silos mas depois são postos para a gestão privada que tem outros tipos de objectivos que não o da segurança alimentar. O privado que tem a gestão dos silos procura maximizar aquilo que é o objectivo dele que é o lucro, e muitas vezes o lucro não é compatível com certos objectivos do Estado, com a segurança alimentar, por exemplo, com a estabilização de preços. Enquanto o privado compra para o silo o milho ao preço mais barato possível e depois procura vender no local onde os preços estão mais altos independentemente se há fome, ou se há pobreza. Enquanto se fosse gerido pelo Estado aquelas reservas alimentares poderiam servir para pôr no mercado produtos para evitar uma descida grande dos preços ao produtor de forma a estabilizar os preços a longo prazo e de forma que as variações dos preços ao longo do ano, porque as culturas são colhidas sazonalmente, não tenham flutuações de preços tão altas. Da forma que está os silos acabam por não ter nenhum efeito na segurança alimentar ou na estabilização de preços. Os agricultores poderiam decidir vender no momento mais oportuno e não vender só quando colhem e o preço está baixo (…) o que se está a passar neste momento é exactamente o contrário, o produtor tem que vender ao comerciante que tem silos e este depois vende em função do seu lucro individual.”
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Falta também capacidade de fiscalizar as boas iniciativas que têm sido adoptadas e cita como exemplo o subsídio de fertilizantes que é dado aos produtores de arroz do Chókwè “o que eles fazem é que pegam naquele fertilizante e vão aplicar no tomate. Porque o tomate lhes dá muito mais lucro e ninguém tem a capacidade de fiscalização disso, e ninguém tem mecanismos para actuar sobre esse tipo de desvios.”
Tem havido um aumento significativo no Orçamento do Estado para a agricultura, na tentativa de cumprir o compromisso assumido em 2013 de alocar 10% do seu orçamento anual para o sector de agricultura; porém, grande parte desse dinheiro é aplicado em sectores que não têm efeito directo sobre a produção.
“Então estás a aumentar o Orçamento do Estado para a agricultura, mas por sua vez internamente o Ministério da Agricultura utiliza esse recurso não para usar nas áreas que tem efeitos fortes sobre a produção mas em outras actividades por exemplo mais trabalhadores, despesas administrativas, construção de novos edifícios, jeeps, etc., o chamado reforço da capacidade institucional. Isto significa que esse reforço orçamental que o Estado faz, um certo sacrifício em alocar à agricultura, o Ministério utiliza-o em áreas que não têm efeitos sobre a produção”, constata o professor.