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Quem é o chefe? Medvedev ou Putin

Quem é o chefe? Medvedev ou Putin

O ex – Presidente continua a ser tratado por “chefe”, a ser recebido com honras de Estado e a ver a sua fotografia pendurada nos gabinetes dos altos funcionários públicos.

 

 A anedota caracteriza bem a situação em Moscovo. Vladimir Putin oferece um Mercedes descapotável a Dmitri Medvedev, Presidente da Rússia. Este salta de felicidade, inspecciona o bólide, acaricia a carroçaria e, de repente, fica paralisado: “Mas onde está o volante?”, interroga- se ele. “Em boas mãos”, responde-lhe Putin. Uma brincadeira? Não totalmente, porque o volante tem-no Putin firmemente entre as mãos desde o início da crise entre a Rússia e a Geórgia.

No princípio do Verão, a equipa russa de hóquei, que se tornou campeão do mundo, é recebida por Medvedev. Sorrisos, felicitações, e o capitão da equipa oferece ao Presidente uma camisola rabiscada com os autógrafos de todos os jogadores. Duas semanas mais tarde, Putin recebe a mesma formação e leva do avançado-centro um presente melhor: taco com o qual marcou o ponto vitorioso na final contra o Canadá. “Eilo em mãos seguras”, insinua o jogador.

O estranho poder bicéfalo saído do escrutínio presidencial de Março não pára de lançar a confusão. Putin, de 55 anos, ocupa-se a servir de guia ao seu antigo subalterno, de 42 anos, atirado para a cabeça do Kremlin. “Consegue imaginar o De Gaulle nomeado primeiroministro após ter abandonado o poder”?, admira-se Evguenia Albats, do semanário russo The New Times.

De facto, cinco meses após a tomada de funções do jovem Medvedev, o boss continua a ser “VVP” (Vladimir Vladimirovitch Putin). “Mesmo no Kremilin, continuam a chamálo “chefe””, confidencia um frequentador habitual do palácio presidencial. Quanto ao milhão e meio de altos funcionários, estes ainda não retiraram o retrato de Putin do seu gabinete. O próprio chefe ainda não pendurou o recém-eleito.

Após oito anos de uma presidência omnipotente, o antigo tenente – coronel da KGB goza de uma popularidade intacta e continua a ser o único comandante a bordo. É verdade que Medvedev teve o seu primeiro banho internacional de multidão durante a reunião do G8, no Japão, mas foi Putin que assistiu à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, em Pequim, ao lado de Bush, de Sarkozy e do Presidente chinês.

E não há qualquer hesitação por parte dos dirigentes estrangeiros. Quando estes se deslocam a Moscovo, jamais deixam de ir cumprimentar o “líder nacional”. No dia 29 de Maio, a França reservou mesmo a Putin uma recepção digna de um chefe de Estado. Os camareiros do hotel Bristol dirigiam-se-lhe com um “senhor Presidente” e, durante os encontros oficiais, Nicolas Sarkozy omitiu o nome de Medvedev. “Putin sentiu-se quase incomodado e recordounos que era também necessário fazer referência ao Presidente da Federação Russa”, conta um diplomata.

Pura acção de charme, pois o antigo Presidente “ainda puxa todos os cordelinhos”, assegura Alexei Venediktov, director da rádio Echo de Moscovo, coisa que Putin não tinha forçosamente previsto, pois, dois anos antes, sentia-se com outro estado de espírito. Estava cansado e previa retirar-se para a sua datcha. O seu delfim? Foi secretamente escolhido por si. Tratava- se de Dmitri Medvedev. Um antigo professor de Direito, com quem se cruzou durante a presidência da Câmara de são Peterburgo, em 1991.

“Vou-me embora e contentarme- ei em vos dar alguns conselhos”, anunciava então o Presidente à sua entourage. Pânico entre os mais íntimos, ou seja, cerca de uma dúzia de homens de negócios e antigos KGB. Todos procedentes de São Peterburgo, como ele, e todos assombrados por três ameaças: o fim da estabilidade política, a perda das fortunas rapidamente amealhadas e desencadear de perseguições judiciais ligadas à chegada de uma nova equipa governativa. “Isto só se vai aguentar três meses, tu tens de ficar!”, suplicava-lhe um deles. No Verão passado, o Presidente deixou-se convencer.

“Putin aceitou ser primeiroministro para proteger os seus amigos, o sistema e para assegurar a sua segurança pessoal”, sublinha Igor Bounine, director do Centro de Tecnologias Políticas.

Um negócio bem montado? Na realidade, não. Em cinco meses, o clima tornou-se tenso entre duas cabeças do executivo. “Ainda não há um conflito, mas a temperatura está a subir”, avisa Alexei Venediktov.

A verdade é que os dois estilos se opõem. De manhã, após as suas braçadas na piscina Medvedev tamborila os dedos sobre o seu iPhone, navega na Internet, consulta os sítios de informação russa e os do Financial Times. Gosta também de escrever o nome no Google. “Fico a saber muitas coisas sobre mim mesmo!, revela. Nada em comum com Putin, que nunca liga o computador dos eu gabinete, que se orgulha de nunca ter enviado um email e de ter conseguido manter as suas duas filhas afastadas da informática.

Mas o antoganismo não nasce disso, nasce do exercício do poder, pois Medvedev tem dificuldade em encontrar seu ritmo. “Ele é um pouco lento e as suas mensagens não são claras”, reconhece Gleb Pavloski, um politólogo próximo do Kremlin.

Medvedev, por seu lado, dá-se com a ominipresença dos homens de Putin. Entre os seus 15 conselheiros, 11 provêm da guarda próxima do seu mentor. Falta o ar a Medvedev e Putin não lhe facilita a tarefa vigia também invejosamente o seu tempo de antena. Basta que Medvedev se mostre um pouco mais…e Putin reaparece.

“Putin não quer transformar o Presidente numa personagem secundária”, sublinha Pavloski, “pois a seguir já não poderia voltar atrás…” caso quisesse reconquistar o Kremlin. “Ele empenha-se em modelá-lo à sua imagem”, opina Mikhail Kassianov, antigo primeiroministro de Putin, hoje na oposição. Uma tarefa difícil, pois Medvedev tem uma desvantagem: falta-lhe carisma.

Com os seus fatos azuis, com chumaços nos ombros, o seu ar de menino da professora e a sua dicção rebuscada, o Presidente Medvedev não inflama as multidões. “É um vulgar burocrata”, prossegue Kassianov.

Nestas condições, é difícil avançar com ideias. E quais são as ideias de Medvedev? A pergunta desconcerta Alexei Pavlov, um dos seus porta-vozes. “Hum… Essa questão não se coloca, o essencial é trabalhar.” Medvedev tinha o plano anti-corrupção, lançado com grande alarido. Tiro falhado! O assunto já havia sido posto em andamento por Putin.

O “pacto de segurança” europeia proposto ao ocidente? Um projecto preparado pela equipa precedente, preocupada em contrabalançar a força da NATO. E a destituição dos chefe das Forças Armadas? Sem hipótese! Putin, de qualquer forma, já decidira livrar-se dele. Resta a agenda económica. Mas, também aí, o antigo senhor do Kremlin criou um plano estratégico até 2020.

“Todas as decisões importantes são tomadas com Putin, mesmo que seja o Presidente a anunciá-las, não há qualquer dúvida sobre isso”, afirma Lioudmila Fomitcheva, directora da agência Interfax.

De repente, instala-se uma dúvida: conseguirá Medvedev tomar o poder? “Ele não gosta do conflito, mas pode chegar a isso”, é a opinião de Nikolai Svanidze. Em todo o caso, é essa a esperança do Ocidente, desejoso de discutir com um jovem político, sem passado soviético, adepto das novas tecnologias, do rock inglês e reputado liberal.

“O ocidente está enganado”, adverte Oleg Koutafine, presidente da Academia de Direito de Moscovo. “Ele pode ser mais duro do que Putin. A linha política não mudará.”

E exemplos não faltam. Liberdade de imprensa? Medvedev aproveita todas as oportunidades para louvar o profissionalismo da televisão russa. O fim da intervenção do Estado nas empresas? Um logro. Todos os dignitários do regime foram reconduzidos à cabeça dos conselhos de administração dos grandes grupos. As eleições manipuladas no Zimbabwe? Opõe-se ao voto de sanções na ONU. Resumindo: é um segundo Putin.

O caso Khordorkovski foi um teste para o recém-eleito. Resta- lhe outro teste, simbólico e susceptível de revelar que Medvedev deixou de desempenhar papéis secundários: dar luz verde à libertação antecipada do antigo multimilionário preso na Sibéria desde 2003. Na altura, Medvedev opôs-se à prisão do ex-derigente da sociedade petrolífera loukos, perante um Putin inflexível e desejoso de eliminar um potencial adversário político. Por isso, “libertar Khordorkovski? Isso seria entrar em conflito directo com Putin e assinar o seu suicídio político”, afirma Bounine.

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