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A explosão da prostituição

A explosão da prostituição

O negócio de sexo cresce a uma velocidade estonteante na cidade de Nampula, assumindo o rosto da normalidade. A miséria, o desemprego e a necessidade de ganhar dinheiro para sobreviver arrastam centenas de mulheres para essa “indústria” que prospera na capital do norte. Do outro lado da barricada, os proprietários dos quartos, conhecidos por “escondidinhos”, facturam milhares de meticais nesse promissor mercado da prostituição.

Durante muitos anos, quase todos os moçambicanos olharam para as “muthianas horeras” como exemplo mais bem acabado de conservação da moral. Afinal, a imagem de uma mulher usando capulana e o rosto pintado com “mussiro” sempre invadiram o imaginário popular.

Muita gente ainda se lembra dos hábitos, costumes, sotaque e o “poder” de encantar os homens das mulheres dos norte. Pois bem: se há quem ainda tem essa visão em mente o melhor é arquivá-la. Agora, a situação mudou, ou seja, inverteu-se. Nampula já não é a mesma.

O crescimento sócio-económico da cidade, impulsionado sobretudo por comerciantes de origem estrangeira, transformou as jovens mulheres em “objectos” de prazer. No período da noite, particularmente nos fins-de-semana, as roupas curtas e a maquilhagem substituíram a tradicional capulana e o “mussiro”, e os passeios das principais artérias da urbe tornaram-se postos de trabalhos.

Quase todas as esquinas, bares, discotecas, esplanadas e barracas espalhadas um pouco por toda a cidade são agora locais de “venda” de sexo. É, em suma, a tragédia moçambicana em torno das grandes cidades cujo alarme já começa a soar em alto e bom som a norte de Moçambique.

História de quem se prostitui para sobreviver

O nome é Maria*. Tem 18 anos de idade e vive com a família algures no bairro de Napipine, arredores da cidade de Nampula. O súbito falecimento do seu pai, deixou-lhe – com mais três irmãos e a sua filha de dois anos de idade – com dois problemas: comer e pagar a renda de casa. Transcorria o ano 2004. Maria nasceu e cresceu no subúrbio. Teve uma infância tranquila e uma adolescência conturbada: aos 14 anos, perdeu a mãe e aos 16 engravidou.

A personagem descrita acima abraçou o mundo da prostituição aos 20 anos de idade. Presentemente, está prestes a completar 25 anos – o que acontecerá em Dezembro próximo. O pai, um mecânico bate-chapa, era a única pessoa que garantia o sustento da família.

Quando ele faleceu, Maria contava com 18 anos de idade já era órfã de mãe e frequentava a 8a classe. Sem dinheiro para obter comida e pagar o arrendamento da casa, ela, os seus três irmãos mais novos e a sua filha mudaram-se para a casa da sua avó na zona da Sub-estação.

Começou por vender bolinhos fritos no mercado da Faina para ajudar nas despesas da casa, e era frequentemente molestada por outros vendedores, principalmente estrangeiros, e alguns camionistas. Mais tarde, passou a apoiar a sua avó no negócio de bebida caseira, denominada por “Kabanga”, onde também era vítima de assédio sexual.

Inúmeros elogios ao seu lindo rosto de menina e as curvas do seu corpo esbelto, e promessas de uma vida tranquila embriagavam-na. Por dia, recebia pelo menos cinco propostas indecentes da clientela da sua avó.

Aos 20 anos, com uma filha e irmãos por assistir e à mercê do negócio não lucrativo da sua avó, Maria não resistiu às propostas, tendo obtido mil meticais no primeiro dia em que foi para cama por dinheiro. Desde então, nunca mais parou. Hoje factura entre mil a 1500 nos passeios da longa Avenida Eduardo Mondlane.

Não trabalha todos os dias, apenas as quintas, sextas e sábados e, às vezes, quando é solicitada pelos seus habituais clientes. Cobra no mínimo 300 meticais por uma sessão de uma hora. Bonita, esperta e com apenas 10a classe interrompida, a jovem diz revoltada: “As pessoas criticam por estarmos nesta vida, mas esquecem que elas se recusaram a dar o seu apoio. Ninguém pode-me julgar pelas escolhas que fiz, pois só eu sei as razões que me levaram a fazer isso”.

O negócio ao cair do dia

Como Maria, existem dezenas de mulheres que sobrevivem da mesma actividade no coração económico da capital do norte, onde o negócio pulsa mais forte. Algumas têm o nível médio completo, mas a maioria tem baixa escolaridade e tem sob a sua responsabilidade pelo menos três pessoas. E a justificação imediata para a escolha é: falta de oportunidade de emprego e a necessidade de garantir o sustento diário da família.

No cruzamento entre a Avenida Eduardo Mondlane e a Rua 3 de Fevereiro, numa zona conhecida por Bagdad – devendo o epíteto a um bar localizado nas proximidades –, num abrandar de uma viatura, meia dúzia de raparigas lança-se, qual enxame, e escruta os potenciais clientes.

Naquele ponto, a tabela de preço é definida por elas. Nenhuma aceita por menos de 200 meticais. Uma noite inteira chega a custar 1500Mt. “Este é o valor que definimos como o mínimo neste local. Quem aceitar abaixo disso, nós expulsamos deste ponto”, explica a jovem que se identificou por Jéssica.

Elas indicam os locais onde se pode arrendar temporariamente o quarto, mas não se fazem de rogadas quando o cliente define onde quer passar a noite. Apesar do ambiente de disputa entre elas, neste ponto, à semelhança de outros espalhados pela cidade, reina o espírito de solidariedade entre as colegas.

Assim que uma delas entra numa viatura, as demais registam a marca e a placa de inscrição do veículo. Mas a maior inquietação não é cair na mãos de malfeitores, pelo contrário, é a extorsão que sofrem por parte dos agentes da polícia que por ali circulam.

De estatura baixa e dona de um corpo possante, usando um vestido curto e justo, realçando os seus atributos físicos que não deixam ninguém indiferente e o rosto maquilhado ao pormenor, a prostituta Ana*, de 28 anos de idade, recusa-se a falar da sua vida e do seu trabalho, porém, depois de alguma insistência, comenta que detesta sair com homens bêbedos, a não ser que paguem antes. “Eles têm mania de dizer que não gostaram e por isso não vão pagar. Por isso, é mais seguro sair com alguém lúcido”, afi rma.

Até Julho do ano passado, Ana era uma mulher casada. Ela vivia com o seu marido a mais de 150 quilómetros da cidade de Nampula, no distrito de Angoche. Há dois anos, mudou-se para a capital do norte em decorrência da transferência do seu esposo.

Mas a infidelidade valeu-lhe a expulsão do lar com os seus dois filhos, um dos quais fruto de um relacionamento passado. Sem lugar para morar e muito menos dinheiro, recebeu abrigo de um grupo de mulheres “especializadas” em prostituição. “Todas elas dedicam-se a esta vida e não tive outra escolha se quisesse continuar a viver ali”, explica.

Há um ano no mundo da prostituição, Ana não pensa em mudar de actividade, até porque se tornou na sua boia de salvação. Não admite que ganhou o gosto pelo dinheiro fácil:

“Não faço por prazer, mas por necessidade de sustentar os meus filhos. Está a mentir quem diz que gosta desta vida. Não sei porque dizes ‘dinheiro fácil’. Você acha fácil despir a roupa e meter-se com homens diferentes todos os dias sem nenhum sentimento?”, questiona.

Quando se faz à rua, amealha por dia pelo menos mil meticais. O valor mais alto que ganhou numa só noite foi três mil há quatro meses. “Há indivíduos que, quando nos pagam cerveja, não querem pagar pelo sexo como se alguém tivesse pedido a bebida”, conta.

Poucos minutos depois das 4hoo da manhã de sábado, Joana* encontra-se à entrada de uma das mais badaladas discotecas de Nampula. Esbelta, num transparente vestido cinzento que realça o seu corpo de cintura para baixo, a noite do dia 12 de Novembro não foi de sorte para a jovem. Investiu 300 meticais – preço de entrada da boate – e não teve o retorno esperado. Mais nem sempre foi assim. Nos dias bons, amealha em média 1500 meticais num só dia.

Joana mora com uma sobrinha num pequeno cómodo de duas divisões, no bairro de Namutequeliua, onde muitas vezes leva os seus clientes. Arrenda o espaço a 700 meticais mensais. “Estou a juntar dinheiro para adquirir a minha própria casa e levar o meu filho para morar comigo”, diz.

“Escondidinhos” cresce à semelhança de cogumelos

À reboque do crescente mercado da prostituição, o negócio de arrendamento temporário de quartos, vulgarmente conhecidos por “escondidinhos”, prospera na capital do norte. Em cada bairro, sobretudo periféricos, da cidade de Nampula há pelo menos dois prostíbulos e vão emergindo outros um pouco por toda a cidade. Os espaços não só se tornaram apenas num meros sítios para a prática de prostituição mas também de adultério.

Os locais são cada vez mais procurados para o gáudio dos proprietários que investe na construção de mais cómodos para responder à demanda. Diga-se, por outro lado, os espaços são postos de trabalho de dezenas de milhares de moçambicanos. Paralelamente ao negócio de quartos, desenvolve-se o negócio de bebidas alcoólicas.

No bairro da Muhala-Belenenses, o que parece um simples bar esconde uma actividade lucrativa que cresce à margem da formalidade. Uma dezena de quartos enumerados sobressaem aos olhos de quem lá vai parar. A tabela de preços já vem colada na entrada.

Numa espécie de bilheteira, um homem de estatura alta, ostentando uma bata azul, com uma caixa cheia de preservativo no balcão, cobra a estadia. Os preços variam de acordo com os quartos. Há os que custam 50 meticais e outros 100 durante uma hora. Para quem pretende passar uma noite inteira, terá de desembolsar pelo menos 150 meticais e desocupar o espaço antes das 9h00 do dia seguinte.

O homem que aparenta pouco mais de 35 anos de idade não é proprietário dos quartos. Trabalha há dois anos naquele local e aufere dois mil meticais por mês. “Antes trabalhava como guarda-nocturno e fi quei sem emprego durante três anos. E, graças a uma amigo, consegui este trabalho”, conta. Ele não só cobra o arrendamento temporário, como também faz trabalho de vigilante.

No interior do cubículo de cerca de 2,5 por 3 metros, uma pedra – que mais se assemelha a uma campa – com um pequeno colchão por cima serve de cama. Uma almofada encardida e uma manta empoeirada sobressaem por cima cama improvisada.

O proprietário de um bar no bairro de Mutauanha construiu dois quartos há seis meses no fundo do seu quintal. Por dia, em média, factura 800 meticais e nos finais de semana chega a amealhar 1500. Presentemente, animado pela crescente procura, está a construir mais dois cubículos para o mesmo fim e já prevê a duplicação da sua receita. “Nem todos que arrendam os quartos estão a prostituir-se, a grande parte é constituída por pessoas casadas que vem se encontrar com as suas amantes”, diz.

No bar é possível ver casais sentados a aguardarem que os quartos sejam desocupados. No seu interior, um colchão estendido no chão, uma ventoinha e cabides improvisados de madeiras sãos os únicos bens que se podem encontrar.

Diga-se, nos últimos dias, em alguns bairros periféricos de Nampula, o vaivém de pessoas e veículos de locomoção nas proximidades de bares e barracas ficou mais intenso, revelando um negócio em constante crescimento.

Os preços praticados são idênticos, variando consoante a comodidade do espaço que, muitas vezes, não passam de locais imundos onde é possível encontrar preservativos usados espalhados pelo chão.

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