A crise económica e financeira que Moçambique está a enfrentar não atinge o distrito de Muecate na província de Nampula. Os mais de cem mil habitantes desta região do Norte de Moçambique vivem, desde antes da independência nacional, em crise de quase tudo: não existem empregos dignos, não há estradas alcatroadas, a energia eléctrica não cobre todos os bairros da vila sede, as casas são de material precário e vulneráveis às intempéries, casas de banho convencionais são um luxo da administradora e nem mesmo existe água potável canalizada.
Joana Feliciano regressava de mais uma ida ao fontanário, que dista cerca de 3 quilómetros da casa de paus e capim onde vive com o esposo, quando a interpelamos numa das estradas de terra vermelha do distrito. Além do balde de 20 litros de água não potável que transportava na cabeça carregava o seu filho de um ano às costas.
“É sempre assim. Tenho de perder, pelo menos, quatro horas por dia para conseguir 40 a 60 litros de água” contou ao @Verdade a jovem de 25 anos de idade, natural de Muecate e residente no bairro de Incomati, circunvizinho da vila sede do distrito.
Era quase meio dia e Joana tinha pouca esperança de conseguir muito mais do precioso líquido. “Hoje está muito cheio e saí tarde de casa. Por isso, consegui encher apenas este balde e devo ir preparar o almoço. Os outros recipientes ficam para a tarde” disse a nossa entrevistada revelando que no seu bairro até existem duas fontes de água não potável, contudo apenas uma é que está operacional. A jovem mãe de dois filhos revelou ao @Verdade que o problema não é recente, “(…) várias vezes, apresentamos ao Governo que sistematicamente tem prometido abrir mais furos de água o que, até hoje, não aconteceu”.
Dos mais de 110 mil habitantes de Muecate apenas 0,2 por cento tem acesso a água potável canalizada, repartindo-se em partes iguais, aqueles que têm torneiras dentro das suas habitações e os que as possuem no quintal. Mais de metade da população abastece-se em poços manuais à céu aberto ou num dos 13 rios que cruzam a região cujo nome deriva da palavra “Muhicatté” que na língua macua significa “não nade”, num aviso aos incautos que pretendessem mergulhar num dos cursos de água infestados de crocodilos.
Por ironia, nesse mesmo dia, o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, tinha inaugurado um pequeno sistema de abastecimento de água, que não foi construído pelo seu Executivo mas pela Organização Não Governamental Visão Mundial, que vai abastecer cerca de 12 mil pessoas.
Joana é uma das milhares de mulheres que todos os dias têm que despender pelo menos seis horas do seu dia para obterem água, de qualidade muitas vezes duvidosa, e que é usada para o consumo e higiene da família. “Este problema é muito sério e havendo possibilidades tinha de ser resolvido. Os nossos filhos, às vezes, faltam às aulas, por conta da falta de agua”, apelou a jovem.
“A falta de água é uma ameaça para as crianças e para as nossas vidas conjugais, além de ser um grande perigo para a saúde humana” contou-nos Aida Monteiro, outra residente de Muecate, uma das muitas mulheres analfabetas, que nos explicou que a crise de água potável “gera muitos dissabores no seio desta minha comunidade”.
Além do risco de contrair doenças diarreicas causadas pela falta de acesso a este Direito Humano básico, segundo Aida, “há mulheres que são violadas na busca da água ou acabam por ser violentadas pelos esposos quando demoram a regressar do poço, por vezes problemas como estes terminam em separação do casal” concluiu.
Mas a crise em Muecate não termina na falta do precioso líquido. Mais de 70 por cento dos residentes não têm uma latrina de nenhum tipo nas casas precárias que habitam e apenas pouco mais de 20 por cento tem latrinas artesanais.
Empregos dignos só existem nas instituições do Estado representadas no distrito, os restantes habitantes trabalham na agricultura e outros no pequeno comércio.
Depois da visita presidencial, que serviu também para terraplanar a estrada de terra que dá acesso à Muecate, o distrito passou a ter acesso aos serviços bancários que começaram a funcionar no posto de correios implantado no local há vários anos mas que caíra no abandono.