Todos os anos assolada por cheias e inundações os residentes do Distrito do Búzi estão a ser levados à falência pelas medidas de prevenção da pandemia respiratória que até hoje infectou pouca mais de meia centena de residentes, nenhum deles hospitalizado. “A covid-19 parou o meu negócio estou na falência”, relata Filipe Majubuge, chefe de família, camponês e comerciante. Para Ermelinda, estudante da 12ª classe, que viu o Ciclone Idai levar a sua escola e os seus livros o sonho de ser médica é cada vez mais uma miragem devido ao novo coronavírus, “estudar sem professores e através de ficha é complicado porque as nossas dúvidas não eram esclarecidas”.
É um dos distritos costeiros da Província de Sofala e, pela localização geográfica, ciclicamente atingido por ciclones e inundações durante a época chuvosa anual mas em 2019 o drama foi inédito. Foi a tentar refazer a vida após o forte Ciclone Idai, sem nenhum apoio governamental, que Filipe Majubuge foi confrontado com a pandemia da covid-19. “Eu tinha uma banca no mercado onde vendia produtos da primeira necessidade e uma machambas de arroz e milho, perdi tudo com as águas do ciclone e cheias de 2019”.
O comerciante, um dos milhões de moçambicanos que sobrevivem do auto-emprego, lembra que durante os 17 anos que exerceu a actividade não só conseguiu sustentar a família como colocar dois filhos na universidade, “mas a covid-19 veio parar todo negócio, “neste momento estou na falência. Acho estranhas estas medidas porque nunca vi nenhum doente aqui no Búzi”.
“Hoje não estou conseguir dar de comer minha família, ajuda-me o meu irmão mais novo que vive em Maputo que envia mil meticais para comprar um saco de farinha de milho, a vida que estava complicada piorou ainda com as medidas da covid-19”, desabafa Filipe Majubuge que pede “o meu grito de socorro é por comida, estamos a passar fome, antes da pandemia havia vários projectos onde eu fazia biscate mais hoje já não existem”.
O primeiro caso positivo foi importado da África do Sul, por um dos milhões de moçambicanos que regressaram ao país nas férias da Páscoa de 2020, desde então foram notificados apenas 48 casos positivos, nenhum deles precisou de internamento, ninguém morreu.
Com uma densidade populacional de 30 habitantes por quilómetro quadrado os residentes do Distrito do Búzi vivem com algum distanciamento físico permanente e por isso não entendem a necessidade de várias das medidas de prevenção e combate a pandemia.
“Estudar através de fichas era complicado porque as nossas dúvidas não eram esclarecidas”
A jovem Ermelinda Cheiro, que frequenta a Escola Secundária do Búzi sonhando tornar-se médica, contou ao @Verdade que depois do Ciclone Idai as salas da sua escola ficaram sem tecto, “todos meus livros e cadernos perderam-se e a minha roupa também perdeu-se”.
Filha de mãe solteira, que tem como principal fonte de sustento o aluguer de quartos, tem sentido no prato que a comida chega cada vez menos desde que foi decretado o 1º Estado de Emergência em Moçambique para conter a pandemia respiratória no entanto não conhece ninguém que tenha contraído a doença.
“Até aqui fiquei em casa sem aulas, estudar através de fichas era complicado porque as nossas dúvidas não eram esclarecidas e senti que não estava a aprender tudo sem ter um professor a minha frente. Não temos televisão para ver telescola e a rádio não ajudava para as aulas”, lamentou Ermelinda Cheiro.
Maria Domingos, estudante da 10º classe, partilhou que embora o Governo tenha dito que com a suspensão das aulas presenciais “iríamos estudar com fichas de exercícios fornecidas pelas escolas mandavam-nos tirar no Mercado Central da Vila do Búzi onde além do preço incomportável não haviam condições de prevenção de covid-19”.
A jovem declarou ainda que apesar de “na minha casa temos rádio e televisão era difícil acompanhar as aulas porque naquele momento os outros assistiam novelas e outros programas. Com o passar do tempo os meus pais deixaram de ter dinheiro para fazer as cópias”.
“Madjonidjoni tem coronavírus cuidado”
O @Verdade localizou Geremias Magadue, moçambicano que trabalha na África do Sul que, nas férias de 2020, para além da bagagem trouxe também o novo coronavírus para o Distrito do Búzi . “As autoridade da Saúde assim que souberam que era regressado da África de Sul, vieram na minha casa, fizeram-me teste assim como a minha família, foi um ambiente que não gostei fui tratado como se tivesse cometido algum crime”, confidenciou-nos.
Mas Geremias Magadue admitiu que “depois de alguns dias percebi que vinham ajudar-me, foi muito difícil que eu passei, fora de convívio familiar, amigos passei também por descriminação no seio da comunidade, diziam madjonidjoni tem coronavírus cuidado não podemos estar com ele. A minha família também foi descriminada pelos vizinhos, graças a Deus tudo já passou e estamos bem”.
Por seu turno João Matongonda, cidadão de 40 anos de idade, não sabe como e onde apanhou o novo coronavírus mas lembra-se da forte tosse, febres, falta de apetite e perda sono.
“Depois do resultado positivo disseram para ficar isolado em casa durante 14 dias, foram dias difíceis, pensei que não iria resistir, pior era não pode conversar e estar com ninguém, nem com a minha esposa podia dormir, parecia que estava na prisão. Graças ao apoio psicológico dos Técnicos do Centro de Saúde ganhei forças e estou aqui”, relatou-nos Matongonda que voltou a sua actividade comercial no Posto Administrativo de Nova Sofala onde tornou-se numa referência na sensibilização dos seus clientes para usarem máscara e cumprirem todas medidas de prevenção da pandemia.