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Medicina tradicional – mais popular do que nunca

A medicina tradicional está ganhando espaço na província de Sofala, região central de Moçambique.

Segundo o responsável pelos programas de infecções transmissíveis sexualmente na Direcção Provincial de Saúde de Sofala (DPS), Filipe Machava, mais de metade dos 7.709 seropositivos em tratamento antiretroviral (ARV) na província desistiram da terapia.

No ano anterior, o índice de desistências foi de 12,6 por cento. A província de Sofala tem uma das seroprevalências mais altas do país – 26 por cento, comparada à média nacional de 16 por cento. Embora não haja dados oficiais, ele acredita que, pelo movimento registado nos centros de medicina tradicional, centenas de seropositivos substituíram a terapia antiretroviral pela tradicional na cidade da Beira e nos distritos de Dondo, Nhamatanda e Caia.

Solteira e mãe de dois filhos, Etelvina Alfredo, 39 anos, é uma delas. Ela descobriu ser seropositiva numa consulta pré-natal, em Fevereiro de 2005. Começou a tomar ARVs apenas no início de 2008, mas os abandonou depois de quatro meses, porque a medicação não surtia os efeitos desejados. Alfredo acabou por optar pela medicina tradicional, que, segundo ela, a ajudou a recuperar o seu corpo em dois meses. No início ela sentia dores de cabeça, vertigens e enjôos, mas hoje ela segue o tratamento à risca com água de cacana, uma planta usada como antibiótico.

Em busca da cura

Os próprios centros da província constatam que tem aumentado o número de pacientes seropositivos em busca de tratamento. A Associação de Ervanários de Moçambique tem sido a preferida pelos pacientes, que migram para a medicina tradicional. Dezenas de pacientes com todos os tipos de enfermidade procuram assistência diariamente na sede da associação, na cidade da Beira. O seu coordenador, Ricardo Thomo, afirma que a instituição não tem registo exacto de pacientes, mas diz que esse número está a aumentar significativamente.

Na Associação são utilizadas raízes de várias plantas medicinais, principalmente a alga marinha, batata africana e mudange, além de peles de alguns animais mamíferos e aquáticos, como o cão e o peixe zamparina. “Receitamos ao doente e no período de dez dias ele restaura as suas energias e volta a levar a sua vida normal”, explicou Thomo. Segundo ele, uma das vantagens oferecidas pela Associação é o facto de o paciente só pagar o tratamento quando começar a se sentir melhor.

O valor também depende do que o próprio paciente consegue pagar. Thomo assegurou que a Associação de Ervanários de Moçambique está a investigar as plantas, no seu centro de investigação regional, no distrito de Nhamatanda, em Sofala. “Não se trata de uma investigação técnica científica, mas espiritual, que envolve somente médicos tradicionais”, explicou Thomo. “Cada curandeiro usa suas técnicas, como adivinhação e interpretação de sonhos, para descobrir ervas que possam curar a SIDA.”

O coordenador afirmou que já foram identificados neste estudo medicamentos mais eficazes que os usados actualmente pelos membros da Associação. Tudo começou quando comecei a fazer o tratamento tradicional junto com o ARV. Não aguentei com a portção dos dois tipos de medicamentos, por isso estou nesse estado.Já no Centro Cultural de Medicina Natural da Paróquia Santa Ana de Dondo, da Arquidiocese da Beira, no distrito de Dondo, medicamentos tradicionais à base de ervas também têm chamado a atenção de pacientes.

Dezenas de pessoas aglomeravam- se em bicha numa sextafeira para receber a medicação gratuita, cuja composição a responsável Francisca Ze Singano preferiu não descrever para “não contrariar a posição da Organização Mundial da Saúde no tratamento da SIDA”. Segundo Singano, os pacientes são aconselhados a não aderir simultaneamente as duas medicinas. Eles apenas encaminham o seropositivo ao hospital quando os medicamentos dados no Centro não surtem os efeitos desejados.

Thomo apela a governos e ONGs na área de HIV e SIDA que criem espaço para as associações de médicos tradicionais na resposta à epidemia. “Alguns doentes que vêm até nós fugiram dos hospitais, porque não vêem recuperação”, observou. “É importante que os governos criem laboratórios para médicos tradicionais nos hospitais centrais.”

Dinâmica perversa

Lara Samuel, gestora adjunta de programa de HIV/SIDA na DPS em Sofala, explicou uma dinâmica perversa: o paciente sente-se melhor com os ARVs e abandona o tratamento. Quando tem recaídas, procura médicos tradicionais alegando que a medicina convencional não é eficaz. Segundo ela, fazer os dois tratamentos ao mesmo tempo diminui a eficácia dos ARVs, abrindo brechas para doenças oportunistas. Além disso, a mistura desses medicamentos pode provocar dores de cabeça, intoxicação e até a paralisia.

A DPS de Sofala já registou casos de paralisia em pacientes que misturaram os medicamentos. Foi o caso de Alfredo Shanisso, de Dondo, que descobriu ter o HIV em Setembro de 2007. “Tudo começou quando comecei a fazer o tratamento tradicional junto com o antiretroviral”, contou. “Não aguentei com a porção dos dois tipos de medicamentos, por isso estou neste estado.”

Ele está há mais de um mês com braço e pé esquerdo paralisados. Embora tivesse sido alertado pelos médicos, Shanisso ignorou os conselhos, na esperança de melhorar em menos tempo. “Ao invés de restaurar a energia que tanto queria, virei um portador de deficiência”, disse.

Para evitar este cenário, Machava disse que os activistas nas unidades de saúde procuram aconselhar os pacientes a não seguirem os dois tratamentos ao mesmo tempo, explicando as consequências negativas e os efeitos colaterais da mistura. “Até agora as mensagens estão aos poucos começando a ser bem recebidas”, disse.

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