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Bitonga Blues – Recordando feridas de Moatize

Á saída da cidade de Tete, em direcção ao norte, teremos todas as portas abertas que nos levam ao Malawi ou à Zâmbia. E antes do aeroporto de Chingodzi, passaremos pelo cruzamento de Cassacatiza (um importante pólo de desenvolvimento na província). Rolaremos por uma estrada em boas condições. Aliás, vamos sentir isso logo depois de atravessarmos a ponte que une uma cidade em franco desenvolvimento.

Do lado direito, para quem caminha do sul para lá, ergue-se o bairro Matundo, o qual se estende por uma vasta área, podendose ver muitas construções que vão desde residências a edifícios para o funcionamento de várias instituições. Nas duas margens da estrada, asfaltada e sinalizada – entre a ponte e o aeroporto – o movimento das pessoas dá sinal de vida. Os vários escritórios de grandes empresas estrangeiras montados ao longo da estrada vêm confi rmar, uma vez mais, as palavras do boer de Zandamela: é lá onde as coisas vão acontecer.

Mas eu vou a Moatize e, para chegar lá, depois de passar o aeroporto de Chingondzi, terei de atravessar o rio Revúbue. Lá em baixo a água não abunda, mas existe em quantidades sufi cientes para as pessoas lavarem a roupa e tomarem banho, com todo o perigo que isso representa. “Há crocodilos aqui”, dizia o condutor com quem vinha conversando desde que saímos da cidade, o qual servia ainda de guia para me conduzir numa cidade que não conhecia.

Entre as pessoas que se entregam ao prazer do banho no rio Revúbue, teremos muitas mulheres que deixam os seios explicitamente à mostra, banhando-se ou lavando roupa, num rio que tem crocodilos e eu pergunto-me a mim mesmo: e se aparecer por ali algum réptil faminto? Aqueles seios nunca mais veremos, nem a dona deles.

Em Moatize quase todas as antigas minas de carvão estão paralizadas. As casas que acolhiam os técnicos alemães na antiga CARBOMOC estão praticamente abandonadas e não se sabe ao certo qual o destino a dar àquelas infraestruturas, uma vez que os responsáveis pelo projecto do Vale do Rio Doce foram construir a sua própria cidade longe dali.

É nestas ruínas que encontrámos um homem, que se identifi cou como guarda. Conversámos com ele durante um tempo, até agora que nos recorda a morte de 106 mineiros moçambicanos, em 1977, soterrados na mina de Chipanga 3. Essas mortes ocorriam depois de outras, em número reduzido, também de moçambicanos. Os companheiros dos mortos ficaram furiosos, revoltaramse e mataram os técnicos alemães a catanada, incluindo o director do projecto, por pensarem que aquelas mortes eram propositadas. Eles diziam que estes alemães eram os novos colonos que vinham dizimar a população moçambicana. E os corpos dos mineiros nunca mais foram recuperados.

Moatize: um aspecto mais do que óbvio, vai-nos lembrar uma das regras do capitalismo: a distância. Entre o bairro dos técnicos e o dos operários, não só vai uma considerável distância física, como teremos ainda uma distância psicológica.

As casas dos operários são um autêntico insulto à dignidade humana. Mas como alguém nos recordava: o capitalismo vive à custa do sangue dos trabalhadores.

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