As mulheres, sobretudo as que não estão poleiro, entendem que o discurso de emancipação e inclusão é apenas um chavão político e de boas intenções. Na prática, elas continuam violentadas, subjugadas, sem espaço nos órgãos de tomada de decisão e são deliberadamente excluídas do processo de reconciliação nacional para a almejada paz efectiva, pese embora acreditem que podem desobstruir as negociações entre o Governo e a Renamo.
Um relatório intitulado “Impacto do Conflito Armado na Vida das Mulheres e Raparigas em Moçambique”, tornado público na terça-feira (12), em Maputo, diz que nas últimas décadas, a percepção de que as mulheres podem ter um contributo significativo nos processos de reconciliação nacional cresceu, o discurso de emancipação ajudou-lhes a serem mais activas e a lutarem pela sua sobrevivência, mas ainda não está ser possível “quebrar a estrutura patriarcal que governa a sociedade moçambicana”.
“De um modo geral, a sociedade moçambicana não reserva os mesmos direitos para homens e mulheres”.
O documento indica que, apesar dos discursos emancipatórios actuais, nem tudo está bem pois, a tradição e as práticas culturais também representam obstáculos desafiadores à inclusão das mulheres nos processos de paz e reconciliação ou na governança do pós-guerra”.
Houve avanços no fortalecimento do papel da mulher na esfera pública e política no país. “Porém, tais avanços ainda são incipientes já que as mesmas ainda não têm voz nos órgãos de tomada de decisão. Até hoje a mulher ainda reivindica por espaço”.
Um olhar pelo mundo permite concluir que o papel que as mulheres desempenham nos processos de reconciliação pós-conflito depende muito do papel que elas desempenham na sociedade em questão.
Mas em Moçambique, onde “as negociações de paz são realizadas entre os homens, porque são eles que ocupam postos ou cargos militares e políticos, ignora-se que as mulheres podem influenciar o comportamento das partes em conflito. Elas podem mais facilmente concentrar-se em resolver as diferenças do que em prolongá-las em posições irreconciliáveis”.
A exclusão desta classe nas negociações para a pacificação do país não é de hoje: na década de 90 e no recente acordo de cessação de hostilidades entre as autoridades governamentais e a guerrilha da Renamo, a participação das mulheres foi insignificante em todos os âmbitos (…).
Isso “demonstra uma contínua marginalização do papel da mulher na solução dos conflitos e na sistemática ignorância relativamente às vitimas do conflito”.
Na pesquisa a que nos referimos, uma das entrevistadas narrou: “Não fomos consultadas porque acham que as mulheres são incapazes. Na verdade, os homens são egoístas. No actual processo de paz só participam homens. Os homens ainda não dão valor às mulheres. Eles têm medo das mulheres”.
Ela concluiu que as mulheres são culpadas, pois não reclamam nem exigem os seus direitos. “A ausência das mulheres se deve à fraqueza da própria mulher que não sabe fazer-se ouvir nem se impor”.
Segundo o documento, uma das maneiras pelas quais as mulheres se podem engajar no activismo pela paz é no nível local das suas comunidades.
“As mulheres podem pressionar seus maridos ou filhos para buscar soluções mais pacíficas para o conflito. Muitas organizações de mulheres também promovem a educação para a paz. As mulheres, bem como organizações de mulheres, adoptam uma variedade de estratégias para reduzir o medo e a incerteza após o conflito e promover um ambiente de confiança e colaboração”, diz.
O estudo que temos vindo a citar é da autoria de Advogados Sem Fronteiras Canadá (ASFC), em parceria com Associação Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE) e o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI/ISRI).
O mesmo foi realizado nas províncias de Nampula, Zambézia, Sofala e Gaza, totalizando 16 distritos. O mesmo envolveu 245 vítimas diretas e indiretas do conflito.