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Bitonga Blues – Estou em Tete, pela primeira vez

Bitonga Blues - Estou em Tete

  Nunca tinha estado nesta cidade. Porque aterrar no aeroporto, vindo de um lugar qualquer para fazer escala, ainda por cima não sair do avião, isso não é conhecer Tete. Mas agora sim, estou em Tete de verdade. Sinto o cheiro dos crocodilos, tenho aqui, debaixo dos meus olhos, o exuberante Zambeze, agigantando-se e serpenteando pelo chão árido, com a ponte a unir uma cidade que o rio teima em dividir.

Cheguei aqui depois de pouco mais de três dias de viagem, transportado no camião-frigorífi co do escritor Daniel da Costa, e onde o que contava não era o tempo que duraria o percurso, mas a nossa entrega ao prazer de viajar sem pressa. Estamos nós os dois na cabina da viatura que carbura com perfeição, andando a uma velocidade que oscila entre os 80 e 100 quilómetros por hora.

Parámos em muitos lugares e dormimos, voluntariamente, em duas cidades: Maxixe e Chimoio. Para relaxar. E o meu amigo, prudente na condução e com grande sentido de humor, vai-me contando histórias da sua vida e da vida dos outros, do seu país, das suas leituras sobre Moçambique, África e o Mundo. Ele abandonou um emprego confortável nas Nações Unidas para vender kapenta, peixe pequenino pescado na albufeira de Cabora Bassa, bastante nutritivo, e sente-se feliz com a sua nova vida, que lhe permite sonhar com fasquia alta para ajudar o seu país a crescer.

Para se chegar a Tete – a partir de Maputo – são aproximadamente mil e quinhentos quilómetros, de uma estrada que ainda não nos permite viajar com total serenidade. Porém, há um trabalho de construção que pode ser visto sem grande exercício mental, em vários troços, como agora que estamos entre Guro e Changara, já a sentirmos o cheiro da cidade do carvão. Nesse espaço, o meu companheiro de viagem mostra-me uma montanha de pedra chamada Kalingamuzi, antigo reduto dos guerrilheiros da Renamo e que, durante a devastadora guerra que assolou o nosso país durante dezasseis anos, era uma base que os militares governamentais não conseguiram nunca destruir, até a luta acabar.

Aqui morreu-se, dizia o Daniel da Costa. Morreu-se muito. Mas antes, tínhamos passado por Inhazónia, uma localidade tristemente célebre, onde foram massacradas milhares de pessoas pelos bombardeamentos das tropas de Ian Smith, antigo primeiro-ministro da Rodésia do Sul. É isso: Lembreime desse tempo quando vi, na berma esquerda da estrada, a placa com a escrita: Inhazónia. Estou em Tete, a aproximadamente 1500 quilómetros de Maputo, atravessando todos os dias a ponte sobrecarregada e instalada para unir uma cidade que o gigantesco Zambeze teima em dividir.

Passeio pela cidade e oiço várias línguas nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, em vários lugares. Aqui fala-se shona, nyungwe, chewa, inglês e português, naturalmente. Os camiões, carregados de mercadoria diversa, dilaceram a ponte diariamente, mas não podem parar enquanto não forem cridas as condições para o reforço dos pilares, e enquanto não chegar o batelão que Paulo Zucula prometeu.

Não podem parar porque o país não pode parar também. E se aquela ponte um dia ruir completamente, haverá um caos económico que vai afectar Moçambique, Malawi, Zâmbia e a região dos Grandes Lagos, porque se pode reeditar ali a história de Caia e Chimuara. Mas eu estou em Tete, e prometo-vos muitas histórias daqui. Aquele abraço!

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