A 66ª edição do Festival de Cinema de Veneza abriu quarta-feira com um filme sentimental do cineasta italiano Giuseppe Tornatore, alvo de polêmica e elogios, sobre a história da Sicília no século XX, salpicada de fascismo e comunismo.
O Oscar italiano de 1990 por “Cinema Paradiso” regressa à sua terra natal para narrar com espírito nostálgico e tom épico quase um século de vida e ilustrar uma Itália perdida, um tanto folclórica, aquela que resistiu a duas guerras mundiais através do descobrimento da política como fio condutor. Fortemente autobiográfico, o filme “Baaria” foi recebido friamente pela crítica, que não o aplaudiu durante a projeção especial para a imprensa.
“É o filme mais impressionante que vi; aconselho a todos a não perderem a oportunidade para assisti-la”, sugeriu, por sua, vez, o premier Silvio Berlusconi, que apreciou, principalmente, todo o anticomunismo da obra, financiada por Medusa, a produtora de propriedade de sua família. “Decorativo, sem nada de substância”, afirmou por sua vez Roberto Silvestri, do jornal comunista Il Manifesto, entre os mais irritados com a interpretação de Tornatore da história do próprio país e do desejo ou a utopia de uma parte da população de mudar o mundo por uma sociedade mais justa.
Os graves conflitos na península e, em particular na Sicília, como o analfabetismo, a pobreza, duas guerras, o fascismo, o pós-guerra com suas divisões, o papel da Democracia Cristã, do comunismo e do socialismo, ao lado da máfia, foram suavizados pela recordação. Dedicado a sua natal Bagheria, o filme é um dos mais caros realizados pela Itália (25 milhões de euros). Na realidade, é uma fita de 150 minutos na qual participaram 300 atores, 35.000 extras e 1.431 músicos, com a interpretação das composições do maestro Ennio Morricone ao fundo. Sua elaboração durou dois anos.
O filme parte dos anos 30, quando Peppino, filho de um modesto camponês apaixonado pela leitura, descobre as injustiças sociais, lança-se na corrida política dentro do Partido Comunista e chega aos anos 60, três gerações depois, com seus movimentos de protesto e de libertação da mulher. A história de amor do comunista Peppino (o ator siciliano estreante Francesco Scianna) e sua mulher Mannina (a também modelo siciliana Margareth Madé), com quem terá muitos filhos, serve de pretexto para contar a evolução de um povo, a libertação da Sicília pelos americanos, as lutas dos camponeses por terras, o poder da máfia que assassina sindicalistas e a decepção com a política.
“Espero que sirva para refletir sobre o presente, sobre o reformismo, já que é preciso aceitar a convivência com pessoas que pensam de modo diferente. É necessário fazer despertar as paixões pelos direitos civis e morais, algo que foi perdido”, explicou Tornatore durante a entrevista à imprensa de apresentação. O diretor, de 53 anos, que foi militante do Partido Comunista italiano na juventude, agradeceu aos elogios de “alguém com o qual não estou de acordo politicamente” (Berlusconi) e ressaltou que seu filme “não é propriamente sobre a Sicília, é uma alegoria que, espero, possa ser aplicada em outros países, em todo o mundo”, disse.
A Mostra foi inaugurada com um desfile excepcional de atores italianos e com a presença do filho de Berlusconi, Piersilvio, dirigente da Mediaset, pelo que foram reforçadas as medidas de segurança. Durante 10 dias, serão projetados 80 filmes, dos quais 25 na competição oficial em busca do cobiçado Leão de Ouro.
Um filme peruano e dois brasileiros participam da sessão Horizontes, no festival de Veneza. Os dois filmes do Brasil selecionados para o festival são o curta “O Teu Sorriso”, de Pedro Freire, e o longa “Insolação”, de Felipe Hirsch e Daniela Thomas. Integraram a mostra Horizonte, não competitiva e que busca apresentar um panorama do cinema mundial; os dois filmes têm o ator Paulo José no elenco.