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Milhões de peregrinos chegam a Meca sob boicote do Irão um ano após tragédia

A Arábia Saudita é governada por “uma família maldita e maléfica”, disse há dias o guia supremo iraniano, Ali Khamenei, reafirmando o boicote de Teerão à peregrinação anual a Meca. A resposta de Riade veio via grande mufti da Arábia Saudita, segundo o qual “os iranianos não são muçulmanos”. Esta guerra de palavras entre os grandes rivais regionais, representantes das duas grandes correntes do islão, o sunismo e o xiismo, marca o arranque neste sábado do Hajj – a peregrinação a Meca que todo o muçulmano deve fazer uma vez na vida, desde que tenha meios e saúde para tal.

Um ano depois de quase 2300 pessoas terem morrido espezinhadas numa debandada em Meca, 450 de nacionalidade iraniana, a Arábia Saudita aumentou as medidas de segurança para a peregrinação. Polícia e militares patrulham os locais por onde vão passar os peregrinos (ver P&R), sobretudo junto à Kaba, a construção cúbica que abriga a relíquia mais sagrada do islão e em torno da qual os peregrinos circulam. Nas cinco orações do dia, as autoridades deslocam barreiras de plástico verde para orientar os peregrinos, de forma a evitar atropelos. Se alguém sair do percurso, é logo travado. Neste ano, a Arábia Saudita espera receber cerca de dois milhões de estrangeiros em Meca. Há 1500 milhões de muçulmanos no mundo, com os sunitas a representar cerca de 90% e os xiitas 10%.

Na sexta-feira, com muitos peregrinos já na cidade, a oração semanal serviu de ensaio geral para os próximos dias. Helicópteros controlavam a multidão, enquanto as principais estradas de acesso à Mesquita Sagrada eram fechadas para os peregrinos passarem a pé.

O calor sufocante – preveem-se temperaturas acima dos 40 graus para os próximos dias – fez vários peregrinos sentirem-se mal. Precisamente para agilizar a resposta das equipas de emergência nestes casos, neste ano a organização distribuiu pelo fiéis pulseiras de identificação. Estas têm um código de barras que pode ser lido com um smartphone e contém todas as informações e contactos necessários para “identificar o peregrino, em particular os que falam línguas raras ou estão doentes, são idosos ou não conseguem comunicar”, explicou à AFP o secretário adjunto do Ministério do Hajj, Issa Rawas.

Após a tragédia do ano passado, a identificação das vítimas foi um dos desafios das autoridades sauditas. Riade sabe que tem de conseguir manter a situação sob controlo durante a peregrinação anual a Meca, que constitui uma enorme operação logística.

Guerra à distância

Vindos de todos os cantos do mundo, com vários tons de pele e falando uma enorme diversidade de línguas, os peregrinos acorrem a Meca anualmente para cumprir o quinto pilar do islão. Ausentes neste ano estão os iranianos. As tensões entre Riade e Teerão têm–se degradado desde o início do ano, quando a Arábia Saudita executou o clérigo xiita Nimr al-Nimr, defensor da minoria xiita, que acusava de apoio ao terrorismo.

O Irão, a grande potência xiita da região, chamou o seu embaixador e seguiram-se dias de tensão entre os dois países. Logo na altura, Teerão anunciou que iria boicotar o Hajj deste ano, acusando Riade de não ter conseguido garantir a segurança dos fiéis iranianos em 2015. Fechada a embaixada saudita no Irão, este pediu que os vistos para os fiéis fossem emitidos pela embaixada suíça. Riade respondeu que os iranianos podiam usar o sistema de vistos online disponível para todos os países.

Sem nunca se terem confrontado directamente, Arábia Saudita e Irão estão envolvidos em vários conflitos regionais, apoiando lados opostos. Na Síria, por exemplo, Teerão está com o presidente Bashar al-Assad, enquanto Riade apoia os grupos rebeldes que o tentam derrubar, além de fazer parte da coligação internacional que luta contra o Estado Islâmico. No Iémen também, o Irão está com os rebeldes houtis (xiitas), e a Arábia Saudita com o presidente Abed Rabbo Mansour Hadi.

Esta não é a primeira vez que o Irão suspende as viagens para Meca. Já em 1987, morreram cerca de 400 peregrinos, a maioria iranianos, em confrontos com as forças de segurança sauditas. Na época, decorria a guerra Irão-Iraque, em que o regime de Bagdad tinha o apoio dos sauditas, e estava no auge a tensão entre Teerão e Washington. Na origem dos confrontos em Meca esteve, precisamente, um manifestação antiamericana.

A interdição declarada em 1987 esteve em vigor por três anos e as relações diplomáticas foram suspensas até 1991.

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