Perder os progenitores e ficar sem sustento é a dura realidade de muitas crianças e adolescentes em Moçambique. Zezito é mais um deles mas, apesar de viver no limiar da pobreza, ainda acredita em dias melhores.
“Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”
O número um do artigo vigésimo quinto da Declaração Universal dos Direitos do Homem não deixa margem para dúvidas: alimentação, saúde e bem-estar não podem ser uma miragem. No entanto, cada vez mais, para algumas pessoas, esse direito parece um sonho sempre adiado.
Zezito é um dos rostos que enchem as estatísticas das tristes histórias de vida. Faz 16 anos em Setembro, perdeu o pai aos 13 e lembra-se de que depois disso veio a Maputo viver com um tio. Contudo, o seu protector também perdeu a vida, vítima de doença prolongada, e a sua vida virou um pesadelo porque a tia com quem ficou disse que “na sua casa não havia comida que chegasse para mim”, conta.
O drama do Zezito não tem a sua génese na morte do seu progenitor já que o tio, irmão mais velho do pai, tratou-o como um filho. “Com a pensão de morte do meu falecido pai o meu tio comprava-me roupa, sapatos e pagava a minha escola”, refere. O pesadelo começou este ano, quando o tio perdeu a vida. É assim que as possibilidades de Zezito continuar a levar uma vida digna esfumaram-se. A tia tirou-lhe tudo: a pensão, o vestuário e a única hipótese de instrução. E como se isso não bastasse, convidou-o a abandonar a casa. Deste modo, José Luís Macamo, ou simplesmente Zezito, saiu de uma casa precária na qual vivia na miséria, mas consumia água potável, para uma palhota de caniço, onde vive de favor e bebe água do poço. Passa, igualmente, uma refeição por dia porque, devido ao facto de não ter instrução nenhuma, poucas qualificações para o comércio informal, inúmeros problemas de saúde, não tem a menor oportunidade para melhorar a sua vida.
Hoje, com 16 anos de idade, Zezito enfrenta um sofrimento um grande sofrimento o que o torna um adulto precoce: por ser albino não pode comer mariscos, não pode ficar muito tempo exposto ao sol, não vai à escola, é discriminado, não tem amigos da sua faixa etária. Ainda assim, é obrigado, para sobreviver, a expor-se de sol a sol.
De referir que “quando os primeiros sinais da enfermidade do meu tio bateram a porta, obrigando-me a trocar o “chapa” da escola pelo do Hospital Central, não imaginava o que me esperava”, conta amargurado.
O menino que já foi personagem de um artigo no @VERDADE, com o título “Maputo só janta” não faz contas à vida e prefere falar dos desafios que enfrenta para sobreviver. “Trabalho numa horta onde plantamos alface, tomate e cebola para consumo e comércio”, esclarece o rapaz que agora reside numa casa sem água e luz. Aliás, não será preciso um vento ciclónico para derrubar as paredes da nova residência de Zezito. O tempo e a precariedade do caniço já estão a fazer o seu trabalho. De segunda a segunda, o petiz alimenta-se de farinha de milho e verduras.
A horta na qual Zezito trabalha é pertença de dona Celina, a idosa que lhe deu um tecto no bairro Kumbeza. O canteiro dista quatro quilómetros de casa e localiza-se ao pé da Academia de Ciências Policiais de Michafutene, ACIPOL.
O itinerário de Zezito
Num passado não muito distante, já teve razões para sorrir, como outros meninos, foi estudante, com uma pasta ao colo, lanche e outros privilégios.
Zezito levanta-se todos os dias antes de o dia se decidir a nascer. As quatro e picos da madrugada, abre uma porta de madeira, desengonçada pelo uso e pelo tempo, e ruma para a lavoura. Tem44 quilos e outros 35 de lenha na cabeça. Apesar de ter perdido tudo, é uma criança de fibra, não alinha nos queixumes da adolescência nem maldiz a tia, mas pedir-lhe para falar da sua vida abala-lhe a estrutura. Os olhos molham-se um pouco. “Não está nada fácil”, repete.