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SELO: As maxi-saias: Do resgate da decência à feminização da indecência nas escolas – Por Maria Velemo

Sobre as saias maxi não há como ser indiferente. Até porque é o tema de actualidade das conversas de rua, corredores, redes sociais e canais de informação. É compreensível que o tema divida opiniões, é ainda mais compreensível que muitos outros cidadãos não estejam clarificados sobre a natureza dos debates à volta das mini e maxi saias.

Compreenda-se de que as escolas já há muito que deixaram de ser um espaço seguro para as meninas, em particular as adolescentes, por várias razões, e dentre elas o abuso sexual – o que é uma gritante forma de violação dos seus direitos humanos. Poderia chamar a atenção para os inúmeros factores que obrigaram ao Ministério da Educação a dar a mão a palmatória e a aceitar que existem abusos sexuais nas escolas, daí a Campanha “Tolerância Zero”. Se ainda vigora, não está a funcionar como deve ser, de contrário, foi esquecida.

Recordem-se que desde sempre o tamanho da saia de uniforme se recomendou que fosse abaixo do joelho e não consigo compreender onde estávamos nós (escola, Sociedade Civil, pai e encarregado de educação) que permitimos que esta chegasse à mini-saia. É verdade que o Ministério está de parabéns pela iniciativa de fazer uma revisão ao uniforme escolar, mas há que sublinhar que foi infeliz na argumentação/justificativa apresentada, a basearmo-nos pelas entrevistas dos quadros do Ministério (Jornal Notícias, 18 de Março). O próprio Sr. ministro, nos órgãos de comunicação, “só meteu água”.

A questão da educação no país é uma vergonha. A qualidade dos alunos que saem do ensino público deixa muito a desejar. O elevado número de reprovações, põe em causa não só a qualidade do aluno, mas a qualidade do professor. As condições de infra-estruturas das escolas são outro assunto a se ter em conta na criação de um ambiente favorável para um bom processo de ensino e aprendizagem.

Lamentavelmente, segundo o discurso do Ministério da Educação, as saias maxi vão melhorar o ambiente de ensino para o professor e repor a decência nas alunas assim como devolver o valor as escolas. Serão estas as reais razões para a uniformização do tamanho das saias? O que é que pretende o ministério transmitir com estas palavras já que para mim fica claro, que mais uma vez, as adolescentes com as suas mini-saias tiraram o valor da escola, se tornaram indecentes e minam o ambiente de trabalho do professor. Para mim isto é uma vergonha sem igual.

Mais uma vez, a escola está a reforçar os estereótipos de que a saia curta é indecente, quem põe saia curta está a pedir para ser violada, a carne é fraca, ao mesmo tempo que foge do seu papel de educar, ensinar que as pessoas têm que aprender a saber ser e saber estar, saber conviver e se adaptar as regras e hábitos saudáveis, saber respeitar os outros e a si mesmas, e isto transcende qualquer proibição.

Preocupou-me no artigo de opinião, no Notícias, no dia 24 de Março, sobre as saias maxi:

«Ilustres, sempre temos vindo a abordar sobre as tendências da “bordelização” das escolas moçambicanas e uma das causas é a forma de vestir das nossas educandas. Antes de professor, o profissional da educação, passa a repetição, é um Homem.

Tem sido comum, ver algumas das nossas educandas desfilando daquelas mini-saias nos corredores das nossas escolas, sobretudo, nas proximidades das salas dos professores, ostentando sua voluntariedade em serem possuídas.

Sentimos que já é tempo de nos questionarmos sobre quantos professores perderam seus lares por causa das saias curtas e justas de suas alunas, quantos já perderam seus empregos, sobretudo, nas escolas secundárias de ensino-privado. De certeza, muitos!»

Até que ponto temos consciência do impacto destas afirmações que não só são escritas nos artigos de opinião, mas também ditas de forma irresponsável e inconsequente? Que sociedade estamos a querer construir e que modelos de educação estamos a reproduzir, com abono do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano?

É um insulto dizer que as mini saias ostentam a voluntariedade em ser possuídas. É um insulto maior ainda dizer que o professor além de profissional é homem. Ou será isto uma proposta a que voltemos para o debate de sexo e profissões, porque sim, estaríamos a dizer os gineco-obstetras que não abusam as suas pacientes têm a sua masculinidade em causa.

Verdade é que nem as saias maxi e nem as camisas de mangas compridas, fechadas até ao último botão (que já é proposta nas redes sociais) vão resolver o assunto dos abusos sexuais nas escolas e nem melhorar a qualidade de educação. Se alguma coisa precisa de revisão urgente nas escolas é a purificação dos quadros da educação, professores abusadores e pedófilos não podem ser vistos como vítimas porque não o são. Professores abusadores e pedófilos são abusadores e pedófilos e a Escola não é um lugar para eles e sim a cadeia. Nunca as adolescentes e as saias curtas devem ser vistas como responsáveis pelos lares desfeitos dos professores. Isto é desprezível. E lamentavelmente, a imposição das saias maxi só reforça este conjunto de insultos e expõe a figura das meninas adolescentes como um perigo para os homens e seus lares. Isto é para ser veementemente desmentido e desconstruído.

Convido a todos a vivenciar o ambiente desconfortável que as maxi-saias causam nas paragens na hora do chapa. Se já apanhar o chapa era uma confusão, as saias maxi reforçaram o caos. Já alguém pensou no desconforto das saias maxi nos dias de chuva? E nos de intenso calor? O que será que faz das escolas que impõem as saias maxi melhores que as que simplesmente exigem um palmo a baixo do joelho?

Construir uma sociedade que privilegia os princípios de respeito por si e pelos outros, independentemente da roupa, raça, etnia, religião, cultura, estado civil é um dever de todos, assim como é dever de todos repudiar acções, pensamentos, atitudes, valores que estigmatizam, discriminam, hostilizam, oprimem. A solidariedade entre as pessoas tem que ser parte de todos nós. É hora de dizer aos rapazes, as meninas têm direitos ao lazer e circulação, tal como vocês, andam a noite e vão a espaços públicos, não as violem e nem abusem sexualmente, respeitem-nas.

É hora de dizer aos professores, as alunas adolescentes são crianças e não mulheres, portanto, eduquem-nas e não as abusem sexualmente. É hora de dizer, somos seres humanos, racionais, e não animais. A consciência tem que apitar a todo acto errado que pretendermos fazer. É tempo de educar e não de punir e nem justificar o erro. Por Maria Velemo

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