O apelo da Autoridade Tributária (AT), através de um comunicado de imprensa emitido na semana passada, para que os actores socioeconómicos denunciem os casos de exportação ilegal de madeira às autoridades competentes, cujos casos mais gritantes têm sido, por exemplo, relatados a partir das províncias de Sofala, Zambéziae Nampula, é adequado, mas não encontra suporte na legislação anti-corrupção moçambicana, concretamente no que tange aos potenciais denunciantes (Lei n.º 15/2012, de 14 de Agosto) destas situações que não estão protegidos através de medidas jurídico-legais efectivas, o que pode levar a que a invocação desta instituição do Estado não surta os efeitos desejados.
A Agência de Investigação Ambiental (EIA) divulgou em 2014 um relatório sobre a exploração ilegal de madeira em Moçambique, no qual revela, em suma, que a situação é desastrosa. Em 2013, 93 porcento da extracção de madeira em Moçambique foi ilegal e praticamente não existe fiscalização. As medidas que têm sido propaladas pelo Governo com vista a estancar este problema não se fazem sentir. Da mesma investigação consta ainda o facto de figuras seniores do Executivo e, por conseguinte, filiadas ao partido Frelimo, estarem implicadas na pilhagem de espécies de madeira e nada lhes acontece.
A título de exemplo, José Pacheco, ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, já foi acusado de um alegado envolvimento no contrabando de madeira no país.
Numa investigação, a EIA teve acesso a gravações ocultas de depoimentos de empresários do sector da madeira, nas quais, um deles, de nacionalidade chinesa, diz ter dado dinheiro a José Pacheco pelo seu papel de “facilitador” na exportação de madeira traficada para a China.
O assunto, que levou a Justiça Ambiental, o Centro Terra Viva, o Centro de Integridade Pública e a britânica EIA a exigirem que o Governo respeitasse a independência da Procuradoria-Geral da República (PGR) quando “simulou” uma averiguação dos factos imputados a José Pacheco, cujo desfecho nunca foi publicamente convincente porque o Gabinete Central de Combate à Corrupção efectuou uma “pseudo-investigação” que culminou com a ilibação dos visados “mesmo com o manancial de provas que foram apresentadas contra os mesmos, ainda continua a dar pano para mangas.
Em Outubro de 2014, o CIP, uma organização moçambicana, dedicada à boa governação e transparência, publicou também um estudo no qual denunciava que a campanha eleitoral da Frelimo, partido que conduz os destinos dos moçambicanos há 40 anos, com vista às eleições de 15 de Outubro daquele ano, teve um financiamento de cerca de 10 milhões de meticais provenientes de madeira contrabandeada na Zambézia.
“O esquema de angariação de fundos para financiar a campanha foi desenhado e implementado pela Direção Provincial de Agricultura da Zambézia”. Para o efeito, a fórmula encontrada para obter os fundos em alusão foi a emissão de autorizações de corte e trânsito de madeira ilegal”, de acordo com o CIP.
Na última sexta-feira (11), a mesma organização voltou à carga para dizer que “uma das questões que fazem com que os potenciais denunciantes não apresentem ca sos de que têm conhecimento às autoridades com petentes, designadamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) e aos gabinetes regionais de com bate à corrupção de Sofala e Nampula e nas províncias onde existam pontos focais desta instituição an ti-corrupção, é o facto de os mesmos não se acharem protegidos de prováveis represálias que possam vir a sofrer por parte dos infractores”.
“Não raras vezes, os contrabandistas de madeira são agentes da alta administração, ministros e personalidades pertencentes à elite político-económica e empresarial do país e que têm bastante poder para intimidar e, quiçá, aplicar represálias aos denunciantes, num país onde reina a impunidade para este tipo de infracções e outras. O tráfico ilegal de madeira tem sido uma realidade em quase todo o país e envolve tanto a elite política, funcionários do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar como também guardas florestais e funcionários das Alfândegas”, refere o CIP.
Para a efectivação da Lei n.º 15/2012, de 14 de Agosto, “cabe ao Governo a criação de condições através do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, à qual a AT deve solicitar a intervenção.
Cabe ainda “à PGR e ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), como instituições encarregues do combate à corrupção em Moçambique e a quem interessa que esta lei de facto seja implementada, a aplicação das medidas que a mesma prescreve em favor dos denunciantes e demais sujeitos processuais, visando controlar o fenómeno da exportação ilegal de madeira”.